E se você se lembrasse o que realmente é o mal...
Eu tinha acabado de sair do exército, e me julgava preparado para muitas coisas, e era idiota demais para acreditar nisso.
No quarto estamos eu em pé, perto da porta, segurando a arma que fora buscar no quarto do meu pai. À minha frente havia três camas. Na do meio duas irmãs estavam sentadas, e à esquerda dessa, estavam meu irmão mais novo com o caçula.
Confiante, pus um projétil na câmara, me certificando de que estava apenas um ali, e rodei o tambor de tal forma que ele ficasse a um giro da entrada do cano.
Na minha ignorância julguei que, quando eu acionasse o cão, ele iria fazer um movimento horário.
Então a engatilhei, e não conferi a posição do projetil.
Apontei a arma para o meu irmão mais novo.
- Olha, eu estou acostumado com isso. Tenho certeza de que, se eu apertar o gatilho, nada irá acontecer. Não haverá disparo.
- Então pode atirar – ele me disse.
Eu olhei para aquele lugar. Era como uma fogueira, e havia aquela escuridão iluminada a nossa volta. A via láctea estava acima, majestosa, e parecia se curvar sobre nós. E o chão é como se fosse a lâmina de água totalmente transparente, onde também a via láctea estava sob nós, também se curvando abaixo de nós. É como se estivéssemos no meio de duas folhas de coqueiro unidas, tendo acima e abaixo a luminosa via láctea. Meu irmão mais novo estava ao meu lado sentado num toco de árvore, e ao lado, havia um homem, que não me parecia estranho, apesar de não poder precisar de onde o conhecia.
A fogueira crepitava alegre, subindo fagulhas magicas no ar que ela mesma criava. Havia uma pluma de fumaça subindo também, indo de encontro à via láctea, que parecia acolhe-la com imenso carinho.
- Então, como vai ser?
Me virei para o homem, totalmente confuso.
- Como? Não entendi – questionei, passando os olhos pelo meu irmão, que parecia tão confuso quanto eu.
- Está bem, está bem. Vou esclarecer para vocês dois. Vocês estão mortos.
Olhei meu irmão, e olhei para aquele lugar, e tudo me parecia perfeito. Não entendi as palavras do homem.
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> Vou ser mais claro – e a voz do homem estava tranquila e, até mesmo, um pouco enfastiada. – Você – e apontou para mim, - matou você – falou, apontando para o meu irmão. – E, tomado de horror e desespero, se matou na frente de suas irmãs, que estavam em estado de choque.
Eu me preparava para reclamar quando houve um som oco, como uma explosão. E lá estava tudo. A arma disparara, e meu irmão caiu, a cabeça toda em sangue lançada com estupidez contra a parede. Meu irmão mais novo estava todo salpicado de sangue e uma massa cinza, os olhos esbugalhados, olhando para mim sem entender o que acontecera. Minhas irmãs estavam em estado de choque. E, envolvendo tudo, o som daquela explosão.
Então, num movimento rápido e automático, fruto de todo o horror que me envolvia, peguei um novo projetil do bolso, o inseri no tambor e disparei contra minha própria cabeça.
- Minhas irmãs, meu irmãozinho – minha voz quase não saiu, uma dor incrível se esforçando em me destruir. Olhei para o meu irmão, em silêncio ao meu lado. Tomado de desespero o puxei e o abracei, minha alma gritando e implorando por perdão.
O ser permaneceu em silêncio, observei agradecido.
Então me separei de meu irmão, seus olhos ainda em paz me observando
No meio de minha dor tive inveja dele. Era tão bom poder ser altruísta e compreensível como ele estava, sendo ele a vítima involuntária. Bem diferente do inferno em que eu estava mergulhado.
Olhei arrasado para o ser ao nosso lado. Eu não conseguia pensar em nada, com medo de ver novamente as imagens que eu vira.
- Vocês estão mortos, mas o momento não é adequado para este ponto de saída.
- Posso voltar?
- Pode – eu o ouvi declarar, um alívio escorrendo pela minha alma como um banho há muito desejado.
- E meu irmão?
- Se ele quiser...
- Você volta comigo?
Meu irmão olhou para os lados e para o alto, e para os olhos amorosos do ser que não observava amorosamente.
- Mas, aqui é tão bonito...
- Eu sei, meu irmãozinho, mas, se você não voltar comigo, tenho certeza de que vou enlouquecer.
- Sabem, a escolha é de vocês. Esse não era o momento de saída. É apenas um ponto de saída, daqueles que se pode rever. Vocês dois ainda tem muitas coisas para realizar. E não só com vocês, toda a família, como os que presenciaram essa fatalidade, será afetados. Mas, como sempre, a escolha é de vocês.
Então eu vi imagens velozes ante meus olhos, com tudo o que ainda poderia vir. E eram imagens de uma vida não manchada por aquela imbecilidade. E eu sabia que meu irmão estava vendo o que correspondia a ele. Foi quando as imagens foram desacelerando, que vi algumas coisas do meu irmão caçula e das minhas irmãs, todas em linhas refeitas.
- Há muitas linhas de tempo, dependendo da decisão de cada um de vocês.
- E se nós dois resolvermos voltar?
- A linha de tempo voltará ao normal, o acidente não ocorrendo.
Minha alma quase desmoronou de alívio, que aumentou ainda mais quando ouvi meu irmão declarando que desejava voltar.
- Eu também quero voltar – declarei, a voz quase embargada.
- Se há uma coisa que aprendi, meu irmão, é que não se deve brincar com algo tão perigoso. Vou atirar na parede, mas você vai ver que nada ia acontecer.
Então virei o cano para a parede e puxei o gatilho.
A explosão foi terrível. O cheiro de pólvora encheu o quarto, enquanto todos se olhavam assustados.
Nesse momento meu irmão começou a rir e se virou, e pegou na cama um projétil esmagado.
O projétil fez um rombo na parede e voltou, batendo nas costas do meu irmão.
Como se minha alma estivesse amortecida, apenas sorri e falei:
- Puxaaa...
A verdade é que, até hoje, ainda olho para trás no tempo, receoso de ter enlouquecido e ter criado uma realidade alternativa, onde o meu irmão ainda está vivo.