O som das rodas da carruagem rangendo contra a estrada pavimentada ecoava pela noite. A lua cheia lançava um brilho pálido sobre a mansão, mas a iluminação mágica ao longo da propriedade impedia que qualquer sombra profunda se formasse. Aquele era um lar de luxo, segurança e ordem. Pelo menos, deveria ser.
Elias desceu da carruagem com sua postura impecável, os olhos dourados reluzindo sob a luz suave das lâmpadas encantadas. Seu terno negro estava imaculado, e a expressão em seu rosto era indecifrável. Não havia pressa em seus passos, mas também não havia hesitação. Ele caminhava como um homem que possuía tudo o que via—e isso incluía as vidas daqueles que trabalhavam para ele.
Os guardas formavam uma linha no pátio da mansão, os semblantes tensos, as posturas rígidas. Nenhum deles ousava erguer a voz ou desviar o olhar da frente. Era raro que seu mestre fosse chamado de volta por algo tão trivial quanto um roubo.
E, no entanto, lá estavam eles, esperando o veredicto.
Elias não os olhou diretamente enquanto passava, mas podia sentir a tensão no ar. Um crime havia sido cometido em sua casa.
Ele empurrou as portas da mansão, e um grupo de soldados já o esperava do lado de dentro. Alguns tentavam manter a compostura, mas outros claramente demonstravam o nervosismo de quem havia falhado em seu dever.
— No meu escritório — foi tudo o que Elias disse, sem sequer reduzir o passo.
Os soldados o seguiram obedientemente. O som das botas contra o mármore ressoava alto no silêncio opressor que dominava a mansão. Quando chegaram ao escritório, Elias se dirigiu diretamente à sua mesa de mogno e acomodou-se em sua poltrona de couro, gesticulando para que falassem.
— Relatem.
O comandante da segurança deu um passo à frente e pigarreou. Seu uniforme, normalmente impecável, parecia ligeiramente desarrumado, uma evidência do caos que havia se desenrolado horas antes.
— Meu senhor, um ladrão invadiu a mansão na noite passada.
Elias ergueu uma sobrancelha.
— Um ladrão? Apenas um?
O comandante engoliu em seco.
— Sim, senhor. Apenas um invasor.
Houve uma pausa. O silêncio pesou na sala.
Elias inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa.
— E esse único invasor escapou?
O comandante desviou o olhar, incapaz de encará-lo.
— Sim, senhor.
O olhar dourado de Elias percorreu os rostos dos guardas ali reunidos. Todos mantinham a cabeça baixa, envergonhados.
— Continuem.
— O invasor usou feras mágicas para criar uma distração nos jardins — explicou um dos guardas. — Soltou-as deliberadamente, forçando-nos a concentrar nossos esforços em contê-las. Enquanto lidávamos com a ameaça, ele se infiltrou na mansão.
— Feras mágicas? — Elias murmurou, girando um anel de prata em seu dedo. — Interessante... e como ele entrou?
Houve um breve silêncio antes da resposta hesitante vir.
— Não sabemos, senhor. Nenhuma das armadilhas mágicas foi disparada. Nenhum alarme soou. Ele simplesmente apareceu dentro da mansão.
O dedo de Elias parou de girar o anel. Isso era problemático.
As defesas de sua propriedade eram projetadas para serem impenetráveis. Feitiços de detecção, encantamentos de alerta, maldições de confinamento—nada deveria ter permitido uma entrada tão discreta.
E, ainda assim, alguém havia conseguido.
— E como ele escapou? — perguntou, os olhos estreitando-se levemente.
— Não sabemos ao certo, senhor. Ele simplesmente… sumiu.
Elias estreitou os olhos.
— "Sumiu"?
O comandante assentiu, nervoso.
— Sim, senhor. Como se nunca tivesse estado ali.
O silêncio na sala tornou-se quase palpável. Elias observou os rostos tensos de seus guardas. Nenhum deles parecia ter uma resposta satisfatória.
Ele suspirou, recostando-se na cadeira e apoiando a cabeça em uma das mãos.
— Vocês me dizem que foi apenas uma pessoa. Que essa pessoa invadiu minha casa, enganou todos vocês, evitou minhas defesas, e então... desapareceu?
O desconforto nos rostos dos soldados era evidente. Nenhum deles respondeu. O simples fato de seu mestre ter retornado para lidar pessoalmente com o assunto já era um indicativo da gravidade da situação.
Elias permaneceu em silêncio por um momento, antes de se levantar lentamente e caminhar até a prateleira de bebidas. Serviu-se de uma taça de vinho e a girou levemente, observando o líquido escarlate refletir a luz do ambiente.
— Esse invasor... ele levou algo?
O comandante pareceu hesitar antes de responder.
— Não sabemos, senhor.
Os dedos de Elias apertaram levemente a haste da taça.
— Claro que não sabem.
Ele tomou um gole de vinho, saboreando o gosto enquanto sua mente trabalhava.
— Isso significa que só eu posso verificar.
Era verdade. Apenas ele sabia o que estava guardado dentro daquela câmara. Apenas ele sabia o valor real do que fora tomado.
Elias suspirou, fechando os olhos por um instante. Quando os abriu novamente, seu olhar estava mais afiado do que antes.
— Quero reforço imediato na segurança. Nenhuma outra invasão será tolerada. Dobrem as patrulhas, ampliem a vigilância.
— Sim, senhor! — responderam em uníssono.
— E uma última coisa... Quero informações sobre essa pessoa. Descubram quem ele é, de onde veio, o que ele quer.
O comandante congelou no mesmo. A verdade era que ele tinha uma informação muito importante, mas estava relutante em dizer, no entanto, seu respeito por Elias era maior, então não demorou mais do que alguns para falar.
— Na verdade… já temos uma informação sobre ele senhor.
Elias o encarou, seu olhar curioso, ele estava intrigado com o invasor, qualquer informação era luxo.
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— Conte-me.
O capitão estava suando frio, sua garganta doía, no entanto, alguém teria que informar isso, e esse alguém era ele é claro.
— O invasor é um garoto de cabelos negros, tem entre 11 a 14 anos… é magro e baixo também.
A expressão de Elias permaneceu impassível por um segundo, como se estivesse processando aquela informação absurda.
E então, ele riu.
Foi um riso baixo, frio, sem humor algum.
Os soldados se entreolharam, inseguros. Nenhum deles ousava interrompê-lo.
Quando o riso cessou, o olhar de Elias se tornou cortante.
— Vocês estão me dizendo que uma criança invadiu minha casa?
O capitão ficou em silêncio.
— Que essa criança enganou todos vocês? Passou pelas minhas defesas, iludiu minha segurança e ainda conseguiu fugir?
O capitão assentiu lentamente, os lábios pressionados em uma linha tensa.
Elias inspirou fundo, fechando os olhos por um breve instante antes de se levantar lentamente. Seu movimento foi calculado, contido... mas a fúria latente era evidente.
— Vocês realmente esperaram que eu voltasse aqui para ouvir essa piada?
— Senhor, eu—
Elias ergueu uma mão, silenciando-o no mesmo instante.
Ele caminhou até a prateleira de bebidas e serviu-se de uma taça de vinho. Girou o líquido escarlate no copo antes de beber um gole longo e demorado.
Depois, virou-se para o capitão e para os demais soldados.
— Diga-me uma coisa, capitão... Você viu essa criança com seus próprios olhos?
O capitão hesitou por um segundo, então assentiu.
— Sim, senhor.
— E mesmo assim, não conseguiu capturá-lo?
A mandíbula do capitão ficou rígida.
— Não, senhor.
Elias ficou em silêncio por um momento, apenas o encarando. Então, ele deu um passo à frente.
— Quero reforço imediato na segurança. Nenhuma outra invasão será tolerada. Dobrem as patrulhas, ampliem a vigilância.
— Sim, senhor! — responderam os soldados em uníssono.
— E uma última coisa... Quero informações sobre essa criança. Descubram quem ele é, de onde veio, o que ele quer.
O capitão assentiu rapidamente.
— Sim, senhor.
Os guardas saíram às pressas do escritório, aliviados por escaparem sem punições imediatas.
Agora, sozinho, Elias virou-se para o grande espelho ao lado da estante.
Seu olhar refletido estava sério, frio.
— Uma criança...?
Ele apertou os dedos ao redor da taça, sua mente girando com aquela revelação absurda.
Um ladrão capaz de invadir sua casa sem ser detectado. Um ladrão capaz de desaparecer diante de seus olhos.
Se aquilo fosse mesmo verdade... então essa criança não era comum.
E Elias faria questão de descobrir tudo sobre ele.
Os guardas saíram às pressas do escritório, aliviados por escaparem sem punições imediatas.
Agora, sozinho, Elias virou-se para o grande espelho ao lado da estante. Ele encarou sua própria imagem refletida. O que via não era apenas seu próprio rosto, mas também a incógnita que agora pairava sobre sua mente.
Um ladrão capaz de invadir sua casa sem ser detectado. Um ladrão capaz de desaparecer diante de seus olhos.
Ele estreitou os olhos.
— Quem é você...?
O reflexo não respondeu. Mas Elias sabia que, mais cedo ou mais tarde, encontraria a resposta.
Elias passou os dedos longos e frios pelo anel de prata em sua mão, girando-o lentamente. Sua mente ainda martelava a informação absurda que recebera. Uma criança. Uma criança havia invadido sua mansão, enganado seus guardas e fugido sem deixar rastros.
Ele precisava confirmar algo.
Com um gesto lento e calculado, ele moveu um pequeno ornamento em sua mesa—um intrincado relógio de bolso de ouro, um dos muitos artefatos valiosos que possuía. O clique foi quase imperceptível, mas Elias ouviu.
O escritório ao seu redor começou a se transformar. A magia mental que impedia olhos curiosos foi quebrada.
Os livros desapareceram das prateleiras, os móveis foram consumidos pelo próprio chão, como se nunca tivessem existido. As janelas se fecharam, substituídas por sólidas paredes de pedra negra. O ar ficou denso com a presença de encantamentos antigos, runas brilhando por toda a extensão do novo ambiente.
Este não era um mero escritório. Esta era a verdadeira câmara do tesouro de Elias.
O espaço era vasto, as paredes cravejadas de ouro e joias. Relíquias antigas repousavam sobre pedestais, armas encantadas estavam expostas em suportes mágicos, e pergaminhos selados com feitiços proibidos estavam cuidadosamente organizados em compartimentos seguros.
Elias percorreu a sala com passos lentos, seus olhos dourados examinando cada item com precisão clínica.
Nada parecia fora do lugar.
Ele passou a mão por uma adaga feita de obsidiana pura—intacta. Um cetro de rubi com inscrições que datavam da era dos Primeiros Reis—exatamente onde deveria estar. Uma máscara amaldiçoada, capaz de conceder conhecimento proibido em troca de sanidade—intocada.
Tudo estava em ordem.
Mas algo não o deixava em paz.
Ele franziu a testa, avançando mais fundo na câmara até seus olhos pousarem em um baú, repousando no centro do salão.
O baú estava ali. Intocado. Exatamente onde sempre esteve.
Elias soltou um suspiro quase imperceptível. Ele já sabia que nada poderia ter acontecido com aquele objeto em específico. Seria impossível.
Afinal, nem ele era capaz de segurar a Lágrima de Aether diretamente.
Seu olhar percorreu as complexas inscrições rúnicas entalhadas no baú. Décadas. Décadas de trabalho dos maiores magos rúnicos que o dinheiro poderia comprar. Cada camada de encantamento tinha um único propósito: conter algo que não deveria existir neste mundo.
A Lágrima de Aether.
Elias nunca ousou tocá-la diretamente. Ele era um homem poderoso, mas até mesmo ele conhecia seus limites. Aquela relíquia não poderia ser possuída. Apenas mantida longe das mãos erradas.
E o baú ainda estava ali. Fechado. Intocado.
Então por que ele sentia esse maldito incômodo?
Algo dentro dele dizia para verificar.
Ele hesitou. Apenas por um segundo. Mas então, sua intuição venceu.
Lentamente, ele estendeu a mão, sentindo a magia pulsar ao redor do baú. As runas brilhavam, protegendo o conteúdo com camadas incontáveis de proteção. Elias passou os dedos por cima dos símbolos, murmurando as palavras de comando.
Os encantamentos responderam.
As runas se apagaram, os selos mágicos se desfizeram, e a tampa se abriu com um clique seco.
E então, o impossível se revelou.
O baú estava vazio.
Por um momento, Elias apenas olhou para o interior do baú.
O silêncio na câmara se tornou absoluto.
Seus olhos não piscavam, seus pulmões pareciam esquecer como respirar.
Vazio.
Sua mente girou. Ele fechou os olhos por um breve instante, esperando que aquilo fosse um engano, um truque de sua visão. Mas quando os abriu novamente… a verdade permaneceu inalterada.
A Lágrima de Aether não estava mais lá.
O silêncio foi quebrado.
— ...Impossível.
A palavra saiu de seus lábios em um tom baixo e contido, mas carregava consigo um peso esmagador.
Ninguém podia tocar na Lágrima sem ser consumido. Nem ele. Nem ninguém.
A única razão pela qual ele "possuía" a relíquia era porque ela nunca foi de fato sua. Apenas permanecia ali, selada, contida, aprisionada em um receptáculo impenetrável.
E agora, ela não estava mais ali.
A cabeça de Elias lentamente se ergueu. Sua expressão, antes meramente curiosa, agora era algo diferente.
Ele estava intrigado, seu interesse era simples, ele desejava conhecer quem foi capaz de fazer aquilo.
Elias ainda estava parado diante do baú vazio, seu olhar fixo no espaço onde a Lágrima de Aether deveria estar. O ar ao seu redor parecia mais denso, quase elétrico. Seu coração batia em um ritmo lento e calculado, cada pulsação alimentando a tempestade silenciosa que se formava dentro de sua mente.
Alguém tinha conseguido o impossível.
Mas quem?
Foi então que aconteceu.
O espelho ao fundo da câmara, um enorme painel de cristal polido que refletia perfeitamente o tesouro acumulado ao longo dos anos, tremulou.
Elias percebeu a mudança imediatamente.
O reflexo no vidro não era o que deveria ser.
Ele piscou, e sua expressão se tornou uma máscara de pura análise.
Ali, refletido no espelho, havia algo que não existia dentro da sala.
Uma cadeira.
Um garoto miserável, amarrado nela, seu corpo coberto de hematomas e cortes. Seu rosto estava pálido, seus lábios rachados, e seus olhos… aqueles olhos continham algo que Elias reconheceu imediatamente: teimosia e desespero.
Havia também dois homens. Um deles usava vestes escuras e emanava uma energia sombria e pegajosa. O outro estava parado ao lado, como uma sombra ameaçadora, quase indistinguível da penumbra ao seu redor.
Elias franziu o cenho.
Aquilo… não estava ali.
Ele girou lentamente sobre os calcanhares, observando a sala ao seu redor. Não havia ninguém. Nenhuma cadeira. Nenhum garoto. Nenhum sequestrador.
Mas no espelho…
Eles estavam lá.
Elias voltou o olhar para o vidro, seus olhos dourados analisando cada detalhe daquela cena absurda.
O que diabos era aquilo?
O silêncio absoluto da câmara parecia se intensificar.
Seus dedos se fecharam ao lado do corpo, mas ele não se moveu. Apenas observou, deixando sua curiosidade crescer.
O garoto parecia estar olhando diretamente para ele.
Elias manteve sua expressão neutra, apenas inclinando a cabeça levemente.
— ...Interessante.