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Do outro lado do Rio (PT-BR)
23/09/1374 - Carta 16

23/09/1374 - Carta 16

“Liora” disse Lilian colocando a neném para dormir ao lado de Lemen na carruagem. “Esse vai ser o nome dela.”

“Ela ainda não tinha nome?” perguntou Hjaava, terminando os segundos socorros à perna de Lemen e descendo para o chão.

Lilian negou com a cabeça. “Só damos um nome quando algo de especial acontece. 'Liora' quer dizer...”

“Sorriso triste.” A jovem recitou um encantamento de cura, jogou uma bebida quente no corte e enfaixou a mão da garota. “O meu nome é Hjaava. E o seu?”

“Lilian.”

A garota olhou em volta. Ela mesma havia contado a presença de cada pessoa do orfanato, mas sempre sentia a necessidade de ver se alguém não havia se perdido. Se eles tivessem carruagens e cavalos suficientes para que ninguém precisasse ir a pé, a viagem para Cahgri teria sido muito mais rápida e segura.

Pelo que todos conversaram mais cedo, o mais prudente seria passar a noite em Ghisel, uma vila não tão próspera nos arredores de Dinaev. Dali, de manhã cedo, seguiriam viagem para Cahgri. Sem chuva ou qualquer outro imprevisto, seria possível chegar no orfanato de Cahgri antes da meia-noite.

Sylon, Armio, Beta e Dario se dividiram para cuidar do Norte, do Sul, do Leste e do Oeste da formação. Desse modo, poderiam garantir melhor a segurança de todos do orfanato. Hjaava e Lilian, com uma pequena carruagem de suprimentos para emergências médicas, estavam na retaguarda da formação. Na outra ponta, um homem andava conversando com as Irmãs e algumas crianças.

“Lilian…” suspirou Hjaava. “Sorriso puro. É um lindo nome.”

“Madre Zeta que escolheu.”

“Algum motivo para ela ter escolhido esse nome?”

“Era um dia muito chuvoso. Uma tempestade do tipo que acontece uma vez a cada cem anos. Ela tirou os olhos do berço por um segundo… e quando voltou o olhar para mim, eu estava subindo no parapeito, encarando o lado de fora. Eu comecei a rir com a chuva, porque devo ter achado graça em alguma coisa. Quando ela foi me devolver para o berço, o temporal parou e o céu se abriu. Até hoje ela diz que foi o meu sorriso.”

“E você acha que ela inventou isso” supôs Hjaava, pelo que Lilian dizia sem dizer.

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“Como um sorriso pode parar uma tempestade?”

“Eu já vi. E peço todo dia para ver mais. Talvez você esteja crescendo muito rápido para perceber.”

“Perceber o quê?”

“Que a pureza é a maior das virtudes.”

Lilian quis se assegurar de que Lemen e Liora dormiam tranquilos na carruagem. Conferiu também o curativo que a jovem havia feito em sua mão cortada; não havia mais dor.

“Hjaava.”

“Sim?”

“Você conheceu o Lemen em algum lugar?”

“Não. Mas ele deve saber quem eu sou— era.”

“Quem era você?”

“Bom… Até pouco tempo, eu era uma Princesa. De um reino muito distante.”

“Você não parece uma Princesa.”

“Mesmo?”

“É claro. Princesas são feias e más.”

Hjaava cobriu o riso com a mão. “Verdade… Algumas são.”

“Por quê?”

“Por que princesas são feias e más? Porque isso é tudo que elas conhecem, tudo que aprenderam. Foi o que rasgaram nelas e deixaram marcado no corpo delas.”

A jovem levantou Lilian e a sentou na carruagem, depois continuou:

“Princesas gostam de se sentir voando, nas alturas… mas não sabem para onde ir. Eu achei o meu caminho.”

Lilian desceu da carruagem e voltou a andar na trilha. Contou mais uma vez que ninguém estava em falta. O homem na frente chamou uma das Irmãs para um lugar afastado, onde poderiam conversar a sós.

“Como eu posso achar o meu caminho?”

“Cada pessoa tem o seu próprio caminho a seguir. Só você pode entender o que acontece no seu coração. É uma inquietação, um incômodo, às vezes uma dor.”

“A minha mão não está mais doendo.”

“Não esse tipo de dor” riu. “É uma dor muito forte, que você não sabe de onde vem e não sabe se ela vai embora. Foi a dor que fez você se cortar, não a dor do corte. Foi o seu sangue, não foi?”

Lilian ficou em silêncio, concordando com o que Hjaava dizia.

“Você queria ter nascido diferente. De pais que não a abandonaram. Em uma cidade grande e sem guerra…”

“Não. Tudo isso eu não quero.”

“O que você quer?”

“Eu quero…”

Lilian foi interrompida pelo som de um tapa, agudo e certeiro, no rosto do homem. Irmã Cora correu para se trancar na carruagem das Irmãs.

“Desculpe, Lilian, eu já volto.” E sussurrou um apelo à candidez do estapeado.

Lilian viu a jovem correndo para perto do homem, repreendê-lo. E achou graça naquilo. Olhando para os dois que dormiam tranquilos na carruagem, disse para si mesma:

“Eu quero que os meus irmãos e as minhas irmãs sejam felizes.”

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