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Desespero

Quando o feitiço se quebrou, o escritório revelou sua verdadeira face. Não era mais o espaço simples e meticulosamente organizado que Lucien havia visto antes. O ar parecia pesado, carregado com um cheiro metálico misturado a algo que ele não conseguia identificar. Era como se o ambiente estivesse impregnado de magia, vivo, respirando.

As paredes, antes lisas e feitas de madeira polida, agora pulsavam com uma luz fraca que se movia em padrões ondulados. Símbolos rúnicos estavam gravados em toda parte, cada um brilhando com uma tonalidade diferente — vermelho sangue, azul gelo, verde esmeralda. Os símbolos pareciam mudar e girar, como se tivessem vontade própria.

No canto esquerdo da sala, uma prateleira repleta de itens que Lucien não conseguia sequer nomear chamava sua atenção. Um crânio, claramente de uma criatura que ele jamais havia visto antes, estava suspenso no ar, flutuando em um campo de energia transparente. Ao lado, havia um frasco contendo um líquido preto que parecia vivo, pulsando e se movendo como se tentasse escapar de sua prisão de vidro.

Um pouco mais acima, havia um pergaminho selado com cera dourada, mas, estranhamente, o papel parecia estar se movendo, como se o conteúdo dentro dele tentasse sair. Havia também pedras brilhantes que emanavam calor e luz, algumas com fissuras que deixavam escapar faíscas.

No centro do teto, um candelabro flutuava sem suporte, sustentado por nada além da magia. As velas não eram comuns; suas chamas ardiam em um tom azul opaco, mas não produziam fumaça. A luz que emanava delas parecia lançar sombras em direções impossíveis, como se cada sombra tivesse sua própria consciência.

O chão, antes de madeira escura, agora era translúcido, revelando algo que se mexia logo abaixo da superfície. Lucien tentou ignorar o movimento, mas sentia como se estivesse pisando em uma criatura adormecida que poderia acordar a qualquer momento.

Perto do espelho, que agora estava rachado como uma teia de aranha, uma mesa simples havia se transformado. Era feita de um material que parecia madeira viva, suas extremidades pulsavam, e veios dourados corriam por toda sua superfície. Em cima dela, havia um pequeno globo que girava lentamente, como se contivesse um céu estrelado em miniatura.

No centro da sala estava o baú, mas mesmo ele exalava um ar de perigo. Não era um simples recipiente de madeira ou metal. Sua superfície era coberta por escamas brilhantes, como se tivesse sido forjado a partir da pele de alguma criatura mágica. Runas brilhavam na tampa, e correntes negras envolviam o baú, se movendo como serpentes inquietas.

Lucien engoliu em seco. Ele sentia como se o espaço inteiro estivesse o observando, esperando por um movimento em falso. Cada objeto na sala parecia carregado de intenções ocultas, e cada sombra parecia esconder algo.

Ele apertou o frasco em sua mão, sentindo o suor escorrer por sua têmpora. O garoto sabia que estava em território desconhecido, lidando com forças que não compreendia. Mas, ao mesmo tempo, havia algo fascinante naquilo tudo — um mundo que existia muito além de sua compreensão.

Mas Lucien não podia se perder na admiração. O baú estava ali, esperando por ele. E o tempo não estava do seu lado.

Lucien respirou fundo, o suor frio escorrendo, enquanto seus olhos estavam fixos no baú no centro da sala. Ele sabia que o tempo era cruel, o caos lá fora não duraria para sempre, e os guardas certamente já estavam se reorganizando. Cada segundo perdido era um passo mais perto da sua captura.

O baú diante dele parecia ordinário à primeira vista, mas, à medida que ele se aproximava, pôde perceber os pequenos detalhes que escapariam a olhos desatentos. O metal escuro era polido, quase refletindo, e a superfície estava coberta de runas delicadas que pulsavam em um ritmo quase imperceptível, como se o próprio baú estivesse vivo, respirando.

Lucien segurou o artefato com força, sua mente funcionando a mil enquanto avaliava como lidar com aquilo. As runas não eram diferentes das que ele tinha apagado antes, mas a intensidade do poder que emanava do baú era assustadora. Ele sabia que não tinha margem para erro.

Ele ergueu o frasco mais uma vez e, com precisão, posicionou-o sobre a fechadura. Pressionou-o com firmeza, liberando o conteúdo que parecia derreter as barreiras mágicas como gelo ao sol. As runas brilhavam intensamente, relutantes em ceder, mas, com um último lampejo de resistência, desapareceram, deixando o baú vulnerável.

Lucien deu um passo para trás, respirando fundo. Ele sabia que a próxima parte era a mais perigosa. Com dedos trêmulos, ele abriu a tampa, que se ergueu lentamente, sem um som sequer. O interior do baú estava envolto por uma luz suave, quase etérea, que o fez engolir em seco.

No centro, repousava a Lágrima de Aether.

Ela não era como ele havia imaginado. Não era uma joia brilhante, nem uma pedra mágica comum. A Lágrima parecia viva, pulsando com um brilho que mudava de cor a cada instante, oscilando entre tons de azul profundo e prata cintilante, como o céu estrelado refletido em um lago calmo. Ela flutuava levemente acima de uma almofada negra, sustentada por uma força invisível.

A textura da Lágrima era hipnotizante, parecendo ao mesmo tempo líquida e sólida, como se a essência da magia estivesse contida em sua forma. Pequenas faíscas dançavam em sua superfície, criando uma melodia silenciosa que apenas o coração de Lucien parecia ouvir.

Ele se abaixou lentamente, encarando o objeto com uma mistura de fascínio e cautela. Seus olhos não conseguiam desviar dela, como se a Lágrima estivesse chamando por ele, convidando-o a tocá-la.

Mas, enquanto estendia a mão, um arrepio percorreu sua espinha. Algo na sala parecia mudar. O ar ficou mais pesado, quase sufocante. Era como se o espaço ao redor reagisse à abertura do baú, à revelação do artefato mágico. Lucien hesitou, mas sabia que não havia volta.

Ele precisava da Lágrima de Aether.

Lucien estendeu a mão trêmula em direção à Lágrima de Aether. A magia que emanava dela parecia pulsar em sincronia com os batimentos de seu coração, quase como se os dois estivessem conectados de alguma forma inexplicável. Ele hesitou por um breve momento, seus instintos gritando para recuar, mas a determinação falou mais alto.

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Ele tocou a Lágrima.

Um instante. Foi tudo o que precisou.

A realidade pareceu desmoronar ao seu redor. Um choque percorreu todo o seu corpo, começando pela ponta dos dedos e se espalhando até a espinha. Sua visão turvou instantaneamente, como se o mundo ao seu redor tivesse sido engolido pela escuridão. Ele tentou recuar, mas suas pernas falharam. Um vazio imenso o consumiu, e o último som que ouviu foi o eco surdo de seu próprio corpo colidindo contra o chão.

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Acordou alguns segundos depois, ou pelo menos era o que parecia. Lucien arfou, sentindo o peito apertado como se tivesse sido privado de ar por uma eternidade. Seus olhos se abriram lentamente, mas a sala parecia... diferente.

Ele estava deitado no chão frio, o baú ainda aberto à sua frente. O ambiente continuava iluminado pela mesma luz etérea de antes, mas algo havia mudado. Era como se o ar ao redor estivesse impregnado de uma presença invisível, algo que ele não conseguia identificar, mas que fazia sua pele arrepiar.

"O que... o que aconteceu?" murmurou, sua voz rouca e quase inaudível.

Lucien se sentou com dificuldade, o corpo inteiro tremendo. Ele olhou ao redor, buscando algum sinal do que poderia ter acontecido. Estaria alguém ali? Uma armadilha mágica ativada pela Lágrima? Ou talvez ele tivesse desencadeado algum tipo de feitiço de proteção? Mas não havia ninguém. Nem um som além do leve sussurro de sua própria respiração.

Ele passou a mão pelos cabelos, tentando acalmar os nervos. Não fazia sentido. Ele havia desmaiado, disso tinha certeza. Mas por quê? E o que mais o intrigava: como acordara?

Desesperado para encontrar respostas, voltou sua atenção ao baú. A visão do vazio o fez congelar.

A Lágrima de Aether havia desaparecido.

Seu coração disparou, a pulsação ecoando em seus ouvidos como um tambor. Ele olhou freneticamente ao redor, vasculhando a sala com os olhos em busca de qualquer sinal do artefato. Nada. Nem um rastro.

"Não... não pode ser. Não pode ser!" murmurou, sua voz subindo de tom com cada palavra.

Ele avançou até o baú, passando a mão no fundo acolchoado como se o objeto pudesse simplesmente estar escondido ali. Mas o espaço estava vazio. A Lágrima não estava mais ali.

O desespero tomou conta dele. Lucien recuou, o corpo inteiro tremendo enquanto olhava para suas próprias mãos. Ele podia jurar que sentia o calor mágico da Lágrima ainda pulsando em seus dedos. Mas onde ela estava? Como podia simplesmente desaparecer?

Uma sensação incômoda começou a crescer em sua mente, como se ele estivesse sendo observado, mesmo que estivesse sozinho. Ele tentou ignorar, mas o arrepio na nuca era impossível de negar.

Lá fora, o caos continuava, mas Lucien mal conseguia ouvi-lo. Tudo o que importava agora era a ausência inexplicável da Lágrima de Aether.

E, pela primeira vez naquela noite, ele sentiu algo que nunca havia experimentado antes em uma missão: verdadeiro pavor.

Lucien mal podia acreditar no que via – ou melhor, no que não via. A Lágrima de Aether, a razão de todo o caos que ele havia causado naquela noite, simplesmente havia desaparecido.

"Não... não pode ser! Não pode estar acontecendo!" sussurrou, a voz entrecortada pelo desespero crescente.

Ele se jogou no chão, vasculhando cada centímetro ao redor do baú. As mãos tremiam enquanto ele procurava sob móveis, entre os ornamentos mágicos, até mesmo em lugares impossíveis, como se estivesse tentando convencer a si mesmo de que tudo não passava de um pesadelo.

A sala, com sua aura mágica e misteriosa, parecia zombar de sua busca infrutífera. Os objetos brilhavam com intensidade etérea, mas a Lágrima não estava ali.

Lucien sentiu o peso do fracasso começar a esmagá-lo. Mil moedas de ouro. Esse era o pagamento prometido pelo homem sem nome. Uma soma que ele nunca ousaria sonhar em sua vida, suficiente para tirar ele e Lucy de toda aquela miséria. Ele imaginou o rosto de sua irmã, os olhos brilhando com a possibilidade de um futuro melhor, longe dos perigos e da fome que os perseguiram por toda a infância.

E agora? Agora tudo estava em risco.

"Eu não posso falhar..." murmurou para si mesmo, a voz embargada de raiva e frustração. "Eu não vou falhar!"

Mas o desespero começava a ofuscar sua mente. Ele vasculhou o baú novamente, como se algo pudesse ter mudado nos últimos segundos. Revirou almofadas e artefatos, jogou livros antigos no chão, seus olhos varrendo o ambiente em busca de uma solução.

Nada.

Ele tentou se acalmar, mas o pensamento de perder tudo o deixou à beira do pânico. Mil moedas de ouro... Ele sabia exatamente o que aquilo significava... uma moeda de ouro é equivalente a quinhentas moedas de bronze, e cem moedas de prata. Então seria:

500.000 moedas de bronze, o suficiente para sustentar uma vila inteira por anos.

100.000 moedas de prata, uma soma que faria qualquer mercador abandonar tudo e se aposentar.

Mas para ele, era mais do que números. Era o preço da liberdade, da segurança, de uma vida onde ele e Lucy poderiam finalmente dormir sem medo do amanhã.

"Não pode acabar assim..." sussurrou, as mãos apertando os cabelos desgrenhados. "Eu trabalhei tanto... planejei tudo... e agora... agora isso..."

Um rugido ao longe cortou seus pensamentos. Ele congelou.

Os sons do caos lá fora pareciam estar diminuindo. Ele se aproximou da janela, afastando uma cortina empoeirada. Seus olhos se arregalaram ao ver os reforços chegando: cavaleiros reais, suas armaduras brilhando sob a luz das chamas e dos lampiões.

"Não..."

As bestas que ele havia libertado estavam sendo derrotadas uma a uma. Apenas três ainda resistiam, lutando com selvageria, mas Lucien sabia que era questão de tempo antes que fossem subjugadas. Os cavaleiros reais não eram o tipo de inimigo que cometia erros.

O pânico tomou conta de Lucien. Ele ainda tinha minutos, talvez menos, antes que o foco se voltasse completamente para a mansão. E se alguém já estivesse vindo?

"Preciso encontrar... Preciso..." Ele quase tropeçou enquanto voltava ao centro da sala, olhando ao redor como um animal encurralado.

E então, pela primeira vez em sua vida, uma pergunta terrível se formou em sua mente: E se ele tivesse falhado?

Ele apertou os punhos, tentando afastar o pensamento, mas ele persistia. O que aconteceria se não cumprisse o trabalho? Sem a Lágrima, ele não teria o pagamento. Sem o pagamento, como ele cuidaria de Lucy? Como a protegeria?

A sala parecia fechar ao seu redor, as paredes pulsando com a energia mágica que ele mal compreendia. O ar parecia mais pesado, como se estivesse sendo esmagado pela própria frustração e culpa.

"Não... Não é possível que ela tenha desaparecido! Não pode ser... magia... deve ser magia..."

Mas ele não sabia o que fazer. Ele não sabia lidar com magia, com as runas, com artefatos como aquele. Todo o seu plano dependia de sua astúcia, de sua habilidade de evitar confrontos diretos. Ele era um sobrevivente, não um mago.

E agora, o tempo estava contra ele.

Outro rugido ecoou ao longe, seguido por um grito humano. Lucien fechou os olhos por um instante, tentando se concentrar. Mas a pressão era insuportável.

Ele olhou para o baú vazio mais uma vez, o coração batendo acelerado, e murmurou em desespero:

"Se eu falhar... é o fim."

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