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A GRANDE DOR

Acariciei seu rosto, mesmo não o vendo, mesmo sabendo que não se lembrava mais de mim. Toquei sua alma, e a dor de não ser lembrado, de não ser reconhecido me encolheu. Saudades não é apenas para os que se lembram.

Lázarus subiu alto no céu, tentando entender o que sentira do demônio. Em silêncio ficou flutuando sobre as montanhas do oeste, desesperado para entender o que poderia ser o que vira, e o que daquilo seria sobre Ariel.

Uma onda de medo e morte socou seu peito, e foi tão forte que gemeu. Apressada sua mente fluiu veloz, percebendo definitivamente que era algo sobre Ariel, Ánacle e FlorDoAr.

Os sinais estavam intensos demais. Eram sinais de alerta, de pressa, de uma urgência aterrorizada e desesperada.

Sem perda de tempo volitou para o local onde os sinais apontavam, um pouco distante do acampamento, o peito tomado de uma urgência que há muito não sentia.

Lázarus chegou ao local do ataque ao mesmo tempo que Mulo e Avenon. De sobreaviso estudou todo o entorno, e só viu que Sol e Valentina vinham logo atrás, e que logo chegariam ali.

Mulo e Avenon, vendo a tensão no rosto de Lázarus, decidiram ficar em silêncio, promovendo a segurança do entorno enquanto o anjo se concentrava em entender o que acontecera ali.

Ánacle e FlorDoAr estavam no chão, mortos, Lázarus conferiu. Era fácil perceber que houvera uma terrível batalha ali. Contou dezessete demônios trucidados, cortados, queimados e esmagados, espalhados para todos os lados. As pequenas árvores estavam destruídas em um largo círculo.

Rapidamente se ajoelhou ao lado de FlorDoAr, uma dor oprimindo seu peito. Com cuidado a puxou para si e inspirou com cuidado, enviando energia para sua centelha, que pulsou forte. Então se levantou e fez o mesmo com Ánacle.

Em pé ao lado dos amigos viu as centelhas libertas que, após brilhar num pulso se foram.

- Demônios – sussurrou, fechando os olhos, recuando o tempo, sentindo e vendo o que acontecerá nesta e na quarta dimensão.

Um sofrimento intenso se espalhou por todo seu peito ao rever a morte dos amigos, e tudo se tornou ainda mais angustiante quando viu os demônios se fechando sobre Ariel, nocauteando-a enquanto sofria pelos amigos. Então os viu pegarem-na com brutalidade do chão e simplesmente desaparecerem.

- Não era sobre mim, então? Ela? – perguntou para sua alma, os olhos ávidos, desesperado para não se consumir em dor, sondando as duas dimensões, desesperado por algum sinal revelador.

> Realmente, não era só sobre mim; era sobre nós – reconheceu numa poeira suspensa no ar.

Horrorizado olhou por todo o redor, ignorando os amigos que estavam ali. Em sua mente apenas a necessidade de saber de onde os agressores tinham vindo e, principalmente, buscando algum sinal de Ariel.

Sem pensar se lançou alto no céu, zingrando como um corisco pelo ar, varrendo todos os lugares da terra. Não encontrando qualquer sinal de Ariel subiu ainda mais alto e buscou os anjos e Gaia, e somente recebeu a reposta que os demônios a haviam capturado e que não tinham como saber mais nada, pois que havia um encobrimento aos que haviam feito o ataque e ao paradeiro da demiana.

Após vasculhar cavernas e fendas, e os locais onde os demônios gostavam de se reunir, e após capturar vários e submetê-los a duros interrogatórios, retornou ao local onde o ataque ocorrera.

Os corpos já não estavam mais ali, como não estavam seus quatro amigos. Estavam na pequena aldeia, conferiu com um certo alívio.

Em silêncio vasculhou e sentiu a energia e a memória de cada item mínimo, de cada mínima folha amassada, de cada torrão de areia deslocado, de cada inseto ou animal que ali estivera, e sondou cada planta e suas memórias. Mas nada havia, porque só tocava o silêncio e a ignorância.

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Subitamente seu corpo se retesou, os ouvidos pulsando forte ao sentir como que um pulso distante, uma voz perdida dentro de um calabouço escuro e fundo nas entranhas de um lugar perdido e esquecido. Havia um vozerio ali, e não era de apenas um ser.

- Por que me abandonou? Eu te amava tanto...

Seu coração estilingou no peito, os ouvidos e todos seus sentidos em alerta, a respiração contida.

- Pare de chamar por Lázarus, ou por Sênior, o que torna tudo ainda pior, porque Sênior é frio e cruel e não possui amigos, e muito menos, um amor. Ele tem outros afazeres e você não... – ouviu com pesar essa outra voz no ar como que a repreendendo. – Ele agora chefia demônios mais cruéis que nós, não sabia? Foi ele que nos deu você.

- Por que? – ouviu a pergunta chorosa.

- Para ser livre em sua maldade – ouviu em resposta.

- Não quero mais essa espera de séculos. Desisto de você, Sênior, como desistiu de mim... – ouviu o lamento pungente enrodilhado fragilmente no ar.

Pelo canto dos olhos Lázarus viu Avenon e Mulo assomarem no caminho, bem abaixo no solo. Os viu pararem, os olhos preocupados posto em si.

Avenon e Mulo, que mantinham de certa distância Lázarus sob atenção, que viam em grande sofrimento pairando sobre o lugar, se entreolharam doloridos com o grito desesperado do amigo, que causou uma onda de choque que voou por sobre a floresta. Sem saber o que fazer para aplacar a dor terrível que presenciavam, o viram despencar do alto e cair com o joelho direito fincado no chão, o torso tombado para a frente, a testa fincada na terra, os braços esticados adiante do corpo cravando os dedos no chão, as asas tesas para o alto.

As veias estavam intumescidas e todos os músculos pareciam prestes a explodir.

Num movimento brusco o viram levantar a cabeça, toda a atenção fixamente posta para o noroeste, como se lá estivesse ouvindo alguma coisa.

Então, antes que pudessem se aproximar dele, sem que pudessem fazer qualquer coisa, com um estampido Lázarus se projetou para o alto, rapidamente sumindo na direção de onde tinha posto sua vontade.

II

Tomado de furor Lázarus simplesmente despencou através da montanha, rasgando suas entranhas em direção aonde sentia uma aglomeração de demônios e um pulso muito fraco, que denunciava a presença de Ariel.

Sabia que era arriscado atacar assim a base dos demônios, embalado na esperança de que, se fosse rápido o suficiente, poderia obter algum sucesso.

Bem sabia que era uma armadilha, e que Ariel era a isca.

Por alguns segundos ficou tentado a ignorar o código dos caídos, mas viu que isso deveria estar previsto pelos demônios, que o atacariam quando sua energia caísse, e a chance de salvar Ariel seria perdida. E, ainda havia as escolhas. Em silêncio se perguntou porque Ariel havia buscado tal tipo de experiências, porque isso só poderia ter acontecido por ter, em algum momento, aceitado isso. Foi então que pensou na queda de Ariel como vigilante, e como isso a marcara.

Então sorriu.

Seria muito melhor resolver isso com sua força e sua espada, resguardando sua energia angélica.

Numa sequência absurda avançou contra o local onde sentia que a mantinham dentro de um forte casulo de energia. Como uma foice apenas avançava, o ódio inundando tudo o que era. Pedaços de corpos se batiam contra as paredes no duro avanço. Apesar de avançar tão pouco não diminuía sua vontade, batalhando contra a muralha de demônios que enchia o túnel.

Então, quando os ferimentos se mostraram terríveis demais, Lázarus se elevou pelas rochas. Com uma pressa absurda se refez e voltou contra a muralha, se abatendo entre eles, na borda do casulo de força. Por três vezes se elevou para refazer o corpo e atacar novamente, e teria continuado assim até que, na quarta vez que desceu pelas entranhas da montanha, a muralha que o bloqueava tinha sumido e o grande salão e o corredor se mostravam desimpedidos, a não ser por filas de demônios postos contra as paredes e uma figura silenciosa e tranquila sentada num trono escuro e podre no canto direito, quase ao lado do corredor onde sentia a energia inconfundível, apesar de extremamente fraca, de Ariel.

E a figura no trono o observava com um misto de interesse e divertimento.

Estudando a energia e o lugar apodrecido desceu lentamente ante o trono, sabendo que o demônio que estava ali sentado estava esperando por ele.

Devagar, sem tirar os olhos da figura sentada calmamente no trono, se empertigou lentamente e guardou a espada, pouca importância dando aos demônios que surgiam dos inúmeros corredores e se perfilavam com os outros postados nos lados, todos apressados, apesar do imenso receio, em cercá-lo. Com desinteresse sondou o teto de rocha, e viu que também lá estavam demônios agarrados, o medo e a fome em seus perfis.

Ainda em tenso silêncio colocou todo seu foco no demônio de alto poder à sua frente, sentado no trono terrível.

- Vim buscar aquela que me tomou, e tomar sua vida – falou com uma voz fria e distante.

— Sua vontade está muito clara, Lázarus. Sabe, há muito tempo eu sou Ladar, e é a mim que chamo seu ódio, que nunca será maior que o meu por você.

- Ladar, eu não o conheço. Mas, isso não importa, porque hoje é seu último dia.

Se preparava para avançar contra o trono quando o demônio começou a se transformar.

Lázarus parou, os olhos na nova figura sentada tranquila e desafiadoramente no trono.

Agora sabia como tudo iria terminar. Nunca esperara que fosse ele o responsável.

- Negrumo... Então era você... – Lázarus reconheceu surpreso.

- Ah, eu sabia que você ficaria surpreso. Que bom que eu estava certo – falou o ser demoníaco tomado de satisfação.