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Lucien e Lucy

A luz da manhã entrava pela janela de madeira mal vedada, criando pequenos feixes de luz que dançavam pelo quarto simples. Lucien estava deitado em sua cama de tábuas rangentes, tentando aproveitar cada segundo de descanso. O dia anterior havia sido exaustivo, tanto mental quanto emocionalmente, e ele precisava repor as energias para o que viria. Porém, a tranquilidade durou pouco.

Lucy, sempre cheia de energia, já estava acordada e, como um pequeno furacão, invadiu o quarto. Ela começou a puxar o cobertor de Lucien, determinada a arrancá-lo da cama.

— Vamos, preguiçoso! Acorda! Já tá na hora! — Ela falava em um tom animado, quase cantando, enquanto dava pequenos pulos na cama, balançando tudo ao redor.

Lucien soltou um suspiro profundo, mantendo os olhos fechados. Ele tentou resistir, enterrando o rosto no travesseiro e murmurando:

— Lucy, ainda é cedo... Não podemos ir agora, calma um pouco.

— Cedo? O sol já tá brilhando! — ela retrucou, batendo levemente no ombro dele. — Você prometeu, irmão! Promessa é promessa!

Lucien abriu um olho lentamente, observando a expressão radiante da irmã. Ela estava com as bochechas coradas, o cabelo bagunçado e um sorriso tão grande que parecia que o mundo inteiro havia desaparecido, deixando apenas aquele momento. Ele sabia que não tinha escapatória.

— Tudo bem, tudo bem... Eu já vou me levantar — disse ele, bocejando enquanto se sentava na cama.

Lucy pulou no chão, batendo palmas de alegria.

— Vou arrumar minhas coisas! A gente vai ter o melhor dia de todos!

Lucien observou a irmã correr para o outro cômodo, a animação dela era contagiante. Por mais que estivesse cansado, ele não conseguia evitar um leve sorriso. Esses momentos de felicidade simples eram raros para os dois, e ele sabia que, no fundo, valia a pena sacrificar algumas horas de sono para ver Lucy tão feliz.

Ele coçou a cabeça e suspirou mais uma vez, murmurando para si mesmo:

— Pelo menos, por hoje, as preocupações podem esperar.

Lucien levantou-se da cama, ainda se espreguiçando, enquanto ouvia os passos apressados de Lucy pelo outro cômodo. Ele caminhou até o pequeno baú de madeira no canto do quarto, onde guardavam suas roupas mais preciosas, as poucas que restavam desde que seus pais haviam partido. Ele abriu a tampa rangente, revelando duas peças de roupas cuidadosamente dobradas.

O vestido de Lucy era de um azul celeste suave, com bordados delicados de flores brancas ao longo da barra. Era leve, perfeito para o dia ensolarado, e parecia ainda mais bonito por causa do sorriso animado que ela exibia enquanto o segurava. Já Lucien pegou uma camisa branca simples e bem ajustada, junto com uma calça de linho marrom clara, ambas com um ar refinado e modesto.

— Lembra deles, Lucy? — perguntou Lucien, segurando a camisa com um toque de nostalgia.

Lucy, que estava animada ajustando o laço na cintura do vestido, parou por um momento. Seu olhar desviou para o tecido em suas mãos, e por um instante o brilho em seus olhos diminuiu. Ela se sentou na beira da cama, alisando a barra do vestido com os dedos pequenos e delicados.

— Mamãe costurou isso para mim... — murmurou ela, quase como se estivesse falando consigo mesma. — Disse que eu ficava tão bonita nele que parecia uma princesa.

Lucien engoliu em seco, sentindo um aperto no peito. Ele sabia o quanto essas lembranças eram preciosas para Lucy, mas também sabia o peso que carregavam. Ele se aproximou e se ajoelhou ao lado dela.

— E você ainda parece uma princesa — disse ele, tentando manter a voz firme, mas suave.

Lucy olhou para ele, sorrindo levemente, mas seus olhos estavam marejados. Ela fungou, limpando rapidamente o rosto com as costas da mão, como se quisesse afastar a tristeza.

— Eles estariam felizes de nos ver assim, não é? — perguntou ela, a voz quebrando levemente.

Lucien assentiu, colocando a mão no ombro dela.

— Estariam muito orgulhosos.

Lucy deu um sorriso mais largo, ainda que um pouco melancólico, e se levantou, determinada a manter a energia animada que havia começado o dia. Lucien a observou enquanto ela tentava ajeitar o vestido no pequeno espelho rachado da parede, a luz da manhã refletindo seus movimentos.

Ele respirou fundo, colocando a camisa e ajustando o colarinho com um cuidado incomum. Apesar de todas as dificuldades, ele queria que aquele dia fosse perfeito para Lucy. Afinal, ela merecia um momento de felicidade, mesmo que breve, em meio ao caos de suas vidas.

Logo, Lucien caminhou até a prateleira improvisada no canto da cozinha, onde guardava o que restava de suas provisões. Ele pegou algumas maçãs brilhantes, duas laranjas e um pequeno pedaço de queijo que ainda estava em boas condições. Com cuidado, arrumou tudo dentro da cesta de piquenique que havia encontrado semanas atrás, um dos poucos luxos que ele pôde oferecer a Lucy.

Depois, dobrou um tecido fino e confortável, que serviria como toalha de piquenique, colocando-o por cima das frutas. Ele sabia que aquilo ainda não seria o suficiente para impressionar sua irmã e tornar o dia inesquecível, mas não se importava. Ele tinha prometido que hoje seria especial, e estava determinado a cumprir.

— Lucy, você está pronta? — chamou ele, enquanto terminava de ajustar a alça da cesta no braço.

Lucy apareceu correndo pelo pequeno corredor, com os olhos brilhando de animação. Seu vestido azul balançava a cada passo, e ela segurava um pequeno chapéu de palha desgastado, o qual insistia em usar sempre que saíam para lugares ensolarados.

— Estou pronta! Mas você demorou tanto que achei que ia mudar de ideia — respondeu ela com uma expressão fingida de aborrecimento, embora o sorriso em seus lábios traísse o tom.

Lucien deu uma risada leve, balançando a cabeça.

— Não se preocupe, princesa. Só precisamos passar na feira antes de irmos.

Os dois saíram de casa, e o sol já estava alto no céu, espalhando seu calor pela cidade. As ruas estavam movimentadas, com comerciantes anunciando suas mercadorias em vozes altas e animadas. Lucien segurou a mão de Lucy, guiando-a pela multidão enquanto ela olhava tudo ao redor com curiosidade.

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— O que vamos comprar, Lucien? — perguntou ela, inclinando a cabeça para cima, olhando para o irmão.

— Algumas coisas para deixar nosso piquenique mais completo — respondeu ele com um sorriso. — Talvez um pão fresco, mais frutas e, quem sabe, um doce para você.

Os olhos de Lucy se iluminaram, e ela apertou a mão do irmão.

— Eu vou escolher o doce, tá bom?

Lucien riu.

— Tá bom, mas só se você prometer não escolher o mais caro da feira.

Lucy revirou os olhos, fingindo estar ofendida.

— Você é tão chato, Lucien!

Enquanto caminhavam pela feira, Lucien percebeu como Lucy parecia esquecer, ainda que por um breve momento, o peso das dificuldades que enfrentavam. Isso fez com que ele se sentisse ainda mais determinado a tornar aquele dia inesquecível para ela. Afinal, momentos como aquele eram raros, e ele sabia que não poderia desperdiçá-los.

Após adentrar mais um pouco nas ruas, o cheiro inconfundível de café fresco invadiu o ar, vindo de uma pequena loja de madeira com sacos empilhados de grãos de diferentes tipos. Lucien parou por um momento, sentindo o aroma encorpado despertar sua mente cansada. Ele percebeu que, no meio de toda a correria e dos preparativos, não havia tomado café naquela manhã.

— Lucy, vamos parar aqui um instante — disse ele, puxando-a suavemente em direção à loja de café.

Atrás do balcão estava Dona Marília, uma mulher de meia-idade com cabelos presos em um coque frouxo e um sorriso caloroso. Ela estava ocupada atendendo outro cliente, mas, ao notar Lucien e Lucy, seus olhos se iluminaram.

— Ora, ora, quem é vivo sempre aparece! Lucien! E essa mocinha linda aqui, quem é? É sua irmãzinha, não é? — Dona Marília inclinou-se ligeiramente para olhar melhor para Lucy, que se escondia timidamente atrás do irmão.

— Bom dia, Dona. É a Lucy, sim. Faz tempo que não vê ela, não é? — respondeu Lucien, sorrindo enquanto dava um passo à frente, encorajando Lucy a fazer o mesmo.

Dona Marília apoiou as mãos no balcão, inclinando-se um pouco mais.

— Meu Deus, como ela cresceu! E essas roupas... que gracinha! Parecem feitas para uma princesa.

Lucy corou levemente, mas não pôde evitar um pequeno sorriso.

— Obrigada, senhora... — murmurou ela, quase escondendo o rosto no braço de Lucien.

— Ora, sem essa de senhora. Pode me chamar de Marília. E vocês dois precisam de algo? — perguntou, lançando um olhar curioso para a cesta de piquenique que Lucien carregava.

Lucien assentiu.

— Na verdade, eu estava pensando em tomar um café, se a senhora puder preparar um para mim aqui mesmo. O cheiro está irresistível.

Dona Marília soltou uma risada baixa.

— Claro que posso! Mas só se você e sua irmãzinha aceitarem sentar aqui um pouquinho. Quero saber como têm passado.

Sem muita escolha, Lucien concordou e se sentou em um dos bancos ao lado do balcão, puxando outro para Lucy. Enquanto Marília preparava o café, ela continuou a conversa.

— Faz tanto tempo que não vejo a pequena Lucy. Como estão as coisas?

Lucien escolheu as palavras com cuidado.

— Temos enfrentado dias difíceis, como todo mundo, mas estamos indo bem. Lucy é forte, não é, Lucy?

Lucy sorriu timidamente, brincando com a borda do vestido.

— Meu irmão cuida de mim.

Marília serviu o café em uma xícara de cerâmica e colocou um pratinho com um pedaço de bolo de fubá ao lado, empurrando-o para Lucien.

— Aqui, é por conta da casa. Você parece precisar de um pouco de energia.

Lucien piscou surpreso, mas aceitou com um aceno de cabeça.

— Obrigado, Dona. É muita gentileza sua.

Enquanto ele tomava o café, Marília puxou conversa sobre o movimento da feira, as novidades da região e até sugeriu algumas frutas frescas que ela sabia que estavam sendo vendidas a um bom preço. Lucy, por sua vez, parecia cada vez mais à vontade, sorrindo e rindo das histórias engraçadas de Marília sobre os fregueses da feira.

Quando terminaram, Lucien agradeceu novamente pela hospitalidade. Antes de saírem, Marília entregou a Lucy um pequeno pacote com biscoitos caseiros.

— Para você, mocinha. Guarde para o seu piquenique.

Lucy olhou para ela com olhos brilhantes e um sorriso enorme.

— Obrigada, Marília!

— Voltem sempre, viu? Não sumam de novo. E Lucien, cuide bem dessa menina — disse Marília com um olhar carinhoso e um aceno de despedida.

Enquanto saíam, Lucien sentiu um calor reconfortante no peito. Momentos como aquele, ainda que breves, faziam todo o sacrifício valer a pena.

Lucien e Lucy caminhavam pela cidade com a cesta de piquenique bem cheia, prontos para seguir em direção ao destino. No entanto, para chegar lá, precisariam de um meio de transporte. Afinal, o local era afastado, além dos limites da cidade, e seria cansativo demais para Lucy caminhar todo o percurso.

Quando chegaram à praça de transporte, o cenário que se desenrolou diante deles era fascinante. Diversas bestas mágicas estavam alinhadas, algumas repousando, outras inquietas. Eram criaturas imponentes: grandes aves com plumagens brilhantes, felinos com patas tão largas que pareciam feitas para cruzar desertos, e até algo que parecia uma mistura de cavalo com cervo, com chifres que cintilavam como cristal sob a luz do sol.

Lucy arregalou os olhos, encantada.

— Uau! Elas são lindas!

Lucien também ficou impressionado, embora tentasse não demonstrar. Aproximaram-se de um homem robusto, com barba grisalha e mãos calejadas, que estava cuidando de uma dessas criaturas. Ele usava um colete de couro e tinha uma expressão firme, mas relaxada, como alguém que conhecia bem seu ofício.

— Vocês precisam de transporte? — perguntou o homem, olhando de relance para Lucy e depois para Lucien.

— Sim, para a colina do Bosque Azul — respondeu Lucien, tentando parecer confiante.

— Ótima escolha — disse o homem com um sorriso. Ele fez um gesto para uma das criaturas, um felino majestoso com pelagem prateada e olhos brilhantes como estrelas. — Essa aqui pode levá-los rápido e com segurança.

Lucy, fascinada, se aproximou um pouco mais, mas hesitou ao ver o tamanho da criatura.

— Elas não machucam as pessoas?

O homem soltou uma risada grave, mas não de deboche. Ele se ajoelhou para ficar na altura da menina e apontou para o pescoço do felino. Havia um colar rústico, decorado com pequenas runas brilhantes.

— Não, mocinha. Essas belezas aqui são controladas com encantos rúnicos. Cada uma delas é subjugada por um artefato mágico criado por um dos grandes mestres do reino.

Lucien franziu a testa, intrigado.

— Um grande mestre? Como ele conseguiu fazer isso?

O homem assentiu, claramente satisfeito por compartilhar o conhecimento.

— Sim, um mestre rúnico. Dizem que ele passou décadas estudando a conexão entre magia e bestas mágicas. Descobriu que algumas runas específicas, combinadas com cristais arcanos, podem se vincular à essência dessas criaturas, domesticando-as sem feri-las. Isso cria uma conexão entre o portador do artefato e a besta. — Ele acariciou o felino com cuidado. — Elas não obedecem porque são obrigadas, mas porque são vinculadas pela harmonia do encanto.

Lucy parecia fascinada.

— Então elas gostam de trabalhar com vocês?

O homem deu de ombros com um sorriso caloroso.

— Algumas, sim. Outras, leva tempo. Mas no final, é um pacto mútuo. E também por isso cuidamos delas com tanto zelo.

Lucien olhou para o felino novamente, percebendo agora os olhos inteligentes da criatura, que pareciam avaliar cada movimento dele. Ele teve um arrepio ao pensar na habilidade do mestre capaz de criar tal artefato.

— Impressionante... — murmurou ele.

— Vocês vão querer essa beleza aqui, então? — perguntou o homem, gesticulando para o felino prateado.

Lucien assentiu, puxando algumas moedas do bolso.

— Sim. Pode prepará-la para nós.

Enquanto o homem se preparava para acomodá-los na criatura, Lucy não conseguia conter sua empolgação.

— Lucien, você acha que eu posso montar na frente? Quero sentir o vento!

Lucien suspirou, mas sorriu.

— Tudo bem, mas só se prometer segurar firme.

— Prometo! — respondeu ela, radiante.

Pouco tempo depois, eles estavam montados na criatura, prontos para partir. Lucy não conseguia esconder sua animação, enquanto Lucien mantinha o foco no destino à frente, seu coração pesado com pensamentos sobre o futuro e o que os aguardava.