Aqui não é uma prisão. Como pode ser, se é aqui que me sinto livre?
Não conseguia se lembrar, por mais que se esforçasse. Parece que sempre estivera ali, dentro daquela prisão, flutuando sobre aquele mundo sem vida, de proporções inimagináveis, diferente de um que, por mais que se esforçasse, não se lembrava. Às vezes parecia que ia conseguir ter uma frágil lembrança, mas, então, tudo se desfazia novamente, e novamente se via frente à frente com uma saudade estranha de algo esquecido.
- Quem sou eu? – perguntou para as montanhas vermelhas e denteadas que via por dentre as barras opacas e frias de sua prisão. – Qual minha função? Para que existo? O que eu pensava antes de me lembrar de que existo? Afinal, eu existo? O que eu era antes de existir?
- O louco está gemendo – ouviu ao lado.
- Ele cada vez fica mais demente. Olha, olha, ele está se esfumaçando – apontou um demônio deliciado, se aproximando cada vez mais para sorver aquela energia escura.
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Logo não eram apenas os dois, mas uma multidão que envolvia a prisão que flutuava no vazio, esfomeados pela energia prometida. Não demorou e não se via mais qualquer grade, mas apenas mantas e sombras e formas humanas aladas que se locupletavam na energia que Mercator destilava.
Então Mercator ouviu alguém gritar que era para se afastarem depressa, e viu que seu tempo acabara.
Com uma velocidade terrível avançou como uma sombra, circulando rápido por dentro de sua prisão, rasgando e cortando e puxando para dentro tudo em que tocasse.
Quando os que conseguiram se afastar abriram espaço para a luz opaca e mortiça daquele entrar na prisão, viram centenas de sombras, mantas e demônios alados junto de Mercator, que os observava como se sonhasse.
Cientes do perigo que corriam, como uma massa se olharam e caíram sobre Mercator.
A turba do exterior gritava de euforia, hipnotizada pela luta terrível que se desenrolava dentro da cela.
Quando o último demônio capturado sucumbiu nas garras de Mercator, que caminhava sobre uma grossa camada de sangue negro como óleo queimado, os gritos se elevaram em transe, tomado de um furor festivo, invejosos de Mercator que se alimentava de toda aquela energia.
Então subitamente, após o último demônio se desfazer nas garras de Mercator, os que estavam fora se viraram e, como se nada tivesse acontecido, alheios a tudo passaram a flutuar como sempre faziam, buscando incessantemente os alimentos escassos, enquanto um procurava escapar dos olhos vidrados de fome do outro.