A linha do tempo é poeira onde se brinca, coriscos que se ligam e se modificam em cada grão iluminado, numa algazarra de possibilidades repletas de sorrisos de um deus feliz.
1
Ariel olhou para Lázarus e Haamiah, que flutuavam ao seu lado muito acima da atmosfera de Gaia, quase dentro da escuridão do espaço. Gaia e sua lua enchiam todo o campo de visão, revolucionando suavemente pelo negror salpicado, onde o braço da Onáriah se mostrava radiante.
Seu coração deu um pulso sentido de saudades.
- Certeza de que não devemos interferir? – estranhou Ariel.
Ariel tinha os olhos postos no planeta. As guerras estavam em todos os continentes, mas era em Mércia que elas estavam se intensificando cada vez mais, e era lá que eles tinham descido.
Trevas e Escuridão tentavam esticar seus tentáculos para as terras baixas, e um poder ali havia se levantado para se contrapor a eles: os danatuás.
Sua alma pulsou no desejo de estar ao lado dos amigos, de defender a luz, a liberdade, como eles se esforçavam tanto. Ainda mais quando era sabido por todos que era aquela guerra, dentre tantas que já haviam grassado pelo planeta, que tinha o poder para causar uma ruptura imensa que levaria, fatalmente, ao surgimento de uma nova era. A guerra dosvivos é como ela seria chamada – suspirou novamente, reconhecendo a sua posição na linha do tempo, e como ela estava.
Devagar inspirou profundamente, retirando os olhos das nuvens, das montanhas logo abaixo, e das criaturas que vivam no chão, no ar e nas águas e na terra. Podia não parecer, mas havia poderes enormes ali, e a luz estava fortemente representada. Não era ali, bem sabia, que as maiores batalhas estavam para serem travadas; era nas estrelas que elas iriam acontecer.
- Certeza! – ouviu Lázarus falar, notando sua voz num tom pensativo e distante. - Não estamos aqui para cuidar dos assuntos dos demônios ou de qualquer outro, Ariel. Estamos aqui por causa dos veladores, para proteger a linha de tempo em que deverão surgir.
- Mas a energia do planeta está muito baixa. Ao menos consegue ver quando os veladores começarão a trabalhar?
- Ainda vai levar algum tempo – Haamiah cismou. - Veja, ainda há demônios corporificados por aqui, como há anjos e pessoas, nefelins, dahrars e as mutas. Esse não é o momento para os veladores.
- Só quando essa guerra causar uma nova era... – Ariel sussurrou, compreendendo a linha de tempo. – Eu entendo.
- É assim mesmo – confirmou Lázarus. - Essa guerra vai causar tal estresse na linha que vai causar uma outra, bem mais perigosa que essa, que vai fazer com que ela se rompa. E quando isso acontecer vai isolar essa dimensão para os homens, e é por eles que Gaia espera, é por eles que essas forças trabalham, e é por eles que os veladores irão se apresentar, e os mostradores do caminho, porque são eles que terão em si, quase que em equilíbrio, a luz e as trevas. A importância deles, sendo não só sombras ou só escuridão, mas as duas forças em um único ser, ainda não é completamente compreendida, mas é sentida. Então, quando eles estiverem sós nessa dimensão aí sim os veladores serão escolhidos e começarão a despertar, tal como o nosso amigo ali – falou, trazendo à visão de ambos a imagem de Mercator, pensativo, a aura confusa em torno de si, alheio e abandonado no alto de uma cadeia de montanhas.
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- Não é interessante ver o quanto Miguel está se empenhando por ele?
- Ele vê a dor dele e a compreende, Haamiah. Miguel, tal como Yeshua, está além de nós – Lázarus sorriu.
- Sem dúvida que estão – Ariel concordou. - Pois então, meu querido Lázarus, eu quero estar com nossos amigos. Não quero ficar aqui só podendo ver toda essa dor, que apenas é um caminho. Além disso prometemos para Sol, Darvana, Mulo e Avenon que iríamos ficar de olho nas crianças, se lembram?
- Como se fosse necessário isso – Lázarus riu. – Eles estão se saindo muito bem. Já são até comandantes de naves e de legiões e ...
- Você entendeu o que eu quis dizer – ela falou, dando-lhe um soco no braço. – Ah, pessoal, eu estou com saudades...
- Éééé... – Haamiah suspirou, se lembrando dos amigos. - Yeshua, Ahstar...
- Emanoel... – o semblante se perdeu e desfocou, se lembrando das pessoas e seres que amava. - Também estou, e concordo – falou Lázarus.
- Então vamos aceitar o pedido de Derfla, para ajudar a Federação?
- É o melhor, não acha? – falou Lázaro.
- Acho sim. Por aqui, os poderes estão equilibrados. Por lá a Ordem está crescendo seu império.
- Mas, os quatro estão lá embaixo, no meio dessa loucura...
- Já conversei com Gadhiel. Ele vai mantê-los sob suas vistas. Além disso... O que foi, Haamiah? – Ariel se preocupou, voltando-se para se concentrar no amigo.
- Eu não irei com vocês. Eu já via essa possibilidade, e por mais que a deseje seguir, não vou poder.
- Ora, e por que não, Haamiah? – Lázaro estranhou.
- Eu tenho coisas a acertar com Gaia. Vão... Eu também vou estar de olho nos nossos amigos aqui, eu prometo.
- Eu compreendo, Haamiah. Vai ser muito bom ter você por aqui – falou Ariel. – Qualquer coisa, se precisar, nos chame.
- Vamos manter contato, meu irmão – Lázarus falou dando um grande abraço em Haamiah.
Após Haamiah e Ariel se despedirem com um abraço terno e fraternal Lázarus pôs sua atenção muito ao longe, tomando conhecimento da situação entre a Ordem e a Federação.
- Então, minha querida, está na hora de irmos.
- Só mais um pouquinho – Ariel pediu.
Devagar, como uma despedida, sob o olhar carinhoso de Haamiah os dois ficaram em silêncio, observando as dimensões mais próximas da terceira, onde forças terríveis se movimentavam, indiferentes e até frias, fazendo ligações e outras tantas destruindo.
Luz e escuridão se movendo, se batendo e se refazendo, num jogo brutal e áspero. Foi assim que as viram, as mutas, voltando para o planeta de distantes plagas e tomando os seus arcabouços de cristal, enquanto sondavam as distâncias e os seres, pesando possibilidades para o que sabiam estar logo ali, depois da linha do horizonte.
- Temos que ir – viu Ariel. – Se nos demorarmos acabaremos sendo engolfados no que está para acontecer. As mutas já estão chegando...
- Gadhiel já sabe – Lázaruz avaliou um anjo solitário, que sondava as linhas que se abriam. – Ele já sabe que Layla está para retornar.
- O sacrifício dos dois é tocante, não é? – Ariel observava o chão do planeta, pensativa. – Akindará, meu amigo – despediu-se de Haamiah, tocando com suavidade o coração.
- Akindará, meu irmão – Lázarus deu um enorme sorriso, os dedos repetindo o movimento de Ariel.
- Akindará, minha família – sorriu Haamiah por sua vez, tocando levemente entre as sobrancelhas.
Nem bem terminara de dizer os dois volitaram para longe do planeta.
Haamiah desceu sobre uma montanha e sentou-se no chão, deixando aquele sentimento de paz e distanciamento se apoderar de sua alma, tal como uma grande nuvem de flocos que se espreguiçava e seguia lentamente pelo céu.
- A gente vai se encontrar logo, no tempo de um suspiro, que pode demorar por mil anos – sorriu para a nuvem.
II
Assim que Lázarus e Ariel se corporificaram ao lado da nave de Derfla, Emanoel surgiu ao lado deles, um sorriso imenso estampado no rosto.
Sem dizer nada, puxou os dois para um grande abraço.
- Entendo... Ainda se diverte com isso, não é? – Ariel riu.
- E como não deveria? – confirmou. - E olha que não sou só eu. Até Derfla, Yeshua e Miguel acharam isso muito divertido. Ah, e os filhotes, que se divertem muito vendo as imagens de vocês se matando. Sabia que nós nos reuníamos aqui para ficar vendo vocês dois, como se fosse um filme? – zombou cheio de alegria, conduzindo-os para dentro da luzidia nave, para um grande salão onde muitos estavam reunidos, a algazarra alegre enchendo todos os espaços.
– Quantas vezes vocês se mataram mesmo? – perguntou Teleruden aproximando-se depressa na companhia dos outros, felizes com a chegada deles.
- Ah, sei lá... Quantas vezes mesmo você me matou, meu bem? – Lázarus perguntou com uma cara que fez com que Ariel ficasse rindo por um longo tempo.