E se pudéssemos sair da ilusão do esquecimento...
O sol se mostrava muito forte, quando encontrava uma brecha nas nuvens grossas que tomavam o céu. Há muito tempo não chovia, tanto que eu até mesmo tinha dificuldade em me lembrar da cortina que vagava apressada pela terra e do barulho das gotas no chão. Olhei a paisagem crestada e suspirei, os olhos sonhadores e magoados na linha do horizonte, onde a paisagem se movia como se tivesse se tornado liquida, como água tão sonhada e suspirada. Mas eu já sabia que era apenas uma ilusão.
Eu me encolhi quando algo brilhante como uma cobra correu subitamente pelo céu, riscando-o como uma trinca no solo seco feito de fogo. De súbito, o chicote de algum deus furioso e indiferente à dor dos homens trovejou no alto, o céu parecendo explodir. Todo o ar pareceu ter sido espremido e sacudido, enquanto um som terrível ecoava como se algum tecido grosso estivesse sendo rasgado. Rapidamente ele foi se tornando mais profundo e grave, enquanto escoava e se espalhava pelas nuvens. Queria gritar, mas tinha medo de que a serpente de fogo que eu vira, e que agora corria por cima das nuvens, me ouvisse. Esperei um pouco, o coração sufocado, os saltos que eu buscava sufocar e manter inaudível. A serpente continuava a se mover acima da minha cabeça, o som terrível de seu rastejar se tornando cada vez mais grosso, como se estivesse em busca de alguma coisa para punir. Assustada, tomada de um horror descomunal, permaneci em total silêncio. Então o monstro se foi, rugindo e reboando por cima dos montes, até se perder bem além deles.
Inspirei profundamente, sentindo as dolorosas rachaduras nos meus lábios. Olhei desamparada para as distâncias ermas, sentindo meus ombros caírem. Desisti de ir mais adiante.
Não podia ouvir qualquer sinal de vida. Nenhum animal ou pássaro vivia mais ali. Aparentemente, somente eu resistia naquele lugar.
Com a respiração entrecortada esperei algum tempo a mais, e como nada de novo aconteceu, sentindo-me como um trapo me levantei e voltei para a beira da velha poça, olhando com intenso receio para os lados e para o céu e para a linha do horizonte acima dos montes à minha frente. Ao chegar à poça fiquei algum tempo olhando desanimada para aquela terra rachada em blocos.
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Nada mais havia ali.
Então olhei para o caminho largo de pedras que descia das montanhas.
Tentando me decidir o que faria virei o rosto para trás, confirmando abatida que não tinha mais nada lá, nem tinha como viver lá. Aquele lugar, antes tão verde e cheio de vida, agora estava morto. Os últimos tinham ido embora alguns dias atrás, seguindo os animais em busca de água. Eu fiquei com minha mãe, porque ela não aguentava mais andar.
Com muita dificuldade ela conseguiu se arrastar até ali, pois tínhamos esperança de que haveria pelo menos um pouco de água, nem que fosse um pouco de barro, que a gente poderia pôr na boca. Mas ali só tinha aquela terra rachada e dura.
Com um suspiro indiferente, por causa da fraqueza e da sede, fiquei observando o seu corpo caído na beira da poça, a mão velha e seca enterrada numa rachadura da terra dura, acreditando teimosamente que dali conseguiria extrair alguma vida. Mas ela nada encontrara, e desistira, e se fora, algumas horas atrás.
Eu estava sozinha.
Então pus os olhos na trilha de pedras, muitas delas grandes e roliças, que subia para o alto da montanha por uma ravina larga. Resignada comecei a escalar as pedras, porque eu sabia que a água sempre vinha de lá de cima.
Por muito tempo fui subindo.
Eu estava perto de uma curva longa que o terreno pedregoso fazia, em cima de um paredão muito alto que eu havia escalado pelos lados, quando senti um vento frio tocar meu rosto. Parei e prestei atenção, percebendo que a cada momento o vento se tornava um pouco mais forte. Então eu percebi o que era, e saltei de alegria, porque tinha umidade ali. Fiquei aguardando, tentando ver o que poderia estar acontecendo. Minha alegria foi aumentando lentamente ao identificar, como se fosse de muito longe, o som quase esquecido de água correndo sobre o solo.
Foi súbito quando ela apareceu rugindo.
No princípio se pareceu com finos cordões esbranquiçados se espichando por entre as pedras roliças ravina abaixo. Olhei com interesse, o coração agradecido seguindo seus movimentos. A água se movia como um manso animal de prata, descendo por entre as pedras. Era pouco, mas nem deu tempo para correr quando percebi que ela se engrossava e se tornava como um animal bravo.
Em pouco tempo a água era barrenta e cheia de pedras, e rugia como um leão. Uma pedra acertou minha perna, e quase me derrubou no que agora era uma cachoeira que cada vez mais se engrossava às minhas costas. Firmei os pés e esperei que se acalmasse, enquanto procurava identificar pedras sobre as quais pudesse saltar para escapar dali. Então vi um tronco rolando em minha direção. Só tive tempo de me agarrar nele quando ele me acertou.
Com uma imensa brutalidade e indiferença pela minha sorte ele me levou para baixo.
Senti que meu braço foi puxado com violência enquanto eu caia, e depois uma perna, e então uma pancada na cabeça e...