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ACABOU, ENFIM

Um pequeno lampejo, frágil, quase desfalecido. Foi tão bom ver quanto poder havia nele que até me esqueci de quem sou.

- Ora, onde está o bichinho que sempre estava ao seu lado? – Foice perguntou da porta, fazendo referência à PresaForte.

Lázarus se virou para a porta da sala e observou a sedenerá.

- Ele morreu, ontem – ele revelou. – E ele foi em paz – falou rapidamente, ao ver uma tristeza descer sobre ela. – Ele morreu de barriguinha para cima, como gostava de ficar quando estava feliz. Eu o enterrei lá no jardim, no pé do angico.

- Que bom, que bom – ela suspirou se aproximando e sentando-se na poltrona macia à sua frente. – Você está bem? Vocês eram muito amigos.

- Ele se foi feliz. Eu estou muito bem.

- Duvido – ela sorriu por fim. – Sabe, os ellos têm fama de serem bem cuidadosos com suas armaduras. Mas você está em mal estado, héim? Quando vai consertar isso?

Lázarus ficou em silêncio, observando-a, se lembrando de palavras assim, muitas eras atrás, quando se conheceram. Sem querer se arriscar olhou para si mesmo, e sorriu.

- Estou bem assim, Foice.

- Você está um lixo. Sua armadura está muito arruinada – ela considerou, se recostando satisfeita.

Discretamente, Lázarus fez desaparecer alguns dentes.

> E está faltando uns dentes e... Engraçado. Essa conversa não me é estranha. Já nos conhecemos? Quer dizer, lógico que eu te conheço, mas... Parece algo de um tempo muito antigo. Você sabe o que eu estou querendo dizer?

- Mais do que imagina. Da outra vez que se lembra um pouquinho havia também um dragão – concordou, se dando novamente os dentes, mas mantendo a surrada armadura.

- Como é que você conseguiu refazer seus den... – então ela ficou quieta, tensa, observando.

De repente ela levantou a mão, e lentamente afastou os cabelos o suficiente para surgir os olhos. Devagar avançou o rosto alguns milímetros em sua direção, os movimentos como um reconhecimento. Ele a viu levantar as mãos e abrir um pouco mais os cabelos, e Lázarus sentiu seu coração crescer. Ela ainda era o ser mais belo que já vira.

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> E que nome tinha, ellos?

- Lázaro... - ele conseguiu balbuciar.

Os olhos dela marejaram e a face se contraiu.

Lázarus temeu que tudo fosse começar novamente, mortes e vidas, e tentativas sem fim. Mas havia algo diferente agora, naquela face cheia de dores que entrevia.

As lágrimas eram de reconhecimento, e o choro era de uma dor há muito tempo guardada.

- Nessa ou noutra vida eu vou te encontrar, Ariel – ela gemeu num sussurro emocionado, com suavidade deixando os cabelos esconderem novamente a parte do rosto que havia colocado a descoberto. – Você não desistiu de mim...

- Não poderia, como não posso desistir de mim... – murmurou com suavidade.

- Vidas em vidas - ela sussurrou, a voz apertada na garganta, os cabelos parecendo terem sido tomados por uma brisa gentil. - Na procura interminável, o coração que se estica. Traídos e enganados os corações se esforçam, nas vidas em vidas. Ah – gemeu baixinho, - eu sonho com você desde criança, e rezava para te encontrar, nessa ou noutra vida, se você realmente existisse.

- Sempre estive perto, te aguardando despertar - sorriu.

Lázarus viu sua cabeça pender levemente para a esquerda, como se pensasse, buscando alguma lembrança que estava logo ao alcance.

- Eu lembro de ter visto um mundo em que as árvores ainda não haviam surgido, por causa do dilúvio – falou baixinho e meio titubeante.

Mais uma vez ela partiu os cabelos e deixou o rosto à mostra. Os olhos dela se abriram e brilharam quando Lázarus tomou sua forma.

- Era assim que eu via, um anjo e ...

Então o corpo dela se retesou e um longo suspiro soprou suavemente o ar. O olhar dela agora era de reconhecimento.

– Lázarus, Lázarus... – os olhos rapidamente se encheram, e as lágrimas desceram no silêncio que transbordou da alma. – Ai, sabe, eu venho sonhando desde criança em pedir perdão por algo para um anjo. E agora, eu sei... – ela disse, os olhos se fechando, se lembrando de tudo o que acontecera – sussurrou dolorosamente, as mãos tremendo enquanto suavemente segurava os cabelos partidos na face.

Lázarus pensou em ir até ela e abra-la, dizer-lhe que estava tudo bem, mas resolveu ficar imóvel e em silêncio, deixando que ela se lembrasse completamente. No fundo, tinha receio de perder aquele momento.

> Eu era bem pequena, e em um dia em que minha alma ficou num silêncio profundo senti uma dor ser trocada por outra; a dor de ter sido traída e abandonada pela dor de trair e abandonar – gemeu. – Desde aqueles dias essa dor incompreensível passou a me acompanhar, e eu suspirava, porque a partir dali passei a ser assaltada por uma saudade e uma vergonha por ter aceitado me enganar, mesmo que naqueles dias, em alguns momentos, achasse que aqueles sentimentos e visões embaçadas eram uma ilusão, uma fantasia minha. Mas agora vejo que a estória era verdadeira. Você é um anjo, e quem o queria ferir me capturou e torturou, e me fez acreditar que você era meu inimigo. Foi isso, não foi?

- Assim é, Ariel... Sabe se foi alguém que lhe deu essas visões?

- Eu mesma, eu acho, porque o tempo de despertar chegou.

Lázarus sentiu todo seu rosto se contrair enquanto a via se transmutar. E novamente ali estava Ariel, a vigilante, em todo o seu poder e beleza. Lázarus sentiu as lágrimas descerem por seus olhos quando ela se levantou, vendo o imenso carinho com que ela o observava.

Em silêncio Lázarus se levantou, a vista turvada pelos olhos marejados.

Quando ela o abraçou ele a envolveu apertado. Ela o apertou mais, ao sentir que ele chorava baixinho.

- Sinto tanto, Lázarus, pela dor que lhe causei... – ela gemeu.

- Acabou, Ariel. Finalmente acabou – falou se separando dela, os olhos nos dela presos, enquanto disparava para as distâncias um chamado festivo.