A luz da manhã se infiltrava por uma brecha na telha, atingindo diretamente o rosto de Lucien, que despertou sobressaltado. Ele olhou ao redor, o coração ainda acelerado, mas tudo o que via era o mesmo quarto apertado e decadente de sempre. Uma cama simples, cuja estrutura variava a cada movimento, e um pequeno armário feito de madeira lascada. Era ali que ele guardava as poucas roupas que haviam conseguido através de ações, a maioria remendadas, algumas surpreendentemente intactas, como se os antigos donos nem usados.
Para Lucien, essas peças eram tesouros inestimáveis. Ele não conseguia entender porque alguém descartaria algo tão valioso. Enquanto outros viam futilidades, para ele aquilo representava a diferença entre o frio cruel das noites e um mínimo de conforto. Nada na sua vida vinha com facilidade, nem mesmo as coisas mais básicas. Cada migalha conquistada era um lembrete do quão difícil era sua era de sobrevivência.
Ele se declarou com cuidado, mas sentiu um puxão em sua mão. Sua irmã, Lucy, segurava-o com força, como se temesse que ele fosse embora e não voltasse. Ele parou e a inspirou por um momento, um sorriso triste se formando em seu rosto. Lucy, com apenas 10 anos, era frágil. Seus cabelos negros como as asas de um corvo caíram sobre a pele pálida, quase translúcida, como a de uma boneca quebradiça. Aquela aparência peculiar a destacava no mundo, mas, no contexto em que viviam, ela parecia ainda mais deslocada, uma flor rara sufocada no meio do lixo.
– Ei, Lucy, acorde. Está na hora de merendar — disse ele suavemente, a voz carregada de uma ternura que mascarava sua própria miséria.
A menina abriu os olhos devagar, espreguiçando-se como um gatinho. Ela esfregava os olhos com as mãos pequenas e finas, que mostravam mais ossos do que carne. — Hoje nós temos merenda? — Disse ela, com uma mistura de esperança e cautela, como se já esperasse a decepção.
— Sim, hoje temos. E talvez por algumas semanas, quem sabe até por meses — respondeu Lucien, forçando um sorriso otimista enquanto o peito apertava com a incerteza.
O rosto de Lucy se ilumina, e ela rapidamente pula da cama, indo em direção ao banheiro. Lucien aspirou sair, mas seu sorriso logo se desfez. Ele sabia que o que havia conseguido era pouco, uma quantidade mínima que ele teria que racionar com cuidado extremo. Os próximos dias seriam mais uma batalha contra a fome, a pobreza e a desesperança.
O banheiro, improvisado no canto do cômodo, era outro lembrete da precariedade em que vivia. As paredes de madeira eram rachadas, com buracos que deixavam entrar o vento frio. A água, que mal pingava de uma torneira enferrujada, era uma vitória escassa.
Lucien suspirou, passando a mão pelo rosto. Ele precisava sair e comprar o café, mas o dinheiro que tinha mal dava para o básico. Ainda assim, o sorriso de Lucy havia feito valer a pena. Enquanto ele tinha forças para protegê-la, continuaria lutando, mesmo que o mundo parecesse determinado a esmagá-los.
Ao sair, Lucien encontrou as ruas tomadas pelo caos habitual da manhã, mas com um toque mais vibrante e estranho do que o normal. Pessoas de todos os tipos preenchiam os caminhos estreitos: alguns corriam apressados, carregando mercadorias ou cestas de frutas; outros, mais relaxados, conversavam à sombra das portas de casas desgastadas. Havia crianças rindo e brincando, vendedores gritando suas ofertas e uma energia incomum pairando no ar.
Lucien respirou fundo, mas o ar parecia pesado, quase sufocante. Ele não gosta de multidões. O simples ato de caminhar entre tantas pessoas o deixava tonto, sua mente em alerta constante, como se todos fossem uma ameaça em potencial. Ainda assim, ele não tinha escolha. Precisava passar a massa de corpos em direção à feira, onde compraria o pouco que poderia.
Com sua estatura baixa e corpo magro, infiltrar-se na multidão não era difícil, mas era desconfortável. Sentia-se pequeno e insignificante, quase como se pudesse ser esmagado a qualquer momento. Enquanto avançava, algo começou a incomodá-lo ainda mais. "O que diabos está acontecendo hoje?" inventou, franzindo o cenho. Não era normal haver tantas pessoas nas ruas. Não era um dia de mercado especial, tampouco um festival. Algo estava fora do comum, e ele sentia isso em cada fibra do seu corpo.
Então, como se o universo respondesse à sua pergunta silenciosa, um coro sincronizado ecoou pelas ruas:
— Grande mestre! Grande mestre! Grande mestre!
Lucien projeta a cabeça e viu, a poucos metros de distância, um homem alto caminhante entre a multidão. Ele usava uma túnica branca imaculada, que parecia repelir até mesmo a poeira do chão. Seus cabelos dourados brilhavam sob a luz do sol, e sua postura era tão serena que contrastava com o clamor das pessoas ao seu redor. Apesar de sua aparência humilde, ele emanava uma aura que chamava atenção, como se cada movimento carregasse um propósito divino.
Lucien reconheceu o título antes mesmo de compreender a cena. "Um dos grandes mestres..." surgiu com desprezo. Atualmente, apenas 15 pessoas ostentaram esse título no Reino de Bellsoul. Eles eram figuras lendárias, adorados como semideuses, mas para Lucien, aquilo era apenas um nome. Ele não sabia porque os grandes mestres eram tão especiais, nem se importava. Para ele, tudo aquilo parecia uma farsa bem elaborada.
Ignorando o fervor da multidão, ele continua tentando se afastar. Mas à medida que avançava, ocasionalmente ficou mais próximo do grande mestre. De repente, ó homem parou. Seu corpo virou em um movimento abrupto, quase sobrenatural, e ele encarou a multidão com olhos penetrantes.
O silêncio tomou conta das ruas como uma onda, esmagando o burburinho anterior. Todos permaneceram imóveis, aguardando com reverência o próximo gesto ou palavra do grande mestre. Lucien também parou, mas não por respeito. Ele só queria evitar chamar atenção.
O grande mestre parecia procurar algo. Seu olhar vasculhava a multidão com uma intensidade perturbadora, como se pudesse enxergar além da carne e ossos. Após alguns momentos de concentração, ele franziu a testa, decepcionante.
— Aconselho a tomar cuidado, parece que tem um monstruoso andando por aí — murmurou o homem, sua voz baixa e grave ecoando na mente de Lucien.
Aquelas palavras causaram um calafrio na espinha de todos ao alcance, mas o grande mestre logo caminhou, em direção ao palácio real. Enquanto a multidão o observava, Lucien sentia um aperto no peito. Ele engoliu em seco e apertou o passo afastando-se o mais rápido possível daquele lugar.
Desviando para uma rua à esquerda, Lucien escapou da multidão sufocante, deixando para trás o fervor e as vozes exaltadas. Seus passos foram apressados e irregulares, mas, assim que a confusão se dissipou, ele parou, desabando contra uma parede. Agora, eu estava onde queria. O percurso que deveria ter levado apenas alguns minutos se estendeu por meia hora, graças ao tumulto absurdo.
— Malditos cachorrinhos... Não há nada melhor para fazer? — murmurou ele, referindo-se com desprezo às pessoas que seguiam cegamente o grande mestre.
Respirando fundo, ele retomou o caminho, e logo as vozes familiares dos comerciantes queriam preencher o ar. Estava finalmente em frente à feira. Homens e mulheres gritavam, anunciando seus produtos com entusiasmo. O cheiro de frutas, especiarias e pão fresco misturava-se ao ar abafado. Mas Lucien não se distraiu; ele sabia exatamente o que queria: um pacote de pó de café e dois pães frescos. Esse pequeno luxo lhe custaria meia moeda de prata.
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Um raro sorriso se formou em seus lábios. Apesar de tudo, café era um pequeno prazer que ele e sua irmã ainda pudessem desfrutar. Sem perder tempo, aconteceu-se à barraca que conhecia bem.
Era uma barraquinha simples, com sacos de café empilhados e um aroma inconfundível que se espalhava pelo ar. Lucien parou por um momento, respirando profundamente o cheiro familiar, deixando-se levar por uma sensação momentânea de conforto antes de se dirigir à vendedora.
- Olá, Dona. Quero um pacote de café.
A mulher, uma figura humilde de expressão bondosa, aparência os olhos e, ao sério o garoto, sua feição mudou para algo próximo ao pesar.
— Lucieno! Quanto tempo não te vejo! Por onde esteve?
Ele deu de ombros, evitando contato visual direto.
— Estive sem dinheiro ultimamente, por isso não consegui vir comprar café.
A resposta foi direta, mas pesada. A mulher balançou a cabeça, claramente afetada. Conhecia Lucien há anos e sabia de sua história. A visão daquele garoto magro, com roupas gastas e sem os pais, apertava o coração. Mas, por mais que quisesse ajudá-lo, tinha seus próprios filhos para alimentar e um negócio para sustentar.
Mesmo assim, ela sempre fez o possível. Com cuidado, pegou o pacote de café e, discretamente, adicionou o máximo de pó que podia, como sempre fazia para ampliar o fornecimento de Lucien e sua irmã.
Ele recebeu o pacote com um agradecimento silencioso, seu rosto mostrando uma mistura de gratidão e resignação.
Enquanto a via partia, a mulher fechou os olhos por um momento, murmurando em voz baixa:
— Deus, cuide dessa criança... Ele não merece tanto sofrimento.
Lucien, porém, já estava longe demais para ouvir. O cheiro de café em suas mãos e o peso das moedas que sobraram no bolso eram as únicas coisas em sua mente agora.
Agora diante da padaria, o aroma de pão fresco envolveu Lucien como um abraço quente, quase dissipando o peso de sua realidade por um instante. Ele suspirou, mas, ao se aproximar da fila para ser atendido, captou fragmentos de uma conversa animada entre dois jovens à frente.
— Você ficou sabendo? Elias, um dos grandes mestres do Reino, passou aqui perto alguns minutos atrás!
— Nossa! Queria muito ter visto! Alguém tão incrível deve ter uma aparência emprestada!
O assunto sobre Elias, aquele homem de túnica branca e cabelos dourados que Lucien tinha visto mais cedo, despertou sua curiosidade. Ele nunca foi do tipo que puxava uma conversa com estranhos, mas aquela conversa específica parecia merecer uma exceção.
— Ei, me diz… O que um grande mestre tem de especial? Por que uma multidão estava acompanhando ele?
Os jovens pararam de conversar e se voltaram para ele, surpresos pela pergunta. Por um momento, o silêncio pairou, mas, ao observarem melhor a figura magra e simples de Lucien, veio a resposta: ele era claramente alguém que não tinha acesso a educação ou estudos aprofundados. Apesar disso, os jovens, empolgados pela oportunidade de compartilhar seu conhecimento, não hesitaram em responder.
— Bem, você deve ser novo nesse assunto… Então vamos explicar. Existem algumas pessoas no mundo que nasceram com almas peculiares, capazes de feitos extraordinários. Eles conseguem manipular magia com maestria e, às vezes, até manejar espadas com habilidades divinas.
Outro jovem completou, com os olhos brilhando:
— Elias, o homem de quem estávamos falando, é um grande mestre da magia. Esse título não é dado a qualquer um! Para entender melhor, existem níveis que medem o progresso de alguém na manipulação da magia ou da espada.
No caminho da magia, o progresso é o seguinte:
1. Mago: O início da jornada. Aqui, uma pessoa desperta sua essência mágica e aprende a conjurar os primeiros feitiços.
2. Mestre: Depois de anos de treino, um mago que domina os fundamentos da magia torna-se um mestre. A transição para esse nível já é difícil; muitos desistem antes de chegar aqui.
3. Grande Mestre: O ápice para quase todos os magos. Apenas aquelas décadas de treinamento, foco absoluto e um entendimento quase perfeito de magia conseguem alcançar esse título. Esses indivíduos são capazes de realizar magias que parecem impossíveis para a maioria das pessoas. Elias é um desses.
4. Sábio: Uma raridade absoluta. O título de sabedoria é atribuído a magos que ultrapassaram os limites da magia convencional, atingindo um entendimento tão profundo que se torna quase seres transcendentais. Dizem que nenhuma informação foi vista em nosso reino nos últimos séculos.
5. Sagrado: Este é o nível mais elevado. É dito que alguém que atinge o nível sagrado transcende a humanidade, aproximando-se do domínio divino. Na verdade, muitos acreditam que isso seja apenas um mito.
O rapaz tomou fôlego antes de obrigação, sua paixão evidente.
— Já no caminho da espada, os níveis de um padrão semelhante:
1. Guerreiro: Alguém que domina as técnicas básicas e sabe como manejar uma espada.
2. Mestre: Um guerreiro que dedicou anos ao aperfeiçoamento de seu estilo de luta e pode enfrentar adversários com habilidades muito superiores.
3. Grande Mestre: Assim como na magia, esse título é dado apenas aos mais extraordinários. A diferença é que, aqui, o corpo e a mente são moldados ao extremo, evoluindo o guerreiro em uma arma viva.
4. Santo da Espada: Um título lendário. Apenas aqueles que transcendem os limites mortais podem ser chamados assim. Dizem que um santo da espada pode cortar montanhas ou dividir rios com um único golpe.
5. Sagrado: Assim como na magia, esse é o nível mais alto. Dizem que um sagrado da espada é capaz de enfrentar até mesmo as criaturas mais poderosas deste mundo.
O jovem concluiu com um brilho de orgulho nos olhos:
— É importante lembrar que, à medida que avança, a dificuldade aumenta exponencialmente. Por exemplo, muitos conseguem alcançar o título de mago ou guerreiro, mas menos de 10% desses chegam a mestre. Para grande mestre, são precisas décadas de dedicação, e apenas 15 pessoas no Reino de Bellsoul ostentam esse título hoje. A partir daí, chegar a sabedoria ou santo já é considerado um feito quase impossível.
O silêncio caiu entre eles, e os olhos de Lucien brilharam, não com esperança, mas com um misto de curiosidade e algo mais sombrio. Ele agradeceu com um leve aceno e virou-se para pegar os pães. Algo naquela conversa permaneceu martelando em sua mente, mas ele demorou os pensamentos por enquanto.
Logo, ele estava novamente em sua casa, o café já estava pronto e os pães que havia comprados estavam sobre a mesa.
Os olhos de sua irmã estavam brilhando, Lucien acenou com a cabeça, e ela partiu para cima da comida, saboreando cada mordida.
Lucien, no entanto, ainda lembrou daquela conversa de mais cedo. Ele tinha despertado interesse naquilo tudo. E agora queria saber mais.
Ainda estava cedo, e Lucien já sabia exatamente onde procurar para encontrar as respostas que eu precisava.
Mas por hora, ele aproveitou seu café da manhã com sua irmãzinha, e se divertiu vendo ela feliz.