E se você tivesse a suprema consciência de que nunca está sozinho?
A viagem até que estava se desenvolvendo tranquila, até mesmo rápida. O dia estava claro e seco e a pista dupla tinha um movimento razoável.
Uma pequena subida rápida e então, começamos uma descida, com uma curva ao seu final. Pelo que vi era uma curva larga e longa. Na beira da rodovia vi um carro da polícia rodoviária, um guincho e uma ambulância, e eles estavam socorrendo um carro preto acidentado.
Tomei a pista da direita e diminui um pouco a velocidade.
Quando estava quase começando a fazer a curva, subitamente tudo começou a girar.
Em câmara lenta olhei o meu filho, conferi que ele estava com o cinto e tinha tirado os pés do painel. Voltei os olhos para a frente, e vi um paredão com o guard rail se aproximando, enquanto girava em alta velocidade.
- Você quer mesmo saber porque isso aconteceu?
- Ora, não foi um acidente? – perguntei para o homem ao nosso lado, na beira do imenso precipício.
Olhei tranquilo para as montanhas lá embaixo, que pareciam pequenos montinhos de terra meio azulados na distância.
Sorri.
Nem eu nem meu filho mostrávamos qualquer sinal de receio por estar a milímetros da borda do penhasco, e nem mesmo estranhamos a presença do homem, e nem nos perguntamos como havíamos chegado ali. Tudo estava normal, como deveria ser.
- Alguém fez alguns trabalhos sombrios para que partisse. Quer saber quem?
Em paz olhei para o meu filho, que sorriu indiferente.
- Não, acho que não. Isso não importa.
- Quer saber como essa pessoa fez isso acontecer?
- Não, nem isso – falei com tranquilidade, deixando meus olhos e minha mente se perderem na imensa paisagem que se parecia muito com um oceano salpicado de pequenas ondas.
- Então está bem. E o que vocês querem fazer? Vocês sabem que morreram, não sabem?
- É, eu sei – meu filho falou.
- Também sei – concordei com ele. - Quais nossas opções?
- Podem deixar a vida ou voltar para ela.
Meu filho baixou a cabeça, a mente se remoendo, cismando.
Aguardei a decisão dele.
- Acho que não quero voltar. Essa vida não é muito boa.
O homem olhou para mim, e depois para ele, ao ver que eu estava tranquilo, deixando o tempo correr.
- Sabe que isso que você está passando, você terá que vencer, não sabe? – ele falou para o meu filho.
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- Eu sei... Mas, pelo menos vou ter um tempo de descanso – o ouvi sussurrar.
- Mas vai acontecer de novo, e de novo, e de novo, até você aprender, porque no fundo de tudo, passar por isso é uma decisão consciente sua. E o mesmo com você – disse se virando para mim. – Essa é uma experiência pela qual vocês terão que passar. E, como as oportunidades sempre diferem entrei si, elas podem ir se tornando cada vez mais duras – alertou.
Suspirei fundo e me virei completamente o meu filho. Algo já vinha rondando a minha mente, e eu sabia o que aquele homem estava falando.
Suspirei pesado, vendo os olhos magoados do meu filho.
- Todos estamos envolvidos nisso, e não é só você que procurou essa experiência. Todos nós procuramos, filho. É uma grande chance essa que temos, que você tem. Vai dar tudo certo, acredite. Você não está só.
Meu filho me olhou. Havia dor e mágoa naqueles olhos, e eu sorri confiante para eles.
Por fim ele sorriu também.
- E como vai ser? É só dizer que está tudo bem, e a gente volta?
- Sim. Se vier do coração, é assim que vai ser. Para você irá se resolver aqui, nesta linha. Seu pai ainda vai ter que se ver com isso mais uma vez, mas vai dar tudo certo. O tempo de vocês, o último ponto de saída ainda não chegou.
- Então eu volto, se o meu pai voltar – ele falou. Havia receio em seus modos, mas havia algo mais ali; havia determinação.
- É claro que eu volto – sorri satisfeito.
Eu vi, impotente, a frente do carro passar a milímetros do paredão, naquele giro alucinado. Sei que foi milésimos de segundo aquela visão, mas pareceu durar por vários minutos. Então, quando estava de frente para ele simplesmente me senti puxado de costas, com o carro se afastando do paredão com muita velocidade. Assim de ré ele passou entre o carro da polícia com os policiais e os primeiros acidentados e o carro que se acidentara um pouco antes de nós, sem ferir nenhum deles.
Em alta velocidade continuou sua descida, voando para fora da pista, caindo no pasto e continuando de ré, até parar com um baque seco contra um poste de concreto de cerca.
Zonzo olhei para o filhote, conferindo aliviado que ele estava bem, apenas reclamando que machucara o dedão do pé. Eu havia batido a cabeça na coluna da porta, mas nada grave. Só estava um pouquinho zonzo.
Quase no momento em que o carro parou e logo um policial e um enfermeiro da ambulância já estavam ao nosso lado, querendo saber se estávamos bem. Vi o enfermeiro passando os olhos rapidamente por nós dois.
Eu via que eles estavam assustados com o que quase acontecera.
Eu sorri e disse que sim, que tudo estava bem.
Preocupados com o primeiro carro acidentado, que ainda estava na pista, o policial nos orientou para que permanecêssemos dentro do carro, até nos recuperarmos. E dito isso, os dois correram de volta para a pista, de onde tiraram as pessoas e os dois carros, estacionando-os um pouco à nossa esquerda.
Quando nos sentimos melhor descemos do carro e fomos até eles.
Era um casal que estava no carro preto, e eles disseram que capotaram no mesmo lugar que nós. O carro deles realmente estava em um estado pior. O meu estava com um amassado no porta-malas, e a saia do para-choque traseiro havia sido arrancado.
Os policiais nos disseram que iam levar as pessoas e o guincho tiraria o carro deles, e depois voltariam para nos buscar.
Então eles se foram.
Fomos até o carro e colocamos as peças no porta-malas, e esperamos.
E esperamos, e esperamos.
Como a noite se aproximava, liguei o carro, e ele pegou de primeira. Examinei o local onde estávamos, e vi alguns murundus de capim.
- Acho que vai dar para tirar ele daqui, indo pela esquerda e um pouco mais acima, que não tem valetas. Só esses pequenos montes de capim. Vai dar sim – examinei confiante.
Falei para o meu filho entrar e acelerei pelo meio do mato, e consegui tirar o carro dali, chegando novamente na beira do asfalto.
Olhei para os lados e, conferindo que o guincho ou a polícia não vinham, fomos embora.
Tudo foi bem. A única coisa é que eu não podia passar de 80 km/h, porque surgia um ruído numa das rodas dianteiras, que mais tarde descobri que era porque havia surgido um calombo no pneu, que eu podia ter consertado apenas providenciando a troca pelo estepe.
Mas, tudo foi muito bem, e conseguimos chegar em casa sem qualquer contratempo.
Mais tarde a minha ex surgiu em casa, quando eu estava no trabalho, abalada e arrependida, pedindo perdão ao meu filho. Disse que fora ela que fizera algumas coisas escuras para que eu partisse, mas que se arrependia, porque não tinha intenção de machuca-lo.
Assim que cheguei do serviço ele me contou, e não me importei com isso.
Dias depois meu carro girou novamente numa estrada, numa curva apertada numa rodovia estreita. Fiquei na contramão de cara para o pasto abaixo, junto de uma curva. Temendo que fosse abalroado por outro veículo, rapidamente liguei o carro e voltei para a minha mão correta, e segui viagem.
Depois dessa segunda vez, em que lembrei do homem dizendo que eu teria que passar por isso mais uma vez, nunca mais aconteceu outro quase capotamento.