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Homem sem nome

A tarde avançava, e Lucien se preparava para deixar a casa mais uma vez. Ele sabia que precisava enfrentar aquela caminhada, não apenas para alimentar sua curiosidade recém-despertada sobre magia e espadas, mas também para buscar qualquer possibilidade de melhorar a vida miserável que compartilhava com sua irmã, Lucy. Ele tinha ouvido falar das vantagens que um desperto recebia do Reino: apoio, proteção, e, acima de tudo, uma vida que parecia inatingível para pessoas como eles.

Ele ajeitou a roupa surrada, passou os dedos pelos cabelos desgrenhados e deu um suspiro pesado antes de se virar para Lucy, que estava sentada no canto, com os olhos atentos.

— Lucy, eu preciso sair. Se comporte e não abra a porta para ninguém, está bem? Eu não demoro.

Ele mal teve tempo de reagir antes que Lucy corresse até ele, agarrando sua roupa com força.

— Não! Por que você tem que ir de novo? Por que eu tenho que ficar sempre sozinha? — A voz dela estava embargada, carregada de mágoa e cansaço.

Aquelas palavras foram como facas cravando o coração de Lucien. Ele congelou no lugar, seus olhos caindo lentamente até encontrar os dela. Ele sabia que ela estava certa. Cada vez que ele a deixava para trás, a insegurança crescia entre os dois. Ele odiava aquilo. Lucy era tudo o que ele tinha, e o pensamento de que algo poderia acontecer com ela enquanto ele estava fora o deixava aterrorizado.

— Eu sinto muito, Lucy… — Ele se ajoelhou à altura dela, tentando forçar um sorriso que não chegava a seus olhos. — Prometo que é a última vez essa semana, tá? Amanhã, a gente vai dar uma volta naquele lugar que você gosta. O que acha?

Lucy hesitou, os lábios trêmulos antes de soltar um suspiro frustrado.

— Tá bom… mas você promete que volta logo?

— Eu prometo. — Ele bagunçou os cabelos dela de leve, tentando disfarçar o nó na garganta.

Quando se afastou, Lucien esperava que ela o chamasse de volta, que insistisse para que ele ficasse. Uma parte dele queria mais do que tudo que ela fizesse isso, que o segurasse e o impedisse de sair. Mas ela não o fez. Lucy ficou parada, olhando enquanto ele passava pela porta.

Ele olhou para trás uma última vez e viu os olhos dela fixos nele, como se fossem âncoras invisíveis tentando segurá-lo. Ele sorriu de novo, um sorriso triste e vazio, e então partiu, sentindo como se estivesse deixando uma parte de si para trás.

Enquanto caminhava, seus pensamentos estavam longe. Ele não conseguia se livrar da sensação de que, um dia, não voltaria. Ou pior, que voltaria para uma casa vazia.

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Lucien caminhava pelas ruas de cabeça baixa, sua camisa preta longa quase escondendo suas mãos magras e uma calça maior que seu tamanho, que ele ajustava com um cinto improvisado. Nos pés, um par de tênis encardidos que, em algum momento, já haviam sido brancos. Ele sabia que sua aparência chamava a atenção, mas isso não o incomodava mais. Era uma rotina.

As pessoas o observavam enquanto ele passava. Alguns lançavam olhares de pena, outros de desprezo, e havia também os curiosos, que cochichavam entre si sobre o garoto. Ele já estava acostumado com os sussurros, mas naquele dia parecia que cada palavra afiada se cravava mais fundo nele.

— Olha só, é aquele menino de novo.

— Como será que eles ainda estão vivos?

— Dizem que ele anda por aí furtando.

Lucien apertou os punhos e estalou a língua com irritação, mas não respondeu. Não valia a pena. Ele apenas apressou o passo, as vozes diminuindo à medida que ele se afastava e desaparecia de vista.

Depois de algum tempo, ele finalmente chegou à frutaria. No entanto, ao se aproximar, percebeu algo diferente: a loja estava cercada por cavaleiros, suas armaduras reluzindo ao sol. Ele parou por um momento, observando de longe.

— Qual será o nível deles? — pensou Lucien, tentando avaliar os guardas. — São guerreiros? Mestres?

Mas foi o que viu além deles que fez seu coração apertar. Um homem, de cabelos quase grisalhos e olhar derrotado, estava sentado no chão ao lado da loja. Ele segurava os próprios cabelos com uma das mãos, enquanto a outra enxugava as lágrimas que pareciam não parar de escorrer.

Era o dono da loja. Um homem que Lucien conhecia bem, alguém que havia dedicado anos ao pequeno negócio. Agora, ele chorava como uma criança, devastado pelo furto que havia sofrido.

Lucien ouviu os guardas murmurarem algo sobre o roubo: apenas algumas moedas de prata e ouro haviam sido levadas, mas o impacto era maior do que os bens perdidos. Era como se o homem tivesse sido traído por sua própria dedicação.

O garoto sentiu o coração apertar ainda mais, quase como se uma dor física o consumisse. Ele desviou o olhar por um momento, mas a cena já estava gravada em sua mente.

— Talvez eu devesse procurar um médico… — murmurou para si mesmo, levando uma mão ao peito, que parecia pesar toneladas. Mas logo balançou a cabeça. Médicos eram caros. Essa dor, ele sabia, não tinha remédio.

Lucien caminhava pelas ruas com o coração pesado, a culpa cravando-se em sua mente como uma faca. Ele sabia que roubar era errado, mas a necessidade era um monstro implacável que o perseguia a cada dia. As memórias do velho chorando em frente à frutaria o atormentavam. Ele podia sentir o peso da dor daquele homem, mas sabia que a escolha havia sido inevitável. Não era apenas a sobrevivência dele em jogo; era a de Lucy também.

Porém, isso não aliviava o fardo. O mundo parecia tão cruel e indiferente às suas lutas. Ele queria poder viver de forma honesta, sem precisar olhar por cima do ombro ou carregar o remorso de suas ações. Mas a realidade não era tão simples. Havia uma lei que proibia menores de 14 anos de trabalhar, uma lei que, em teoria, existia para protegê-los, mas que na prática apenas complicava a vida de quem já estava no fundo do poço.

Faltavam apenas cinco meses para Lucien alcançar a idade mínima e finalmente poder procurar um emprego legítimo. Apenas cinco meses, ele dizia a si mesmo repetidamente, como se isso pudesse torná-los mais suportáveis. Depois de dois anos vivendo de furtos, doações esporádicas e água para enganar a fome, ele sentia que o fim desse pesadelo estava finalmente ao seu alcance.

Mas até lá, ele precisava continuar fazendo escolhas que detestava. Ele queria acreditar que estava fazendo isso pelo bem de Lucy, que cada pedaço de pão roubado, cada moeda furtada, era um passo para mantê-la viva e saudável. E, mesmo que a culpa o consumisse por dentro, ele sabia que não podia parar agora.

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Lucien suspirou enquanto seus pensamentos o acompanhavam pelas ruas cinzentas. "Eu sei que é errado, mas se não for eu, quem vai cuidar de nós? Quem vai cuidar dela?" Ele se perguntou em silêncio, olhando para o céu pálido acima, como se esperasse uma resposta que nunca viria. O mundo era cruel, e ele aprendera da pior forma que, quando se está sozinho, a moralidade nem sempre é um luxo que se pode sustentar.

Deixando a frutaria para trás, Lucien caminhou com passos rápidos, mantendo-se nas sombras das ruas estreitas. Ele evitava cruzar com olhares curiosos ou suspeitos. Já havia aprendido que o anonimato era sua melhor proteção. O que tinha que ser feito, foi feito, e agora ele precisava seguir adiante.

Virando à direita na rua da loja, ele desceu por um beco apertado e deserto, desaparecendo da vista de qualquer um que pudesse tê-lo notado. Alguns minutos depois, Lucien chegou ao seu destino: uma casa de aparência decadente, com um portão de ferro enferrujado e paredes de pedra úmidas. O lugar exalava uma aura opressiva, como se os próprios muros sussurrassem segredos sombrios.

Ele olhou para os lados, certificando-se de que ninguém o havia seguido. Satisfeito, bateu no portão e murmurou, "Sou eu, Luen." Esse nome, criado com uma simplicidade que beirava o cômico, era uma identidade temporária, usada apenas para manter sua vida dupla intacta.

O portão rangeu enquanto se abria, revelando um homem imenso, de pele bronzeada e músculos que pareciam blocos de pedra. Sua expressão carregava um misto de desprezo e impaciência, como se estivesse à beira de lançar um soco. Lucien não ousou encará-lo; sabia que provocar um tipo como aquele era um convite para problemas. Ele simplesmente passou por ele, encolhendo-se para dentro da casa.

O interior era sombrio e abafado, iluminado apenas por algumas velas espalhadas estrategicamente. A luz trêmula lançava sombras dançantes nas paredes, criando um ambiente que parecia vivo com intenções sinistras. Lucien sabia o porquê. O dono daquele lugar não era apenas mão de vaca, mas também um homem cuidadoso, alguém que preferia manter as autoridades o mais longe possível de seus negócios obscuros.

Lucien seguiu pelo corredor principal, que cheirava a umidade e algo mais indescritível. A cada passo, ele ouvia o ranger discreto das tábuas do chão, um som que parecia amplificar o peso de sua presença naquele espaço. Ele virou à esquerda no corredor estreito, até parar em frente a uma porta no final.

Enfiando a mão no bolso, ele sentiu o peso familiar de uma moeda de ouro. A moeda não era apenas um pagamento; era a chave para as informações que ele buscava. Informações que, de outra forma, estariam fora do alcance de alguém como ele.

Sem hesitar, ele bateu na porta, esperou um instante e entrou.

O cheiro de tabaco velho e madeira queimada era a primeira coisa que atingia o nariz de Lucien ao entrar na sala. A luz era ainda mais escassa ali dentro, com apenas uma lamparina oscilando sobre uma mesa de madeira desgastada. Atrás dela, um homem franzino, de cabelos grisalhos e barba rala, mexia em alguns papéis. Ele usava óculos tortos que deslizavam continuamente pelo nariz, e suas roupas eram simples, mas limpas.

— Ah, Luen. — A voz dele era rouca, cansada, mas carregada de sarcasmo. — Achei que tivesse esquecido do nosso encontro. Ou que tivesse sido pego.

Lucien deu um meio sorriso e balançou a cabeça. — Ainda não.

O homem gesticulou para uma cadeira à frente da mesa. — Sente-se. Vamos direto ao ponto. Você trouxe o pagamento do último trabalho?

Lucien tirou a moeda de ouro do bolso e a colocou sobre a mesa. O homem a pegou rapidamente, analisando-a sob a luz trêmula da lamparina. Ele a girou entre os dedos, como se estivesse avaliando sua autenticidade, antes de assentir com satisfação.

— Muito bem. O que quer saber desta vez?

Lucien inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa. Sua expressão era séria, os olhos brilhando com uma determinação que contrastava com seu corpo frágil.

— Preciso saber mais sobre os níveis de poder. Magos, guerreiros, esses Grandes Mestres... Quero entender como alguém consegue alcançar essas posições.

O homem levantou uma sobrancelha, surpreso. — Interessante. Não esperava que um garoto como você se preocupasse com isso. Normalmente, me perguntam sobre rotas de fuga, contrabandistas ou... sei lá, onde esconder corpos.

Lucien não desviou o olhar. — Não importa o que você esperava. Pode me ajudar ou não?

O homem riu, um som seco e desagradável. Ele se inclinou para trás na cadeira, cruzando os braços.

— Claro que posso. Mas vou te avisar, garoto. Esse tipo de conhecimento não é só complicado, é perigoso. Quanto mais você souber, mais vai atrair problemas.

— Já estou acostumado com problemas.

O homem estreitou os olhos, avaliando Lucien por um momento. Então, começou a falar.

— Os caminhos da magia e da espada são distintos, mas ambos exigem uma coisa: despertar. É o primeiro passo. Se você não tem uma alma apta, um talento latente, nem adianta tentar. Algumas pessoas passam a vida inteira sem sequer sentir uma faísca.

Ele fez uma pausa, observando Lucien para ver se ele estava acompanhando. Quando viu que o garoto estava atento, continuou.

— Para os magos, o despertar envolve sentir a mana dentro de si. Depois disso, vem o controle básico. É quando você se torna um mago de verdade. Com treino, estudo e, claro, muito esforço, pode avançar para Mestre. Mas é aí que o caminho fica difícil. De Mestre para Grande Mestre, você precisa não só de talento, mas de décadas de dedicação, e de enfrentar adversidades que fariam a maioria desistir.

— E o caminho da espada? — interrompeu Lucien.

— É similar em termos de desafio, mas em vez de mana, o foco é a harmonia entre corpo, mente e alma. Um guerreiro começa entendendo o básico da luta, mas para se tornar um Mestre, precisa transcender isso. Dominar não só a técnica, mas também o espírito. E, como você deve imaginar, poucos chegam a isso.

Lucien franziu a testa, processando as informações. — E os Grandes Mestres?

O homem soltou uma risada sombria. — Grandes Mestres estão em outro nível, garoto. Eles moldam o mundo à sua volta, com espadas ou magia. Alguns dizem que estão a um passo de se tornarem lendas vivas. Mas lembre-se: quanto maior o poder, maior o preço.

Lucien apertou os punhos. — E como alguém comum, como eu, chega lá?

O homem sorriu de lado, um sorriso cheio de cinismo. — Alguém comum, hein? Bem, isso depende. Está disposto a sacrificar tudo pelo poder?

Lucien não respondeu de imediato. Ele apenas encarou o homem, o peso da pergunta pairando no ar.

— Há uma forma de despertar sem precisar passar por tudo isso, porém, não é nada bonito ou romântico como a forma natural. É algo bruto, visceral. Vou te explicar.

Esse tipo de despertar, seja no caminho da magia ou da espada, acontece quando você chega ao limite absoluto — e quando eu digo limite, é o extremo do seu corpo, da sua alma e da sua mente. Não é sobre querer ou desejar. É sobre necessidade.

Imagine-se em uma situação onde cada fibra do seu ser está gritando por sobrevivência. Seu corpo está prestes a desmoronar, seus músculos tremem de cansaço, suas forças se esvaem. Sua mente está à beira da loucura, inundada por desespero, medo e dúvida. E sua alma? Ela parece prestes a se despedaçar, como vidro sob uma pressão insuportável.

— E então, o que acontece? — Lucien perguntou, os olhos arregalados.

— É nesse momento, no ponto mais baixo, quando tudo dentro de você está prestes a colapsar, que algumas pessoas fazem algo extraordinário. Elas não se quebram. Elas se transformam. É como se o caos dentro delas explodisse, liberando algo maior. Sua mana desperta ou sua conexão com a espada finalmente surge.

— Isso não parece algo que qualquer um possa suportar... — murmurou Lucien.

— Não é. Só os mais determinados, ou os mais desesperados, conseguem. Mas quando acontece... é como abrir os olhos pela primeira vez. A mana começa a fluir em você, como um rio caudaloso quebrando uma represa. Ou, no caso do caminho da espada, sua mente, corpo e alma entram em harmonia perfeita. Você percebe o que é necessário para moldar seu ser. Aquele poder único que reflete exatamente quem você é.

O homem fez uma pausa, seus olhos fixos nos de Lucien.

— Mas lembre-se, garoto: esse tipo de despertar não é uma escolha. Não é algo que você pode forçar. É algo que acontece quando a vida te joga contra o abismo, e você decide pular... ao invés de cair.

Lucien ficou em silêncio, absorvendo as palavras, a mente fervilhando com as possibilidades e os perigos.

Ele sentia que agora entendia um pouco sobre toda essa história de magia e espada.

Lucien já estava se levantando para sair, quando o homem continuou a falar. No entanto, ele interrompeu ele.

— Espera, ainda tem mais? — Lucien ainda estava tentando manter a última explicação em sua mente, e agora ele teria que acrescentar mais ainda…

— Sim, tem mais… muito mais.

— Lucien suspirou disfarçadamente. Pelo visto ele dormiria com uma grande dor de cabeça essa noite.