O coração sabe. Acredite...
Eu
- Pai, não acha que estamos nos arriscando? – Allenda perguntou, sentando-se ao seu lado.
- Do que está falando, filha?
- Ora, de Uivo.
- Ah, claro... – sorriu. – E por que estaríamos nos arriscando, Allenda?
- Ele desapareceu. Já faz muito tempo que não aparece, pai. Não seria aconselhável mantê-lo sob vigilância?
- Seria, filha. Mas nós o tratamos como inimigo, o tratamos mal demais, filha. Nós o expulsamos, não se lembra?
- Eu sei, pai. Mas, tudo era novidade, e a gente estava perdido e... Ele é nobre e...
Adanu viu as mãos dela tristes brincando com um talo de grama. Até mesmo suas tatus estavam quase sumidas. Suspirou fundo, aquietando a dor que ia no seu coração.
- Jádina? – ele sussurrou penalizado.
- Saudades, pai – ela confessou tão baixinho que Adanu sentiu um grande peso caindo em seu coração. Então decidiu que realmente tinha que fazer alguma coisa.
- Você está certa, minha filha. Quando se olha para a comitiva é fácil ver que há uma dívida e uma dor que não deviam estar conosco. Até mesmo Itanauara sente isso.
Adanu sentiu sua alma gritar quando viu uma lágrima fria e sem fogo cair no chão, entre os pés de Allenda.
A puxou para si, num terno e sentido abraço.
- Vai chamá-lo?
- É preciso, não é mesmo? Ele precisa saber que não o abandonamos e que sentimos sua falta, não precisa? Não gostaria que ele se forçasse a se esquecer de nós.
- Aiiiiiii... – Allenda gemeu, o rosto pesado no ombro do pai.
- Allenda, se lembra de quantas vezes te contei sobre eu e sua mãe, como a gente se estranhava, sempre e sempre? – perguntou afastando-a um pouco e sondando seus olhos com intenso carinho.
Love what you're reading? Discover and support the author on the platform they originally published on.
- Me lembro sim... Como conseguiram? – murmurou, subindo os olhos para o pai.
- Nós aprendemos a nos olhar nos olhos.... Mas, agora – falou se levantando, - preciso achar o Tenebe. Tem algumas coisas que a gente tem que arrumar – falou se afastando sem precisar olhar para trás para saber que uns olhinhos haviam se enchido de luz.
- Eu também venho pensando nisso, nesses últimos dias – Tenebe confessou, observando os olhos de fogo brando de Adanu. Vejo a comitiva, e sinto que esse peso não está só em mim; vejo Allenda, e vejo que a saudade não é só minha – sussurrou. – O que quer que eu faça?
- Que o chame. Sei lá, invente algo. Que seja só entre vocês, mas precisamos ter uma chance de... de nos desculparmos.
- Ele ainda não é um demônio resolvido – Tenebe lembrou.
Adanu abaixou a cabeça, os olhos perdidos no chão.
- Talvez não. Mas as notícias chegam. Parece que ele está conseguindo grandes coisas como demônio junto à... Danbara.
- Jádina e Uivo?
- Temo pela minha filha, Tenebe. Tudo nela está se desfazendo, ruindo, se apagando. Eu não fazia ideia de quão forte era a ligação dos dois, ... ou dela, ao menos.
- Uivo é forte, Adanu, e eu o vi se quebrar e se refazer. Eu conheço a sua dor, e ele conhece a dor de Allenda. Mas, sabe que eles ainda vão se estranhar por um bom tempo, se a gente conseguir acertar um pouco as coisas, não sabe?
- Sei. Mas, eu dei a receita para Allenda, para se conter quando esses momentos de enfrentamento se apresentarem.
- É mesmo. E o que aconselhou? – perguntou, um sorriso curioso nos lábios.
- Os olhos, Tenebe.
- Bom conselho, meu amigo. Isso foi bom... – sorriu satisfeito. – Bem – falou se levantando, - vou ver se consigo fazer ele vir até nós. Talvez uma conversa sobre um juguena com quem ele vem andando...
II
No vigésimo dia, quando Jádina e Uivo estavam abraçados num canto mais reservado, ouviram um pio ecoar além do monte ao pé do qual estavam.
Jádina o viu primeiro, sobrevoando o acampamento. Seu coração pulsou fracamente, e soube que o dia que receava havia chegado.
- Temos que ir, Uivo. A ave desceu no acampamento. Ela está procurando por você.
- Mas, por que está dizendo isso?
- Apenas sei que ela te procura. Vá, rápido. É a linha do destino se desenrolando – incentivou, se vestindo rapidamente. Assim que Uivo já estava apresentável deu-lhe um longo e demorado beijo, e o puxou carinhosamente em direção ao acampamento.
Juntos subiram o monte, de onde podiam avistar o acampamento.
- Jádina... Eu, eu não sei se...
- Agora você deve ir, Uivo. Tudo vai dar certo, você vai ver – falou, empurrando-o com suavidade.
- Mas eu não sei o que...
- Vá... – pediu com um sorriso triste no rosto.
Por algum tempo Uivo ficou observando-o com intenso carinho, suas mãos agarradas nas dela.
- Está bem, eu vou. Mas vou voltar...
- Eu sei que vai, meu querido. Agora vai...
De cima do monte, com o coração silencioso, ela ficou observando-o. Viu os passos o carregarem pesados para longe, e de quando em quando sorria para o rosto abatido quando se virava para vê-la.
Ela sorria e abanava as mãos, desejando parecer confiante e feliz, satisfeita por ele, daquela distância, não conseguir ver as lágrimas que desciam pelo seu rosto.
Pelos modos dele ela imaginou que ele também desconfiava que o destino o chamava para um caminho que o colocaria um for a do alcance do outro.
Então se virou e se afastou, se afundando para os lados da cachoeira.