Lucien sentia como se estivesse sendo esfolado por dentro, como se algo invisível estivesse arrancando pedaços de sua própria existência, fio por fio. A sensação não era apenas física. Era algo muito pior. Era uma dor que vinha de um lugar mais profundo que seu corpo ou mente, algo primordial e impossível de ignorar.
A mana fluía por ele. Não... não fluía. Se arrastava.
Era um veneno queimando em suas veias, quente e sufocante como lava, mas ao mesmo tempo gélido e cruel como o inverno mais rigoroso. Seus músculos tremiam sem controle, seu coração martelava descompassado, como se estivesse tentando fugir da prisão que era seu próprio peito.
Aquilo não era normal.
Algo estava errado. Ele podia sentir.
Mas mesmo que seu instinto gritasse isso, seu corpo estava longe de conseguir reagir. Ele não podia se mover. Ele não podia sequer pensar direito.
Os sussurros do homem sem nome soavam como lâminas cortando sua mente, afiados e impiedosos.
— Você está sentindo, não está? A mana queimando dentro de você... Um presente e uma maldição.
Lucien cerrou os dentes, mas nem sequer conseguiu murmurar uma resposta.
O assassino ainda estava lá, concentrado em seu trabalho hediondo. Suas mãos, cobertas de uma névoa negra como breu, estavam pousadas sobre o peito de Lucien. Era um toque leve, gentil até... Mas era a coisa mais aterrorizante que já sentira.
Sua alma se contorcia sob aquele toque.
A magia negra penetrava suas camadas mais profundas, rasgando, puxando, tentando separar algo que estava entrelaçado a ele de uma forma que nunca deveria ter sido tocada.
Lucien não conseguia entender.
Por que seu corpo estava assim?
Por que ele sentia a mana como se fosse algo estranho e ao mesmo tempo familiar?
Por que sua alma resistia tanto?
Seu corpo pulsava, cada batida do coração enviando uma onda de energia que o fazia estremecer. O poder dentro dele—se é que podia chamar assim—não era como algo que pudesse controlar. Era uma maré furiosa que o engolia, que tentava afogá-lo sem misericórdia.
Ele ofegou, suas unhas cravando nas palmas das mãos já feridas.
Seus pulsos doíam, sua pele estava cheia de cortes e hematomas, sua boca ainda tinha gosto de sangue seco.
Ele queria se mexer. Ele queria escapar.
Mas ele não conseguia.
O homem sem nome se inclinou mais perto, sua voz agora um sussurro direto em seu ouvido:
— Acha que pode resistir para sempre?
Lucien fechou os olhos com força.
O tempo parecia distorcido.
Horas passaram? Minutos? Dias? Ele não sabia. Ele apenas existia no meio de uma tempestade de dor e caos, afundando cada vez mais fundo em algo que não conseguia entender.
Sua pele parecia formigar. Não, não apenas sua pele—tudo dentro dele.
A mana corria por cada artéria, por cada veia, infiltrando-se em cada canto de seu ser.
E ele não podia fazer nada além de suportar.
Lucien queria gritar, mas não conseguia.
Seu corpo inteiro estava rígido, paralisado pelo tormento. Cada nervo queimava, como se algo estivesse se prendendo a ele, sugando, dilacerando, remoldando. Seu coração batia tão rápido que parecia que explodiria a qualquer momento. A sensação da mana não era apenas desconfortável—era avassaladora.
A princípio, ele sentiu apenas dor, um tormento silencioso e sufocante. Mas, conforme o tempo passou, algo começou a mudar.
A percepção.
Ele começou a sentir a mana fluindo. Era como um rio selvagem, correndo por dentro de suas veias, infiltrando-se em cada célula, cada osso, cada pensamento. Mas ele não a controlava. Ela não era dele. Era um intruso dentro de sua carne.
Ou era isso que ele pensava.
Seu corpo formigava. Aos poucos, sua respiração ficou mais irregular, e então, sem perceber, ele parou de resistir.
E, nesse instante, ele sentiu.
A mana não era apenas um rio selvagem, não era apenas uma corrente descontrolada de poder fluindo dentro dele. Era parte dele.
Ele arfou.
O que era isso?
Cada batida de seu coração espalhava aquela energia mais fundo, mais forte. Não era um veneno, não era algo externo tentando destruí-lo. Era ele.
Ele não sabia quanto tempo se passou até perceber isso.
Talvez minutos. Talvez horas.
O tempo havia se tornado algo distante e irrelevante.
Lucien não queria aceitar. Mas, pela primeira vez, ele percebeu que seu corpo estava começando a se ajustar.
A sensação ainda era insuportável, como ter fogo e gelo queimando por dentro ao mesmo tempo. Mas agora ele conseguia distinguir mais. Conseguia sentir os pequenos fluxos de energia, cada um deles se conectando, movendo-se de maneira imprevisível dentro dele.
A mana estava em toda parte. Ela sempre esteve.
E ele nunca percebeu.
Foi por isso que tudo parecia diferente agora. O ar estava diferente, seu corpo estava diferente, o mundo estava diferente.
Lucien sentia tudo de maneira diferente.
Ele sentia a energia dos homens à sua frente—frias, escuras, letais.
Ele sentia o ar ao seu redor—vivo, pulsante, como se tivesse sua própria consciência.
Ele sentia cada batida de seu coração se conectando com aquela nova força, aos poucos, lentamente... se tornando parte dela.
Mas ele ainda não sabia o que isso significava.
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Ele ainda não sabia o que fazer com aquilo.
E, para seu azar, não tinha tempo para descobrir.
— Continue. — a voz do homem sem nome ecoou, impaciente.
O assassino assentiu, as sombras ao redor de seus dedos se tornando mais densas, mais afiadas.
Lucien estremeceu.
A mana dentro dele ainda estava um caos. Ainda era algo selvagem e incontrolável. Mas, pela primeira vez... ele soube que ela estava lá.
A pergunta era: ele conseguiria usá-la?
Ou seria tarde demais?
Ele não tinha tempo.
Lucien sentia o desespero corroendo cada fibra de seu ser. A dor não parava. Sua alma ainda estava sendo despedaçada pouco a pouco, e agora que ele havia despertado para a mana, era pior.
Muito pior.
Antes, ele apenas sentia sua carne queimar, seus ossos tremerem e seu espírito se romper em fragmentos minúsculos.
Agora, ele via.
Ele via as garras negras do assassino rasgando o tecido invisível de sua alma, puxando e arrancando partes dela como se estivesse descascando a casca de uma fruta. Ele via a energia densa e sufocante ao seu redor, como uma neblina pegajosa que se recusava a soltá-lo.
E ele via o tempo escorrendo pelos seus dedos.
O homem sem nome bufava ao lado, impaciente.
— O que está demorando tanto?
O assassino cerrou os dentes.
— A alma dele... é mais densa do que eu pensei. — Sua voz carregava algo que Lucien jamais esperaria ouvir. Dor. — Ela está resistindo.
Lucien tremia. Mas por quê?
Ele não estava fazendo nada.
Ou estava?
Não. Ele precisava se concentrar. Ele precisava fazer alguma coisa.
O problema era que ele não sabia o quê.
"Não era necessário pegar emprestado de mim para fugir daqueles homens."
A voz de Aether ecoou em sua mente.
"Mesmo verde, você é mais do que capaz. Apenas basta conhecer a origem de sua força."
A origem de sua força.
Qual era a origem?
Lucien respirou fundo. O ar ao seu redor pulsava de maneira estranha, mas ele tentou ignorar. Ele tentou sentir.
Se sua força era magia elementar, então ele deveria conseguir manipular fogo, ou vento, ou terra, ou água.
Fogo.
Ele se concentrou.
Se imaginou queimando tudo ao seu redor, chamando chamas para consumir aquele lugar inteiro. Ele apertou as mãos, a pele ardendo com a tentativa de canalizar algo que não entendia.
Nada.
Nada aconteceu.
Droga!
Ele tentou de novo.
Nada.
Ele mordeu os lábios com força, quase a ponto de rasgá-los. O gosto de sangue preencheu sua boca.
Se não era magia elementar, então seria magia negra?
Seria isso a origem de sua força?
Se fosse, ele poderia simplesmente estender as mãos e consumir aqueles dois malditos homens. Ele poderia esmagar suas almas da mesma forma que estavam tentando esmagar a dele.
Lucien estendeu as mãos trêmulas.
O suor escorria por sua testa. Ele tentou.
Nada.
Nada.
Ele sentia a mana fluindo dentro dele, pulsando, queimando, mas ela não se manifestava.
Por quê?
O tempo estava se esgotando. Ele não tinha mais chances de errar.
O que estava faltando?!
A mana estava ali. Ele a sentia.
Mas não conseguia usá-la.
Não conseguia moldá-la.
Não conseguia fazer nada.
Lucien cerrou os punhos. A raiva o consumia. A frustração o sufocava.
Ele estava perdendo tempo!
Ele iria morrer aqui?!
E Lucy?
Ele falhou.
Ele falhou.
Ele falh—
E então, ele viu.
O reflexo.
No grande espelho à sua frente, seu reflexo o encarava.
Era ele, mas algo estava diferente.
Seus olhos se arregalaram.
A origem.
A resposta estava bem ali.
A dor era uma constante. Cada respiração de Lucien era acompanhada por uma pontada aguda que irradiava de suas costelas quebradas. Seus pulsos, presos por cordas ásperas, estavam em carne viva, e o gosto metálico de sangue preenchia sua boca. Seus olhos, inchados pelas surras, mal conseguiam se abrir, mas ainda assim, ele forçou-se a encarar o ambiente ao seu redor.
A sala estava mergulhada em sombras, iluminada apenas por uma lâmpada pendente que balançava suavemente, lançando feixes de luz que dançavam nas paredes úmidas. O ar estava pesado, carregado com o cheiro de mofo e algo mais pungente – talvez o odor da morte iminente.
À sua frente, o homem sem nome caminhava de um lado para o outro, sua impaciência evidente em cada passo. O assassino, por sua vez, estava imóvel, com as mãos estendidas sobre Lucien, murmurando encantamentos em uma língua antiga que fazia o ar vibrar. Lucien podia sentir as garras invisíveis da magia negra rasgando sua alma, tentando despedaçá-la.
Ele estava à beira do desespero. Cada tentativa de invocar algum tipo de poder havia falhado miseravelmente. Ele havia se concentrado, tentado sentir a mana fluindo por suas veias, imaginado chamas consumindo seus captores, mas nada acontecera. Era como se estivesse tentando agarrar fumaça com as mãos.
As palavras de Aether ecoavam em sua mente: "Não era necessário pegar emprestado de mim para fugir daqueles homens. Mesmo verde, você é mais do que capaz. Apenas basta conhecer a origem de sua força."
A origem de sua força. Mas qual era?
Ele havia considerado a magia elementar, tentando manipular fogo, água, ar e terra, sem sucesso. Havia ponderado sobre a magia negra, mas a ideia de mergulhar nas mesmas artes sombrias que estavam sendo usadas contra ele o repelia. Magia rúnica? Ele não tinha conhecimento ou tempo para aprender os complexos símbolos necessários.
O tempo estava se esgotando. Ele podia sentir sua consciência vacilando, a dor tornando-se uma névoa que ameaçava engoli-lo. Seus olhos, embaçados pelas lágrimas e pelo inchaço, desviaram-se para o lado, capturando um vislumbre de algo brilhante.
O grande espelho na parede.
Por um momento, ele viu seu reflexo. A imagem de um garoto de treze anos, magro, ensanguentado, à beira da morte. Mas havia algo mais. Algo nos olhos de seu reflexo que chamou sua atenção.
Uma chama. Uma centelha de... poder.
Seu coração acelerou. Ele se lembrou das palavras do homem sem nome, discutindo os diferentes tipos de magia: magia elementar, magia rúnica, magia negra e... magia da alma.
Magia da alma. A mais rara e poderosa de todas, com poucos praticantes no mundo. Uma forma de magia que permitia manipular a essência da vida, o âmago do ser.
Poderia ser? Seria possível que ele fosse um portador dessa magia lendária?
Ele nunca havia considerado essa possibilidade. Sempre se vira como alguém comum, talvez até menos que isso. Um órfão sem futuro, sobrevivendo dia após dia. Mas agora, diante da morte, uma nova compreensão começava a surgir.
O espelho. Seu reflexo. Sua alma.
E se a chave para sua sobrevivência estivesse ali, diante dele, o tempo todo?
Com o pouco de força que lhe restava, Lucien concentrou-se em seu reflexo. Ele tentou ignorar a dor, o medo, a desesperança, e focou apenas na imagem no espelho. Ele olhou nos olhos de seu reflexo, buscando aquela centelha novamente.
Lá estava. Brilhando intensamente.
Ele sentiu uma conexão. Uma ponte entre ele e aquela imagem. Ou talvez, entre ele e sua própria alma.
A sala ao seu redor pareceu desaparecer. O som dos murmúrios do assassino tornou-se distante, como se estivesse submerso em água. Tudo o que restava era ele e seu reflexo.
Ele estendeu a mão, não fisicamente, pois estava amarrado, mas mentalmente. Ele alcançou aquela centelha, aquela chama dentro de si.
E então, algo incrível aconteceu.
Ele sentiu uma puxada, como se estivesse sendo sugado para dentro do espelho. O mundo girou, e por um momento, ele não sabia mais o que era real.
Quando a vertigem passou, ele percebeu que não estava mais sentado na cadeira. Não estava mais amarrado. Ele estava... dentro do espelho.
A sala parecia a mesma, mas tudo tinha um brilho etéreo, como se estivesse vendo através de uma lente. Ele olhou para baixo e viu seu corpo, translúcido, brilhando com uma luz suave.
Ele havia entrado em sua própria alma.
Do lado de fora, ele podia ver o homem sem nome e o assassino, ainda concentrados em seu corpo físico, que agora estava vazio, uma casca sem vida.
Eles não percebiam que ele havia escapado, que havia transcendido para um plano além de sua compreensão.
Lucien sentiu uma onda de poder percorrer seu ser. Aqui, dentro de sua alma, ele era forte. Ele era invencível.
Mas ele sabia que não podia ficar ali para sempre. Ele precisava voltar, precisava usar esse novo poder para salvar a si mesmo.
Com determinação renovada, ele concentrou-se em seu corpo físico. Ele visualizou-se retornando, preenchendo a casca vazia com sua essência.
Houve um puxão, e então, ele estava
de volta. A dor retornou, mas agora, havia algo mais. Uma força interior que ele nunca havia sentido antes.
Ele abriu os olhos, encontrando os do assassino. O homem recuou, surpreso.
Lucien sorriu, um sorriso cheio de confiança.
Ele havia descoberto a origem de sua força.
E agora, ele iria usá-la.