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A CAPACOCHA

Quem é o ardiloso que engana o outro para que o sirva? O seu próprio destino ou o do outro?

Foi há muito tempo. As coisas estão nebulosas. O mundo é cinza e pesado. Sei que morri. Foi uma queda, quando eu passava perto da borda de um precipício. Era em algum lugar dos andes, e eu era um inca. Eu estava entregando uma mensagem, mas minha mente estava em outro lugar. Foi quando soube que haviam levado nossa filha para o vulcão Misti, como uma capacocha, uma oferenda à Llapa[1], para que apaziguasse o vulcão. Nesse dia eu reneguei esse deus, e minha esposa se voltou contra mim, me acusando de ser hipócrita. Acho até que ela estava certa, mas em minha defesa, eu não acreditava que algo de mal pudesse acontecer com ela. Os anos passariam, eu acreditava, e como nenhum vulcão ameaçasse despertar, logo ela estaria fora da idade ideal, e nos seria devolvida. Enquanto isso, ela e nós gozaríamos de uma vida um pouco melhor, e teríamos o respeito e admiração os outros.

Mas, um dia, Misti ameaçou despertar. Por dois dias a terra tremeu, e uma fumarola grossa subiu de seus lados.

Sei que minha esposa também sentia falta da nossa filha, mas vi que ela também estava alegre por ela, acreditando que ela estava junto de deus. Começamos a brigar, e cada vez eu me tornava mais violento. Pelo seu amor ao seu deus, contra ela voltei minha mágoa e minha vingança. Quando a espancava, era esse deus cruel que eu me via socando. Meu coração estava duro

Então um dia ela morreu, quando caiu e bateu a cabeça na pedra, no momento em que brigávamos novamente.

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Fui levado até os amautas, e fui considerado louco, por eles, e fui solto, ao verem a terrível tristeza que ia em minha alma. Mas como eu era rápido demais, me mantiveram como mensageiro, apesar de ver como era evitado pelos outros.

Mas, eu já estava tão ferido que não havia mais como eu me machucar.

Então, em uma missão, eu morri. Enquanto caia toda minha vida se desfiou ante mim, e sorri, rezando para que todo aquele sofrimento acabasse depressa.

Mas não acabou.

Me vi, de súbito, num ambiente hostil e terrível. No princípio, levado pelo medo, lutei, mas acabei aceitando os xingamentos e pancadas e o ambiente nojento e terrível; minha alma estava em pior estado.

Até que duas luzes desceram ao meu lado, nãos ei quanto tempo depois que me vi ali.

Surpreso, dei com minha esposa e minha filha, que me olhavam penalizadas.

Elas se aproximaram gentis e se ajoelharam à minha frente. Minha esposa tentou pegar em minha mão, mas a escondi e baixei a cabeça, envergonhado pelo meu estado.

Então elas me abraçaram apertado, e eu chorei, como nunca chorei em minha vida.

Por longas horas conversamos, e eu repetia pedidos de desculpas às duas. À minha filha por ter permitido que fosse recolhida de nós, e à minha esposa por desforrar nela minha culpa e minha dor.

- Fomos nós que pedimos isso – ouvi minha esposa falar com ternura. – Sabe, não é fácil encontrar alguém que aceite nos fazer um aparente mal. Precisávamos crescer, e você aceitou nos ajudar com a experiência que desejávamos. Então, vê? Vê como sua dor é bobinha?

- Vem, pai – pediu minha filha, pegando minha mão entre suas mãozinhas, me puxando para cima. – Vem, vamos para casa... – falou, enquanto a luz aumentava à minha volta.

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[1] Lllapa era o deus do trovão, que segundo os incas era filho de Inti, o deus do Sol, e de Quilla, a deusa da Lua.