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Do outro lado do Rio (PT-BR)
23/09/1374 - Carta 2

23/09/1374 - Carta 2

A vida e os segredos do Escolhido

Um período de trinta anos pode parecer pouco tempo, apenas uma ou duas gerações de uma família, mas qualquer pessoa pode dizer com confiança que “paz” era uma palavra desconhecida aos nossos pais e avós. Todos sabem por que, e não vem ao caso montar um panorama da nossa história milenar de antemão. Em primeiro lugar, outros já cobriram por extenso esse assunto, como Jocham et alii, Huiper et alii e Mibregaw. Em segundo lugar, meu objetivo não é alterar o que se ensina nas escolas ou o que se debate nas praças nem nos mercados. Pretendo trazer com esse estudo uma nova visão a respeito da pessoa que mudou o mundo, não sendo do mundo. Talvez você tenha relido a última frase, em especial a última oração, mais de uma vez, e se o fez, o fez com razão. Aquele que conhecemos como Escolhido não é desse mundo. Do nosso mundo. Isso ficará muito claro eventualmente, ainda que seja impossível de acreditar por enquanto. O poder da magia como a conhecemos é irrisório em comparação ao seu potencial inestimável. Eu mesmo sou fluente nas artes arcanas, e meu entendimento palha em comparação ao do Grande Arquiteto, nome que, modestamente, dou ao inventor do Rivum dos Mundos, nome não meu, mas da própria dona do objeto inestimável. Antes que me chame de louco e queime essas folhas, tão sofridamente escritas, peço encarecidamente que me acompanhe em meus achados, cuja veracidade será posta à prova, e tire suas próprias conclusões. Para aqueles que somente buscam a parte histórica da vida do Escolhido, saibam que a encontrarão também em abundância, afinal, foi esse o meu objetivo inicial quando parti em viagem dois anos atrás.

Mas por onde começar? Essa é uma pergunta que me vem tirando o sono há meses. “Deveria começar pelo começo, é óbvio” diria qualquer um. Isso, porém, é impossível. Se não por diversos outros motivos, pelo mais simples: não há um começo, de fato. Não é que não exista um ponto no tempo em que tudo começou, me refiro à cronologia da vida do Escolhido. Nesses dois anos, não achei uma única menção sequer a respeito do nascimento do Escolhido. Sotaque, cor de pele, altura… Nenhuma feição do rosto ou coisa parecida que poderia limitá-lo a uma região específica de Mwonter. Também achei improvável que tivesse nascido em Gaxite ou outro dos continentes mais afastados da costa Leste pelo ínfimo número de relatos que haviam de sua presença. É, portanto, razoável imaginar cenários, a princípio, absurdos. Não bastasse o nascimento, que por si só é realmente difícil de se saber com relativa certeza, a infância e até mesmo o começo de sua vida adulta são um completo mistério. Nada indicava que aquele homem não teria simplesmente brotado do chão, e isso me preocupava. Mas eu jamais poderia ter imaginado a conversa que tive com uma certa mulher. Definitivamente, estava bem de saúde, delírio algum me sobreveio naquele dia. E o que ela disse ficará registrado em algum dos subsequentes correios. Não neste, nem no próximo, nem no seguinte. Porque, após debater internamente por meses a fio, decidi registrar minha obra de acordo não com a ordem cronológica dos acontecimentos, conforme os tenho até o presente momento, mas a ordem em que obtive as informações. Não se preocupem, muito será editado, e apenas caberão as entrevistas e os relatos mais confiáveis. Mais uma vez, meu objetivo é contar a vida do Escolhido com mais do que apenas lendas e cirandas, revelando o desconhecido e misterioso por meio de testemunhos verossímeis.

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É justo, também, reservar um espaço para meus agradecimentos. Agradeço à minha mãe, que me ensinou a ler e a escrever; a andar e a correr, a amar e a viver. Agradeço ao meu pai, que me ensinou as virtudes de uma vida cheia de aventuras e fracassos; porque, sem esses, estudos e sucessos de nada servem. Agradeço às minhas irmãs, que tanto cuidaram de mim quando pequeno e nunca largaram do meu pé quando adolescente. Agradeço à vossa bondosa majestade Rainha Ecethi, que me deu a honra de andar com seu selo real para ser bem-recebido em seu nome por toda Mwonter. Agradeço à banca formadora da Universidade de Estudos Arcanos de Relv, minha alma mater, por todo o conhecimento que me permitiu adquirir e pela prontidão em aceitar minha viagem com tão bons olhos. Por fim, agradeço a você, com quem correspondo há tanto tempo e a quem confio a missão de divulgar minhas descobertas conforme forem chegando em suas mãos.