Ego, autoestima... Por que não consigo me recordar do que me propus realizar?
Eu estava na beirada da ponte.
Como último recurso olhei o mundo, e me senti novamente desanimado: o mundo continuava sem cor e sem luz.
Observei com desprezo o horizonte distante, e o chão distante de terra e pedriscos ao pé da ponte, que cruzava aquele lugar ermo e abandonado, como eu.
Minha alma estava em profunda agonia. Depressão, ouvi ressoar dentro do meu cérebro, a razão tentando atingir minha alma, ou o contrário, não sei bem. Uma voz falando de esperança, outra falando de luz, outra de sorrisos... E eu vi, e minha mente insistia para que eu prestasse atenção. Mas, talvez por cansaço, ou descrença em mim mesmo, dei de ombros e me fixei em minha desesperança, me focando em como tudo se parecia com num círculo acinzentado e pobre, feito apenas de dor, de solidão, de uma saudade estranha de algo que eu não podia precisar: eu não sabia o que era. Vi que tudo em minha vida estava sem cor. Recusei os sons para que não chegasse mais dentro de mim, como também os toques que eu não sentir.
Desejei apenas ficar embolado em mim mesmo, sem ânimo para o que quer que fosse.
Então...
Eu sabia que era uma solução definitiva, e eu receava estar errado, como receava estar desperto e sentir toda a dor, e receava a morte não ser o que eu achava que fosse.
Se fosse um não existir, então eu estaria livre; se fosse um recomeçar, então eu estaria tentando uma nova sorte; se não fosse nada disso, que mais dor e solidão poderiam ser acrescentadas as que eu já tinha?
- Eu não aceito isso, eu não quero mais isso – gritei para os horizontes distantes, a dor na alma, as lágrimas brotando dos meus olhos. – Não quero mais essa constante conspiração, essa constante luta e dor sem sentido...
Então, sentindo como uma avalanche de tudo de ruim que eu experimentava e que não via um ponto para terminar e que tirava qualquer luz da minha vida eu saltei.
Eu já havia lido que o corpo, quando sabe que algo terrível está vindo, como em uma queda fatal, o cérebro desliga. Mas isso não aconteceu. O chão foi acelerando cada vez com mais violência em minha direção.
Senti um baque duro e terrível, e senti cada osso se espatifando e se esmigalhando contra os meus músculos rompidos e carne arruinada e chão insensível com a minha sorte. Senti cada pedra perfurando e penetrando em meu corpo, senti cada mínima parte do meu corpo ser destruído, e a dor indescritível disso.
Stolen story; please report.
Subitamente eu me vi flutuando sobre o meu corpo, e a visão era terrível e hedionda. Tentei me afastar, mas não conseguia ir além de poucos metros.
Tentei não ficar assustado, ao ver que o mundo parecia mais real e bruto.
Os dias de sol forte e noites frias se passaram sobre o meu corpo. Vermes e moscas, e insetos rastejantes acharam o corpo destruído, e o invadiram.
Abutres começaram a circular acima de mim. Então notei a ponte, o vento e o silêncio, e percebi o quanto eu parecia estar abobalhado e com os sentidos amortecidos. Um urubu desceu e veio saltando para mais perto de mim.
De súbito ele me bicou e se afastou depressa. Vendo que eu não me movia se tornou mais confiante e saltou sobre minhas costas, e deu uma bicada forte em minha nuca. E depois outra e mais outra, até que enfiou a cabeça dentro do meu corpo, e puxou um naco de carne.
Então os outros desceram...
Fiquei ali por dias, vendo meu corpo ser saqueado, os ossos espalhados. Por mais que eu chorasse e me esforçasse em me afastar, era impossível: algo me prendia ao meu corpo, àquele lugar derradeiro.
Os dias se acumularam, as aves e insetos e animais se foram, a poeira foi se acumulando sobre o pouco que sobrara.
Sombras começaram a se destacar nas noites, sempre me espicaçando, como dos buracos e dos locais onde a luz não chegava. Vozes escarneciam e riam de mim, zombando da minha sorte.
Um dia o dia se foi, e eu estava em um lugar triste e destruído, onde me perseguiam e me feriam com brutalidade.
Não sei por quanto tempo fiquei ali, os gritos de SUICIDA não me dando paz, parecendo ser uma constante com a qual eu não conseguia me acostumar.
Um dia foi diferente, pois senti como se um largo círculo tivesse se formado à minha volta. Olhei confuso, e vi um ser escuro em seu centro. O que devia ser o meu coração deu um salto, e pensei em correr. Baixei a cabeça, de certa forma resignado com a tristeza da vida que eu tivera e com a morte que eu sofria.
Levantei a cabeça e fiquei apenas olhando aquela forma mais escura que a penumbra que me cercava. Ela se mexia muito pouco, e eu via que esse movimento era de suas roupas largas. Era apenas um vulto escuro, mas parecia vestir uma larga japona e uma calça jeans. Em sua cabeça algo parecia se revolver, e desconfiei de que seriam os seus cabelos. Ele estava imóvel, e eu sabia que me observava.
Então me aproximei dele, rezando para não ser atacado, porque ele transpirava poder.
- Uma pena... Você estava tão perto de concluir sua missão...
Senti um baque. De alguma forma eu conhecia aquela voz, porque, talvez pelas visões que aquela voz evocou em mim, eu vi que estava a um passo de concluir minha missão.
Mas eu escolhera desistir.
- Quero voltar – falei àquele ser, minha voz com uma nota de súplica.
- Infelizmente não tem como. Aquele não era um ponto de saída, nem mesmo um ponto de orientação ou um marcador. Você usou seu livre-arbítrio, apesar dos avisos.
- Então, e o que vai acontecer agora? – gemi.
- Você tinha as condições ideais para a missão que se propôs. Condições sociais e financeiras, condições emocionais... Tudo estava ajustado. Agora, meu querido amigo, você terá uma outra chance para completar sua missão, mas as condições serão mais duras, e você terá que perseverar.
Senti uma dor estranha em meu peito ao ver o tremendo erro que cometera.
- Vou estar sozinho?
- Meu querido irmão, não percebeu? Você nunca esteve sozinho...
- E qual será a minha missão?
- A mesma... Você precisa entender e deixar esse jogo de vítima. Você só é vítima porque assim decidiu que seria. Só isso. Entenda o jogo, entenda a experiência...