Do sol tomei matéria e me dei um corpo, como do sol juntei ao meu lado tudo de que precisava para o que queria fazer. Mas a hora de voltar para casa chegou.
Nascemos perfeitos, quando flutuamos para fora do UM. Então nos lançamos nos espaços vazios, curiosos sobre o que havia ali. E construímos coisas e universos, e passamos a nos dividir cada vez mais, diminuindo as frequências dessas novas expressões de nós mesmos, experimentando coisas totalmente novas. Como crianças felizes nos paraísos um dia nos pusemos pensativos, e nos perguntamos o que aconteceria se acaso diminuíssemos nossas vibrações até quase a imobilidade. Caímos ainda mais na escuridão que nos deixou surpresos e maravilhados com as novas possibilidades que poderíamos experimentar. E nos propusemos esquecer, momento em que uma dor lancinante nos atingiu, e em um jogo terrível e perverso nos lançamos. Lentamente algumas expressões de nós foram emergindo dessa massa escura, e suspiramos aliviados e assombrados: o nível de evolução que haviam conseguido era simplesmente maravilhoso. E, é provável, que a experiência aqui, neste planeta, seja a experiência mais profunda e dramática dessa possibilidade, apesar de terem sido poucos os que conseguiram voltar para casa – até agora.
Eu estava sentado na poltrona de casa, assistindo televisão. Eu sou um cara quieto e meio arredio, não tendo coisas ruins em meu coração. Guardava amor e respeito à toda a vida, e isso me fazia e me faz cada vez mais silencioso.
Então senti um calor subindo levemente pela minha coluna. Era um ardor suave. Começou no coccix, lentamente subindo pela coluna. Como era suave não me incomodei, prestando à sensação uma atenção distante. Assim foi até que atingiu a base do meu cérebro: senti um impacto seco apesar de suave. Meu corpo todo ficou paralisado, enquanto um calor suave entrava e se espalhava por toda minha cabeça.
This book is hosted on another platform. Read the official version and support the author's work.
Por mais estranho que pareça, não senti qualquer pânico nem mal-estar.
No entanto, assim que esse calor encheu meu cérebro, lentamente o ardor foi se elevando, tornando-se mais poderoso. Era um calor, agora, que se espalhava a partir da minha coluna e do meu cérebro, tomando todo o meu corpo.
Prestei atenção em mim, conferindo que não sentia qualquer dor, mesmo que aquele mal-estar estranho me deixasse confuso.
Com certo esforço consegui voltar meus olhos para baixo, para as minhas pernas e pés, e estranhei que não conseguia vê-los. Ao invés disso, eles estavam envolvidos por uma aura branca-dourada.
Com cuidado consegui observar minhas mãos, e foi então que notei que da minha coluna essa mesma luz, só que mais forte, se irradiava para o resto do corpo, como que sentia que do meu cérebro a luz se reforçava para baixo.
Tentei inspirar e não consegui, porque era como se eu fosse o próprio ar.
Subitamente, como uma explosão silenciosa, me vi sendo inteiramente luz, agora em pé, ao lado do meu corpo.
Seria natural que eu me sentisse assustado com o que via, mas estranhamente eu estava em paz, como se aquilo fosse algo normal e natural.
Percebendo um movimento ao meu lado sorri, pois sabia quem seria.
- Então essa vida acabou – suspirei, vendo o fogo tomando todo o corpo sentado na poltrona.
- Não, meu amigo; essa experiência acabou. Você está voltando para casa.
- Como eu poderia saber que seria assim? – suspirei novamente, vendo o fogo diminuir de altura. A fumaça era pouca, e só a parte da poltrona onde o meu estivera acomodado fora queimado. Tombei um pouco a cabeça, e vi que meus pés e os tênis estavam ali, normais, quase intocados, enquanto todo o resto se mostrava calcinado e se desfazia em pó.
- Se arrepende? – perguntou o meu mentor com um sorriso tranquilo.
- De forma alguma. Que experiência, meu amigo. Dolorosa, terrível, muitas e muitas vezes solitária. Sabe, confesso que nem consigo determinar quantas vezes me deixei desesperar. Ah, mas que experiência, que experiência...