Um barulho ensurdecedor e meu mundo se foi, chacoalhado e escorraçado, transformado em caos. Ódio é o que me sobrou, ou que aceitei. A outra opção seria terrível demais: não confio no amor.

- Ora, aí está você novamente. Me seguindo?

- Quem? Eu? E por que eu te seguiria? – Allenda perguntou em tom zombeteiro.

- Paixão, talvez – sorriu ele, também debochado.

- Não, paixão não – falou como se estivesse pensando. – Acho que, sei lá, algo como nojo. Sabe quando você vê algo que te chateia, te incomoda? Não gosto, definitivamente, de ver você... Acho que isso é o mais correto.

- Hummm... Acho que não. Acho que paixão é o melhor. Vejo seus olhos me envolvendo, me desejando.

- Então, além de ser um arrogante imbecil, ainda é louco... Mas, começo a entender... Você fica confuso quando me vê. Você fica vermelho e sem graça,... Você me ama? – perguntou descansando o corpo sobre uma perna.

- Ah, não, isso não. Você não é nada interessante. Além de se achar grande coisa, você ainda tem esse cheiro ruim, parecendo...

- Olha o que vai falar... – ela pareceu ficar em alerta. – Ainda mais você, que cheira como uma onça molhada.

- Bem, eu dizer... Hããã... de porco molhado? Essa é boa, não é? Uma porquinha molhada!

Nem deu tempo de sorrir. Uivo aparou o golpe e se afastou, os olhos pregados na mulher, que o encarava com ódio.

Então a viu se avermelhando.

- Não, não... Pare com isso...

Uivo ficou sério, vendo que agora, realmente, ela estava enfezada. Ficou se perguntando que direito ela teria para ficar mais zangada que ele que foi também xingado de ser malcheiroso. Então, desistiu de tentar compreender, ou justificar.

> Não vou deixar em branco dessa vez, menina. Você é mimada demais, acostumada que te façam as vontades. Até quando te ajudam, te salvam, você não tem humildade, nem agradecimento. Você pode xingar e ficar brava, mas ninguém tem o direito de sentir o mesmo, não é?

- Para você isso é normal, o que não é para mim – declarou com a voz contida.

- Ah, mas você é muito... chata...

Allenda girou com fúria, e quando estava de frente para Uivo já estava com o arco preparado. A força foi tanta que a flecha cravou na perna de Uivo, que deu um urro raivoso. Tomado de surpresa segurou com força o pescoço de Allenda, que havia se aproximado para atingi-lo com a ponta de uma outra flecha. Uivo a empurrou, enquanto as garras descreviam um curto arco, atingindo Allenda e rasgando sua carne, do ombro até perto do cotovelo.

Allenda se afastou e olhou com desprezo para o ferimento.

If you discover this narrative on Amazon, be aware that it has been stolen. Please report the violation.

- É mesmo só isso que consegue? – debochou, os olhos se voltando para a direita de Uivo.

Uivo também girou os olhos e viu ArrancaToco, parado, confuso sobre o que acontecia.

Allenda se endireitou, não entendendo a atitude de seu animal.

Uivo sorriu confiante, puxando a flecha com um só golpe.

- Você me acertou mesmo, sua louca – reclamou.

- Ah, desculpa... Devia te fazer cócegas, seu imbecil?

- Ora, doeu...

- Larga disso... Podia ter doído muito mais... – falou afagando a cara ossuda de ArrancaToco que se aproximara, estranhando a calma do amigo.

> Espera aí... Vocês ainda continuam amigos? – estrilou.

- Ora, fui com a cara dele desde o começo, e ele com a minha. O que tem isso?

- O que tem isso? O meu inimigo deve ser o inimigo dele – ralhou. – Você o enganou naquele dia e continua enganando...

- Não, não... Acho que foi de... de alma para alma. Algo assim...

- Que droga... – falou brava, olhando para ArrancaToco. – Tá, agora vá embora. Dessa vez te deixo ir. Não quero obrigar ArrancaToco a te atacar. Ele parece gostar de você, o que para mim é um escândalo...

- Não, não!!! Eu é que te deixo ir, só com esses arranhõezinhos...

- Arranhõezinhos? Seu miserável... Você me atacou, você me atingiu com essas suas garras podres. Se inflamar vou tirar satisfações.

- São arranhões de nada, como você mesma disse – riu Uivo. – Agora vá embora. Não gostaria que ficasse brava com nosso amiguinho aí. Ele poderia te atacar para me proteger, logico que eu não preciso, mas, ele pode achar que sim. E isso vai te chatear e...

- Ele, me atacar? Você está mesmo perturbado. Então, olhe só... Vai... Ataca ele, ArrancaToco – ordenou, a voz meio displicente.

Vendo que ele a olhava confuso, repetiu o comando, agora mais incisivo, apontando para Uivo, que se recostou num tronco e a olhava divertido.

> Arranca, você não está me ouvindo? – exasperou. – Vai, ataca ele, fura e queima esse miserável.

> Aiiii... – reclamou ela, quando ele se achegou todo amável nela, como se estivesse confuso sobre o que ela desejava. Com os olhos pregados nela, Uivo teve que se esforçar em não rir, quando ele se sentou, confuso que tudo que estava acontecendo.

> Mas que merda, Arranca. Nós precisamos conversar sério – ameaçou. - Você foi enfeitiçado por ele e... Ah não, foi o velho, não foi? Vocês enfeitiçaram o meu amigo. Vocês não prestam...

- Ara, ele está bem – riu Uivo, envolvendo o ferimento da perna em uma grande folha.

- Tomara que inflame – esbravejou ela, virando-se e voltando para a aldeia.

Adanu, que a tudo observava de longe, apenas observou Uivo se despoderar e seguir para dentro da floresta, mancando.

- Pai... – cumprimentou Allenda com tranquilidade assim que se aproximou.

- Filha, filha, quando vão parar de se agredir assim? Já é o que, a quinta vez que se atacam nesses poucos dias desde o juguena?

- Ah, sei lá... Acho que até agora foram umas oito vezes. Mas ele vai aprender a ficar longe. De um jeito ou de outro ele vai aprender.

- Vocês são estranhos. Se atacam, mas se preocupam em proteger um ao outro. Já vi isso...

- Que isso. Nunca... – Allenda reclamou, fazendo um muxoxo divertido.

- Os lobisomens que emboscaram Uivo, o juguena que te cercou...

- Um guerreiro não foge à luta. Eu estava perto e...

- Ele também, quando te seguiu? – riu Adanu.

- Aí eu não sei o que deu nele. Acho que queria que eu me desse mal, sei lá.

- Não, não. Ele evitou isso, muito bem.

- Não fique pensando coisas, pai, senão vou realmente achar que está velho demais, e ficando senil. A gente se odeia...

- Sei... Acho que estão é se divertindo com essas brigas. Mas, está bem... Agora vá se cuidar. Parece que esses rasgos precisam de um cuidado.

Allenda examinou os ferimentos. Eram quatro rasgos que partiam do ombro até perto do cotovelo. O sangue havia coagulado no cotovelo, e doía um bom tanto.

- Tranquilo! Mas você precisa ver como ele ficou – riu satisfeita. - Acho que vai doer por um bom tempo.

- Duvido, filha. Ele tem um poder de se curar com muita rapidez...

- Não dessa vez... – sorriu se afastando. – Coloquei um pouco de leite de sapo puru na flecha – riu feliz.

Adanu não pode deixar de rir. Enquanto abanava a cabeça ouviu algumas imprecações no meio da floresta. Uivo devia ter acabado de descobrir que ia demorar um pouco mais do que o costume para se curar.