Foi uma sensação, ou talvez apenas um sonho. Sei que durou muito tempo, rápido e breve que foi. Quando pensei que você estava de partida, era apenas seu retorno que eu festejava. Que bom que deixaram que eu me surpreendesse.
Lázarus sentou-se na larga varanda, suspensa sobre o precipício, observando o mundo cheio de luz, as montanhas ao longe, os rios que serpenteavam no chão entre os vales e pelas planícies. Com prazer seguiu o voo de uma harpia, e estendeu o dedo, onde um colibri pousou para descansar.
Com um sorriso agradecido sentiu PresaForte deitar sobre seu pé. Brincou com os dedos, empurrando contra seu couro grosso. Ele grunhiu baixinho, de satisfação.
Então olhou para o canto da varanda, onde uma grande colmeia parecia um pequeno motor em funcionamento.
Sorriu, assim que o viu ao longe, confirmando que ele ainda parecia indeciso em se aproximar. Suspirou, pensando se, como das outras vezes, ele ficaria pouco tempo flutuando ali, acreditando que não era percebido, e logo iria embora. Então, tal como das outras vezes, Lázarus deixou sua mente tranquila e em paz.
Para sua surpresa o anjo resolveu, finalmente, se arriscar.
Quando o anjo se aproximou e tocou o piso da larga varanda ele se manteve a alguns metros de distância, a pose se mostrando um pouco tensa, em expectativa.
Lázarus pousou a mão com suavidade sobre PresaForte, que não tirava os olhos do recém-chegado.
- É um belo animal – o anjo falou. - Uma queixada?
- Se ele assim desejar, é. Mas também pode ser um ardun quando quer. Seu nome é PresaForte. Ele era dela, na encarnação passada. Estou cuidando dele.
- Um belo animal, sem dúvida. Você sabe quem sou? – perguntou, a voz um pouco distante.
Lázarus se virou e o observou por algum tempo. Então tirou os olhos dele, se voltando novamente para a paisagem abaixo.
- Ladar? Negrumo? Prefiro te ver como Haamiah.
- Sinto pelo sofrimento que lhes causei – o anjo falou, cruzando as mãos à frente do corpo, totalmente desconfortável.
Lázarus falou baixinho com PresaForte para tranquilizá-lo, e se levantou. Devagar caminhou até o visitante, sua energia se estendendo e tocando-o.
Os olhos estavam duros, fixos na face contrita.
Então, de súbito, Lázarus o puxou num abraço apertado.
- Eu te reconheço, Haamiah. Que bom que voltou, irmão – cumprimentou um sorriso pequeno crescendo em seu rosto.
Quando se separaram Haamiah suspirou, vendo que os olhos daquele anjo estavam verdadeiramente aliviados e mais luminosos.
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Haamiah o observou por algum tempo, os olhos molhados, a face envergonhada.
- Sinto tanto, Lázaro.
- Não sinta, meu irmão – falou, conduzindo-o para o largo assento na varanda. - Você precisava disso, para se livrar de sua dor e de sua raiva. E, por mais estranho que pareça, eu e Ariel também.
- Acho que vocês não precisavam – murmurou.
- Se engana. Se aconteceu, foi permitido que acontecesse. Havia uma decisão por trás do que aconteceu, meu irmão. É bom ver como todos e tudo estão interligados, e como tudo nos é caro e precioso. Nos beneficiamos.
- Será que ela vai pensar o mesmo que você?
- Provavelmente não – sorriu. – Mas, tempo ao tempo, é o melhor remédio. Mas, e como você está? Planos?
- Alguns... Veladores, se eu me qualificar...
Lázarus o observou por algum tempo, um sorriso compreensivo ocupando seu rosto.
- Aposto como será incrível para eles poder contar com alguém tão capacitado.
- Você agora se chama Zidar, e ela é Foice, é isso?
- Sim, isso mesmo.
- É, eu sabia. Venho observando vocês há algum tempo. Bem, lógico que você sabe disso. E, bem, eu vi que já se reencontraram, depois que ela reencarnou.
- Sim, já a encontrei - sorriu. - Agora ela está crescendo como uma sedenerá, mas está despertando rapidamente. Logo ela vai poder se assumir novamente como vigilante, voltar a ser Ariel. Às vezes ela aparece por aqui...
- É ..., eu a reconheci algumas vezes aqui. Você me permitiria me encontrar com ela?
- Mas é claro que sim, Haamiah.
Haamiah mexeu-se um pouco nervoso, os modos lentos, pensativos.
- Sabe, confesso que estou com receio, sabe..., de me encontrar com ela.
- Bem, talvez ele te mate algumas vezes – Lázarus não aguentou e riu. – Para falar a verdade, nem sei mais quantas vezes eu morri nas mãos dela.
- Você ri, mas é sério.
- Posso te dar um conselho?
- Manda!
- Se você ver os olhos dela fuzilando, quando ela separar o cabelo e deixar que os veja, corra...
E, sem aguentar, Lázarus rompeu numa risada alta. Foi então que desceram Miguel e Emanoel. Haamiah observou seus rostos, e sua tristeza pareceu aumentar.
- Agora, ao invés de um rindo de mim vão ser três? É isso? Quatro, porque noto que esse queixada está me olhando meio estranho também.
Emanoel olhou para Lázarus e ficou sério, tal como Miguel.
- De jeito algum... A verdade, meu amigo, é que estou preocupado com você, Haamiah.
- Ah, ainda bem... Ao menos um...
- Pois é – disse lhe estendendo uma folhinha de grama.
- O que é isso? - Haamiah estranhou.
- Ora, para você se defender dela – e Emanoel soltou uma risada, no que foi acompanhado pelos outros dois.
- Está bem... Vão lá, eu mereço. Quando se cansarem a gente conversa e ...
- Cansar? De jeito algum que vamos cansar – falou Miguel divertido.
As horas se estenderam, e por fim até mesmo Haamiah se divertia imaginando seu encontro com Ariel.
- E como vai ser, Lázarus. Vai encontrá-la ainda como ellos ou vai se mostrar como anjo?
- Não, claro que não, Haamiah. Quando ela vem aqui, ela sempre me vê como um ellos. Mas vou estar bem mais desperto que as outras vezes, para ajudá-la a despertar se ela se mostrar pronta, mas não posso forçar suas memorias.
- Entendi... – sorriu. – Esse um pouco “mais desperto” que você disse... Se estiver um pouco adormecido se matam de novo, não é?
- É o que ele teme – riu Miguel.
- Sem dúvida – Lázarus confessou.
A tarde avançou e o sol foi declinando.
- E aqui é Par Adenai 2? – perguntou Emanoel.
- Podemos chamar assim – Lázarus concordou. – Mas, mais no estilo dos ellos das florestas. Mais árvores, mais água, mais cristais... Mas sim, podemos chamar aqui de Par Adenai 2 – sorriu passando o lugar em revista. - Mas agora seu nome é Ponta de Mar.
Miguel observou o mar, batendo nas rochas ao pé da construção, e o marulhar suave e constante das cachoeiras que despencavam pelo contraforte. Voltou os olhos para os lados, vendo as florestas se estendendo e cobrindo até o horizonte. Se sentiu muito bem ali, estendendo o dedo para o pouso de duas abelhas.
- Realmente, um belo lugar. Ariel gosta daqui?
- Tenho certeza de que sim.
- Melhor instalar umas grades grossas ali, para separar aquele ambiente – sugeriu Haamiah.
- Ora, e por que? – Lázaro estranhou.
- Ora, para eu me proteger de Ariel – falou Haamiah, totalmente relaxado, para divertimento dos outros.