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TRISTE VERDADE

Pedras que rolam, lágrimas que se deitam nas faces que o tempo viu por bem esquecer, para então, em novos tempos fazer crescer uma nova haste verde e fresca. Que haja perdão ao tempo, perdão ao deus que observa.

Sol estava calada, a garganta fechada, as lágrimas obstruídas. Havia apenas estupor e dor em seu rosto, a mente parada naquele lugar, os olhos pregados nas formas destruídas deixadas a esmo sobre a terra.

Avenon se aproximou e apenas ficou ao lado, disfarçadamente atento a Sol.

Mulo deu um toque em Valentina, que entendeu e se aproximou da garota, abraçando-a com gentileza.

Sol pareceu não perceber o carinhoso gesto, mostrando o semblante dormente, os olhos parados.

Então, com grande suavidade, Valentina a puxou para o lado.

De longe a menina ficou vendo os corpos dos demônios serem desfeitos por Mulo. Seus olhos agradeceram quando ele simplesmente tomou Ánacle nos braços, enquanto Avenon tomava em seus braços o corpo de FlorDoAr. Lentamente, numa silenciosa procissão, tomaram o caminho da aldeia.

Assim que chegaram à aldeia levaram os corpos para dentro da casa.

Um silêncio tocante atingiu todo o lugar, e as pessoas, sem que nada fosse falado, começaram a arrumar o lugar para as despedidas.

Uma cama alta de folhas foi erguida no centro, enquanto os anciões se arrumavam ao lado, entoando baixinho seus cantos e seus mantras.

Depois de limpos Ánacle e FlorDoAr foram reconduzidos para for a e arrumados no meio da praça central, na fofa cama de folhas e gramas que os amigos haviam providenciado.

Foi então que notaram algo no céu, tomando a direção de onde tinham vindo. Quando olharam apressados para lá viram Lázarus flutuando sobre o lugar ao longe.

Sem qualquer palavra Avenon e Mulo correram para o lugar, esperando trazer o anjo com eles.

Sol, como em transe, ainda abraçada em Valentina, viu quando Avenon e Multo retornaram algum tempo depois, não dando importância a estarem sozinhos. Aturdida voltou sua atenção para sua família, permanecendo sentada à frente dos corpos, guardando silêncio.

Os olhos permaneceram presos nos dois, até que eles começaram a se desfazer no ar. Então, quando as fagulhas foram se elevando, seus ombros caíram lentamente enquanto seu corpo passava a ser percorrido por espasmos que ela nem se esforçava em conter.

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Avenon sentiu seu coração doer terrivelmente ao ouvir o gemido baixinho e dolorido de Sol.

Sol juntou as mãos fortemente à frente do corpo enquanto emitia pequenos soluços que os outros fingiam não perceber. Devagar ela se aconchegou abandonada e em silêncio no abraço da amiga.

Então, como se estivesse sob imenso peso se ergueu. Devagar caminhou até onde as últimas fagulhas de seus pais que se elevavam no ar, com carinho imenso e saudoso tocando as que conseguia alcançar. Por algum tempo ficou olhando as pontas dos dedos onde as últimas fagulhas se desfaziam. Lentamente tocou seu coração com os dedos, onde os deixou aninhados.

Sol inspirou bem devagar, os olhos perdendo a forma vaga como observavam o mundo, a luz que for a toldada pela dor retornando.

Controlando essa dor terrível ela se focou nos amigos que a acompanhavam.

Um pio grave e voltou seus olhos para uma pequena árvore, como ainda eram todas na floresta que voltava a vingar. Uma jovem harpia girou a cara para o lado e a observou, abrindo o leque à volta da cabeça. Um outro pio mais agudo ela soltou, enquanto se lançava no espaço e se ia embora.

Sol agradeceu sua presença enquanto a via se distanciar pelo céu.

Com um suspiro desceu os olhos para os amigos.

- Obrigada a todos pelo carinho, a mim e aos meus – sussurrou para todos, a voz meio rouca e ensimesmada. – Hoje é um dia de imensas perdas. Meu pai e minha mãe se foram como guerreiros orgulhosos e poderosos que foram, e sabemos disso, e deles pudemos nos despedir. Eu tenho muito orgulho deles. Mas, há mais perdas, perdas que não deram oportunidade à honra: Ariel e Lázarus se foram, e não pudemos encontrá-los. Vimos sinais de que havia mais demônios de tocaia, e vimos que Lázarus foi o primeiro de nós que chegou até eles, e que ele percebeu que Ariel for a levada. Vendo os caminhos à frente, vejo que esse era desde o início o plano dos demônios: era Ariel e Lázarus que eles queriam, e agora eles se foram, e deles não pudemos nos despedir – murmurou.

- Eles vão retornar, antigo? – ouviu de um dos amigos a pergunta triste e sussurrada ao lado dirigida para um Tutumarambá, um ser antigo de pelagens longas e ondulantes. O gigante estava ali, a cabeça abaixada, os pensamentos quase em um sussurro.

Sol deixou a cabeça pender.

- Eles vão retornar? – Sol ouviu a pergunta escoando dentro de seu cérebro. Sobre quem era a pergunta?, cismou. As perdas haviam sido enormes, desde que as guerras começaram, desde que o dilúvio se abateu sobre o mundo, desde que os demônios começaram novamente a se mostrar. Sobre quem era a pergunta?, cismou mais uma vez, sentindo-se perdida.

Olhando à volta era terrível ver como seu mundo estava destruído, e sabia que esse era o mesmo sentimento de todos que estavam ali.

Os antigos estavam em silêncio, pensativos, junto com todos os outros. No rosto deles havia aquele peso, aquele sentimento desconfortável de que o mundo que for a pensado se mostrava muito diferente do que realmente se apresentava.

- Os anjos se foram – começou o antigo, a voz como um suspiro. – Talvez voltem, ou talvez se mostrem de quando em quando. Quanto à Ariel e Lázarus, apenas sinto que se foram, e eu não consigo encontrá-los nos caminhos à frente. Talvez voltem em algum dia à frente, em velhas formas, em novas formas. Não nos é dado conhecer isso – sussurrou pesaroso. – Mas... – parou por um momento, a atenção nos corações silenciosos e apertados dos que estavam ali, os olhos perdidos no chão, - mas eles se foram, e acho que não devem voltar mais, ao menos não mais como a Ariel e o Lázarus que conhecemos – sofreu.

- Tem certeza disso, antigo? – Valentina perguntou, a voz pequenina e sentida, receosa por mais essas perdas.

- Eles são anjos, minha filha. O poder deles está bem acima dos nossos. Talvez eu apenas não consiga ver a linha deles – sorriu abatido. – Quero muito estar errado.