E se...
Como posso começar a descrever quem sou? Talvez...
Quando surgi nem corpo eu tinha, porque isso não existia... Não, assim também não ficou bom! Então: eu nasci numa das primeiras levas... Assim também não... É difícil falar de algo tão recuado, de bilhões e bilhões de anos atrás, muito antes até mesmo que esse universo local fosse criado... Não, na verdade não é, porque o tempo é um constructo desse nível...
Se olharmos bem, a antiguidade não importa; não importa a idade, o tempo em que começamos. O que realmente importa são as experiências que NOS demos. Ah, e me dei muitas e muitas experiências. Digo que me dei, apesar de que isso é uma ilusão, porque nunca se é um indivíduo. Somos muitos ao mesmo tempo. Mas, para que a estória flua, que seja assim, as experiências que me dei.
Nos universos organizados, e que organizávamos, eu era apenas um com todos, consciência oriunda de outras consciências, que me dividia em muitas outras. E assim passei por inúmeros universos, cada um com leis e sistemas próprios, e fundei e vivi em muitos sistemas e planetas, e mergulhei, usufruindo e criando muitas civilizações, que muitas delas também destruí. Assim, passaram-se os eons, até que vimos esse universo. E nele mergulhamos, apenas sentindo que aqui poderiam existir outras possibilidades, visto ser uma nova versão dos outros.
Por muitos eons erramos por aqui, até que,... até que a experiência deu um salto de qualidade: a escuridão nascera. E ela foi um acontecimento porque agora podíamos, experimentando-a, ter a verdadeira noção do que era realmente o amor, a felicidade e a paz, de onde tínhamos partido.
Por meio da falta, víamos a completude; por meio do ódio, o amor; por meio da dor, a alegria, tudo ganhando um contraponto.
Mas, assim era no início, como contos, como uma teoria. Foi assim até que essa mesma experiência evoluiu ainda mais: a dualidade, e complementarmente, maya.
Essas foram as grandes invenções, os grandes pontos: a dualidade, sintetizada pela figura do adversário, e maya, o véu do esquecimento.
Antes, vivíamos eras sem fim. Criávamos e recriávamos, e experimentávamos o que criávamos, como quando se passa o dedo na massa do bolo para ver o ponto. Quando deixávamos nossos corpos no ato adquiríamos outro, e nele lá estavam todas as lembranças, tudo o que éramos. Mas,...
Então surgiu figura do adversário, que nos mostrou o abandono e como nossos irmãos tinham ciúmes e tramavam contra nós e não eram confiáveis. E assim também começamos a nos comportar, bem e mal passando a compreender.
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Mas, para melhorar ainda mais a experiência, e se esquecêssemos, se voltássemos em branco?, algum irmão propôs. Maya, chamaram a esse véu; maya, o véu escuro com cheiro de um cobertor que ficou por longo tempo ao sol.
E, felizes e de olhos extasiados tiramos esse cobertor do varal e nos pusemos embaixo dele, esquecendo de tudo, a partir de então, a cada vez que nascíamos.
Antes de lhes contar várias de minhas experiências nessa dualidade, embaixo desse véu, há algo muito importante que devo falar: pensa-se que a morte, deixar esse corpo sob o esquecimento, é o maior trauma, mas todos sabem, ou irão se lembrar, que não é. O nascimento é que é.
Quando deixamos o corpo que se esqueceu, quando morremos, em poucos segundos estamos livres, e vamos nos lembrando de tudo o que somos. Lembramos que não estamos separados, que somos todos apenas um só. E isso é bom, como quando se entra num grande salão repleto das pessoas, centenas e centenas das pessoas que mais amamos. E rimos e brincamos, e gritamos e abraçamos com força, e rimos mais ainda. Então, sim, morrer torna-se apenas uma passagem.
No entanto...
Quando nascemos, deixamos essa grande família que somos nós mesmos. Em profunda confusão vemos nossa amplidão diminuindo e se recolhendo em uma casca de noz, a luz tão intensa ficando cada vez mais pálida até se tornar um pequeno e frágil ponto na escuridão. E o horror e o medo nos assola, e gritamos que não queremos mais. Porém, lentamente, vamos nos esquecendo. Esquecendo de tudo e de todos, da luz, dos abraços e risos, da vida verdadeira, da família amada,... A paz tomba sobre nós, feita de finas gases de esquecimento, como uma larga e vasta teia de aranha.
Sabe, é claro que isso é muito mais complexo do que expus nessas poucas linhas, mas espero ter dado uma noção do que pode ser.
Então...
Não que exista uma primeira encarnação, porque o tempo não é uma linha, nem tampouco o é o espaço. Então, essas encarnações não estão em uma linha de tempo e espaço, sendo apenas uma sequência de registro. Também, a estória da vida em si não é muito relevante para o que se propõe aqui, por isso o foco no momento do desencarne. Um outro ponto importante, para as encarnações que ocorreram nesse planeta que agora chamam de terra, é que as civilizações aqui são muito antigas, iniciando a estória praticamente desde que ela começou a se formar, porque este planeta foi utilizado como uma âncora para que as outras dimensões pudessem fundir. As primeiras civilizações eram boníssimas, e elas só foram decaindo ao longo do tempo, levando bilhões de anos para que decaísse tanto. Muitas civilizações se desenvolveram aqui. Algumas foram rápidas como uma fagulha, mas outras duraram milhares ou milhões de anos, alcançando tecnologias que para nós, agora, seriam vistas como mágicas. E colonizamos outros planetas e em outras raças nos transmutamos, e muitos outros planetas e civilizações destruímos. Nos matamos e nos recriamos inúmeras vezes. E...
Então, se pudermos ter acesso ao que fomos e fizemos, que colcha de retalhos seria montada sobre nós mesmos?
Talvez o ganho em se conhecer o que se foi não seja tão grande quanto podemos acreditar porque, ao final das contas, mesmo esquecidos, temos todo o conhecimento e capacidade para desempenharmos o que pretendemos ao estarmos aqui, no aqui e no agora.
Mas,...
Novamente, então...