O domador não havia mentido: uma besta mágica descontrolada era um verdadeiro arauto do caos. E agora, diante de Lucien e dos quinze guardas da mansão, oito dessas abominações queimavam em fúria descomunal.
Lucien observava a cena com uma expressão contida, mas por dentro, sentia um orgulho silencioso. Todo o esforço que ele investira estava prestes a valer a pena. Não era fácil manipular criaturas tão perigosas, muito menos colocá-las em um espetáculo cuidadosamente orquestrado. Mas ele havia conseguido.
Essas bestas mágicas, de primeira e segunda classe, não eram simples de lidar. Escolhê-las foi um trabalho meticuloso. Lucien havia passado dias estudando as características delas, entendendo seus comportamentos, suas fraquezas e, mais importante, como transformá-las em armas de distração.
Durante a semana que teve para planejar o assalto à mansão, Lucien dedicou quatro dias inteiros apenas para preparar as bestas. Foi um processo exaustivo, que drenou não apenas seu tempo, mas também suas economias. Ele gastou uma boa quantia de moedas subornando informantes e adquirindo informações precisas sobre aquelas criaturas.
Ele aprendeu o que elas comiam, o que irritava sua paciência e, principalmente, como burlar o artefato rúnico que as mantinha sob controle. Esse artefato, apesar de imbuído com magia, não era tão resistente quanto parecia. Era apenas metal, algo que Lucien sabia como quebrar, derreter e moldar graças a suas habilidades adquiridas ao longo de anos de sobrevivência nas ruas.
Alguns minutos antes de correr até a mansão, Lucien invadiu o local onde as bestas eram mantidas. Entrar foi surpreendentemente fácil, graças a um pequeno "presente" que havia roubado. Durante sua carona com os domadores, ele furtou a chave de acesso ao recinto sem que ninguém percebesse.
Dentro do lugar, o ar era pesado com o cheiro de feras e magia residual. As criaturas escolhidas estavam imóveis, presas pelos colares rúnicos que envolviam seus pescoços. Suas respirações profundas preenchiam o espaço, um som quase hipnótico que contrastava com o potencial destrutivo que elas carregavam.
Lucien trabalhou rápido. Retirou de sua mochila um pequeno frasco e uma espécie de bombinha rudimentar. O líquido dentro do frasco era uma substância corrosiva que ele mesmo havia preparado, capaz de destruir o metal nos colares. Já que ele não podia destruir as runas, era mais fácil destruir o condutor dela.
— Vocês vão me ajudar a mudar tudo — murmurou, enquanto derramava o líquido nos colares de cada besta.
Depois, fixou as bombinhas nos colares. Ele sabia que as pequenas explosões demorariam alguns minutos para ocorrer, o que lhe dava tempo suficiente para sair de lá antes que o caos começasse.
Mas foi quando Lucien puxou outro frasco da bolsa que tudo mudou. O líquido vermelho escuro no interior era algo simples e, ao mesmo tempo, extremamente perigoso: sangue humano.
Lucien havia aprendido, em sua pesquisa, que mesmo sob o controle dos artefatos rúnicos, as bestas mágicas não conseguiam resistir ao cheiro do sangue humano. Era uma fraqueza primal, um instinto tão profundo que nem magia conseguia suprimir completamente.
Ao abrir o frasco, o efeito foi imediato. As bestas, antes dóceis e controladas, começaram a rosnar. Seus olhos, antes opacos, brilharam com uma luz selvagem. Seus corpos estremeceram, e elas começaram a lutar contra os colares que as prendiam.
Lucien recuou rapidamente, mas seu rosto mantinha um sorriso frio. Aquela reação era exatamente o que ele esperava.
— Perfeito — murmurou.
Na verdade, nem tudo estava tão perfeito quanto Lucien gostaria. Ele tinha apenas alguns minutos de vantagem sobre as bestas, que eram incrivelmente velozes. Não havia espaço para hesitação. Ele correu com todas as suas forças, sem ousar olhar para trás, enquanto gotas de sangue caíam do frasco que segurava, marcando seu rastro no caminho.
Dez minutos se passaram, e Lucien tinha certeza de que as feras já haviam sido liberadas. Seus rugidos selvagens certamente já ecoavam pela noite, espalhando medo e confusão. Mas ele não estava preocupado com isso. Por pura sorte, o local onde as bestas eram mantidas ficava relativamente próximo da mansão. Mais alguns metros e ele avistou a imponente construção de pedra e madeira que era seu objetivo.
Antes de se aproximar, porém, Lucien fez uma breve pausa. Ele encontrou um lamaçal próximo e, sem pensar duas vezes, mergulhou a mão na lama fria e úmida. Cobriu o rosto e parte das roupas, criando um disfarce rudimentar. Não podia correr o risco de ser reconhecido. A máscara que sempre usava seria um sinal óbvio de algo suspeito, então ela permaneceu guardada por enquanto.
Em poucos minutos, tudo estava conforme planejado. Ele olhou para a mansão uma última vez antes de seguir em frente. O caos havia sido plantado, e agora, só restava assistir enquanto ele florescia.
Lucien estava agora no meio de um verdadeiro caos. Quinze guerreiros e mestres lutavam ferozmente contra as oito bestas que atacavam com uma fúria primal. Apesar do treinamento impecável dos guardas, as criaturas não cederiam facilmente. A raiva acumulada dos anos de escravidão, a humilhação de serem submetidas aos humanos, e o cheiro de sangue que impregnava o ar tornavam a batalha intensa e imprevisível.
Enquanto observava a luta, Lucien tentava recuperar o fôlego. Seus pulmões ardiam pela corrida anterior, mas ele sabia que não poderia descansar. Foi então que percebeu algo que fez seu coração acelerar: o olhar fixo de um dos guardas sobre ele, mesmo no meio da confusão. Aquele homem parecia desconfiado, como se algo não estivesse certo.
Lucien agiu rápido, encenando um desespero digno de um teatro. Ele gritou, tropeçou, fingiu cambalear e, por fim, correu como se sua vida dependesse disso. A atuação foi impecável, o suficiente para desviar a atenção dos guardas. Ele desapareceu na escuridão, deixando para trás o campo de batalha.
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Mas ele não foi embora.
Lucien apenas se escondeu, mantendo-se na lateral da imensa mansão. Agora, com a maioria dos guardas ocupados, era a hora de agir. Ele ajeitou o manto, verificou os itens em sua mochila e respirou fundo antes de seguir em direção à lateral da casa.
Lucien estava na lateral da mansão, encostado na parede fria de pedra, enquanto a batalha entre guardas e bestas mágicas prosseguia com fúria do lado de fora. Ele ajustou a mochila em suas costas, sentindo o peso do frasco que o misterioso homem sem nome lhe dera. Aquele pequeno artefato, apesar de simples à primeira vista, era a peça-chave para abrir o cofre de Elias, mas ele só tinha uma oportunidade de usá-lo.
A lateral da mansão era silenciosa, exceto pelo som distante de gritos e rugidos que preenchiam a noite. A porta de serviço à sua frente era discreta, com poucos detalhes chamativos. Lucien sabia que não poderia simplesmente arrombar a porta; Elias era famoso por sua obsessão com segurança. Ele não entendia as intricadas inscrições rúnicas que possivelmente protegiam a entrada, mas sabia onde elas costumavam estar e como evitá-las.
Com cuidado, ele passou os dedos ao redor da maçaneta e ao longo da moldura da porta, procurando qualquer irregularidade. Quando encontrou uma área levemente elevada no metal, ele recuou. "Runas," pensou.
Ele tirou o frasco dado pelo homem sem nome da mochila. Era um artefato estranho, feito de vidro escuro, com um cristal azul preso no centro. Apesar de não entender completamente como funcionava, Lucien sabia que o cristal drenava energia mágica de encantamentos próximos por um curto período.
Posicionando o artefato contra a moldura da porta, ele pressionou um pequeno botão na lateral. O cristal brilhou por alguns segundos, emitindo um zumbido baixo. Lucien esperou, os músculos tensos, até que o brilho se apagou.
Ele empurrou a porta devagar. Ela rangeu, mas cedeu. "Funcionou," ele murmurou, entrando na mansão.
O corredor em que Lucien entrou era escuro, iluminado apenas por algumas velas presas em suportes de ferro nas paredes. O chão de pedra estava impecavelmente limpo, e o ar carregava um leve aroma de incenso. Ele conhecia o layout básico da mansão graças às plantas que havia estudado obsessivamente durante os últimos dias. Sabia que o escritório de Elias ficava no segundo andar, acessível por uma escadaria no salão principal.
Apesar de não entender runas, Lucien tinha uma vantagem: sabia onde os encantamentos de proteção provavelmente estariam posicionados. Nas portas principais, nas janelas maiores e, claro, no próprio cofre de Elias. Era uma aposta arriscada, mas ele confiava no artefato para neutralizar as barreiras mais simples.
Ele avançou pelo corredor, os passos leves e silenciosos, mantendo-se nas sombras sempre que possível.
Lucien avançava pelas sombras, os sentidos em alerta máximo enquanto atravessava o corredor que levava ao salão principal. Ele sabia que aquele seria o momento mais arriscado de toda a operação. O som abafado da batalha do lado de fora ainda ecoava, mas ali dentro, o silêncio era opressor. Qualquer movimento errado poderia acabar com tudo.
Ao alcançar a entrada do salão, ele parou abruptamente, pressionando-se contra a parede fria de pedra. O salão principal se abria à sua frente, grandioso e intimidante. O lustre de cristal lançava reflexos suaves pelo ambiente, mas o brilho das velas revelava algo que fez o coração de Lucien disparar: dois guardas estavam patrulhando o espaço.
Eles estavam atentos, as mãos próximas às armas. Um deles caminhava lentamente perto das tapeçarias que cobriam as paredes, enquanto o outro circulava ao redor da escadaria em espiral. Lucien sabia que não podia ser visto. Não tinha chance em combate direto com cavaleiros experientes como aqueles.
Lucien respirou fundo, tentando controlar a adrenalina. Ele precisava pensar rápido. Cada segundo que passava aumentava a possibilidade de ser descoberto. Olhando ao redor, ele notou uma série de colunas de mármore que poderiam fornecer cobertura suficiente, mas o risco era alto.
"Se eu errar o tempo, estou morto."
Com passos leves como o de um felino, ele se moveu até a primeira coluna, mantendo-se sempre na sombra. O primeiro guarda passou a poucos metros de distância, e Lucien congelou, segurando a respiração. Ele sentiu o suor escorrer pela testa, mas não ousou limpá-lo.
Quando o guarda se afastou, Lucien avançou para a próxima coluna. O silêncio no salão fazia cada movimento parecer um trovão em seus ouvidos. Ele ajustou a postura, mantendo-se baixo e fora do campo de visão.
De repente, o segundo guarda se virou em sua direção, os olhos varrendo o salão. Lucien recuou rapidamente, pressionando-se contra a coluna e segurando o fôlego mais uma vez. O guarda hesitou, seus olhos fixos na penumbra onde Lucien estava escondido.
"Será que ele me viu?"
O momento pareceu durar uma eternidade. Mas, finalmente, o guarda balançou a cabeça e voltou a patrulhar. Lucien soltou o ar lentamente, sentindo os músculos relaxarem um pouco.
Lucien sabia que a escadaria era sua única chance de chegar ao segundo andar, mas ela também era o lugar mais exposto. Observando os movimentos dos guardas, ele esperou até que ambos estivessem olhando para o lado oposto antes de avançar.
Ele se abaixou, movendo-se rapidamente como uma sombra. Cada degrau da escadaria parecia ranger mais do que o anterior, e Lucien praguejou silenciosamente pela falta de manutenção. Ele se agachou, os olhos fixos no salão, enquanto os guardas continuavam suas rondas.
Quando alcançou o topo, Lucien se jogou atrás de uma estátua decorativa, escondendo-se no momento exato em que um dos guardas olhou para a escadaria novamente.
"Por pouco," ele pensou, o coração martelando no peito.
O corredor à frente era menos iluminado, mas Lucien sabia que a ameaça não havia acabado. Ele avançou lentamente, mantendo os ouvidos atentos para qualquer som. Cada passo era calculado, cada movimento meticulosamente planejado.
Ao longe, ele ouviu vozes abafadas. Mais guardas? Ele não podia arriscar. Procurando rapidamente por um esconderijo, encontrou uma pequena reentrância na parede, onde um móvel antigo estava posicionado. Ele se apertou atrás dele, respirando com dificuldade.
As vozes se aproximaram, dois guardas caminhando lado a lado pelo corredor.
— O barulho lá fora está piorando. Talvez devêssemos reforçar a entrada principal.
— Concordo, mas Elias ordenou que protegêssemos o escritório a todo custo.
Eles passaram a poucos passos de onde Lucien estava escondido. Ele ficou imóvel, o corpo rígido enquanto as vozes se afastavam gradualmente. Quando o silêncio voltou, ele saiu de seu esconderijo e continuou, ainda mais atento.
Finalmente, Lucien alcançou a porta do escritório de Elias. Ele sabia que o pior ainda estava por vir, mas sentiu uma onda de alívio ao perceber que havia conseguido chegar até ali sem ser detectado. Ainda assim, não havia espaço para erros.
A porta à sua frente parecia intimidante, mas Lucien se concentrou. O artefato do homem sem nome seria essencial para o próximo passo. Ele o tirou da mochila, segurando-o firmemente.
O plano ainda estava longe de ser concluído, mas Lucien não podia negar: até agora, ele estava jogando melhor do que nunca.