E se você pudesse se ver como um facho de luz...
Ela pulou sobre meu filho. Nem pensei. Pulei sobre a onça. Minha lança entrou pelo lado, mas ela estava furiosa demais, porque ela também estava com o filhote dela. Ela se virou e a lança, numa estilingada, escapou da minha mão.
Eu saltei sobre suas costas, as garras da pata traseira rasgando as costas das minhas pernas. Ignorando a dor gritei para o meu filho correr e voltar para a aldeia.
Consegui dar duas estocadas com a faca perto do ombro dela, quando ela girou e me derrubou.
Fiquei de quatro, os olhos presos nos olhos da onça. O rabo dela se mexia, nervoso, irritado.
- Vá embora – eu disse para ela. – Nós duas estamos feridas demais. Eu estou defendendo a minha filha, como você defende a sua. Não quero fazer mal a nenhuma das duas.
A onça se moveu nervosa, como se estivesse encurralada.
Bem lentamente me levantei, o corpo arqueado para a frente, a faca firmemente presa na minha mão. Eu precisava deixar um caminho livre para a onça, que se sentia encurralada, para ela poder sair daquela grota funda e levar consigo sua preciosa cria.
Consegui me afastar o suficiente do caminho.
Ela parece que entendeu, e se dirigiu para seu filhote.
Mas, parece que tudo tem um momento para acontecer, que não pode ser contornado.
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Antes que ela pegasse seu filhote, talvez pelo que presenciara, talvez atordoado pelo medo, ele se moveu para a minha nova posição.
Finquei o corpo, deixando as pernas mais relaxadas, sabendo o que iria acontecer.
Como um corisco ela atacou novamente, a boca tentando se fechar contra minha garganta. As garras dianteiras se cravaram em minhas costas como galhos de unha de gato. As patas traseiras se apoiaram dolorosamente e fincaram dolorosamente nos meus quadris.
Lembro-me de estar ainda gritando de dor quando a atingi várias vezes no lado do peito, tentando acertar seu pulmão e seu coração.
Mas estava demais para mim, já com o corpo bem arruinado. O peso dela me empurrou contra o chão, enquanto as patas traseiras, numa fúria e pressa alucinadas, me rasgavam a barriga e os lados.
Num movimento de dor da onça a faca se foi. Então cravei meus dentes na garganta dela enquanto meus dedos procuravam seus olhos, e ficamos nós duas assim, por alguns segundos.
Então ela me soltou e se afastou.
Ela estava tão arruinada quanto eu. Eu havia conseguido furar um de deus olhos, e saia um sangue espesso de sua garganta, peito e costas.
- Lamento tudo isso – gemi baixinho para ela. – Foi tudo um engano...
Me forcei a ficar de joelhos. A faca estava bem perto, e com pouco esforço consegui pega-la de volta. Estava sem forças para empunhá-la, mas sabia que se ela atacasse novamente, eu iria dar tudo de mim para me defender.
Ela então olhou para seu filhote, que se aproximou finalmente dela. Ela se virou para mim e deu um urro doído, como se também lamentasse o que tinha acontecido.
Então ela pegou seu filhote e, com uma terrível lentidão feita de dores, se afastou com dificuldade para dentro da floresta.
Em meu íntimo torci para que ela conseguisse alguma forma de dar um futuro para seu filhote, porque eu sabia que nem eu nem ela iriamos sobreviver ao nosso encontro.
Cai de joelhos. Senti como se fosse apenas informação de que algumas pedrinhas machucaram meus joelhos. Mas, estava tudo bem. Meus braços caíram ao longo do meu corpo, e achei aquela posição bastante confortável, enquanto sentia meu sangue saindo de mim. Era quente, até gostoso senti-lo escorrer pela garganta, peito e costas e ancas. Se eu não tentasse me mexer, e se eu respirasse bem curtinho e devagar, até que dava para aguentar.
Quando eles surgiram na curva da trilha, vendo um irmão carregando minha filha de olhos esbugalhados, eu sorri, pois sabia que tudo ficaria bem, na escuridão que me tomava.