O dia tinha sido longo, e eu estava exausto. Depois das aulas, decidi dar uma volta, tentando clarear a mente. A sensação de fracasso ainda pesava em meus ombros, e, por mais que tentasse me distrair, minha mente sempre acabava voltando ao concurso, à derrota, e à história de Ryuuji Akagi. Estava absorto em pensamentos quando percebi uma figura familiar a poucos metros de distância, andando na mesma direção que eu.
— Kaori? — chamei, surpreso ao vê-la.
Ela olhou para mim com um sorriso radiante.
— Oi, Shin! Que coincidência te encontrar por aqui.
— É... coincidência — respondi, um pouco hesitante. Algo na maneira como ela estava andando parecia estranho. Era como se estivesse me seguindo, mas ao mesmo tempo, parecia distraída.
Continuamos caminhando juntos, em um silêncio desconfortável, até que não aguentei mais.
— Você... está me seguindo? — perguntei, tentando soar casual, mas o nervosismo transparecia na minha voz.
Ela parou por um momento, franzindo a testa, antes de soltar uma risada despreocupada.
— Te seguindo? Não, nada disso! — respondeu, rindo. — Nossa, eu só estava voltando para casa. Por que eu te seguiria?
— Ah, achei que... — comecei, mas me interrompi ao perceber a situação. Claro, ela estava apenas voltando para casa. Mas então, por que ainda estava ao meu lado?
Kaori notou minha confusão, mas antes que pudesse dizer algo, mudou de assunto, como sempre fazia quando sentia que eu estava desconfortável.
— E aí, Shin, como foi o concurso? Você entregou a história a tempo?
De repente, todo o peso do fracasso voltou. Tentei esconder o quanto aquilo me afetava, mas sabia que ela perceberia, ela sempre percebia.
— Eu... não fiquei entre os três melhores — admiti, sentindo um nó se formar na garganta. — Na verdade, fiquei em sétimo lugar.
Kaori parou, me olhando com surpresa.
— Sétimo? Mas, Shin, você parecia tão confiante! O que aconteceu?
Suspirei, tentando encontrar as palavras certas.
— Eu fui arrogante. Pensei que minha história era boa o suficiente, mas quando vi a do cara que ganhou... percebi que estava completamente errado. A história dele era incrível, quase profissional. E a minha... era rasa, superficial. Eu nem sei como pensei que poderia ganhar.
Kaori ficou em silêncio por um momento, ouvindo com atenção. Eu sabia que ela estava escolhendo suas palavras cuidadosamente.
— Hm, e quem é esse cara? Quem escreveu a história vencedora? — perguntou, com curiosidade genuína.
— O nome dele é Ryuuji Akagi — respondi, sem pensar muito. — Nunca ouvi falar dele antes, mas... ele é bom. Muito bom. Quase parece que ele não deveria estar nesse concurso.
Kaori abriu um sorriso, como se estivesse refletindo sobre algo.
— Você tem que me mostrar essa história depois! Fiquei curiosa pra ver o que te deixou tão impressionado.
Eu assenti, mas ainda estava perdido em meus pensamentos, me perguntando como alguém da nossa idade poderia escrever algo tão incrível.
A conversa continuou de forma leve, Kaori fazendo perguntas ocasionais sobre o concurso, tentando me animar. E por um breve momento, senti que a frustração diminuía.
Mas enquanto caminhava para casa, notei algo de estranho. Por que ela estava indo na mesma direção que eu? De repente, percebi que ela estava andando com uma familiaridade incomum, como se soubesse exatamente onde estava indo.
Curioso e um pouco desconfiado, comecei a notar detalhes que antes me escapavam: o jeito como Kaori conhecia cada curva da rua, como seus passos ficavam mais lentos à medida que nos aproximávamos das casas, e a maneira como ela olhava para as janelas, como se estivesse em território conhecido.
— Você sempre anda por aqui? — perguntei, tentando soar casual.
Ela riu. — Às vezes. E você, sempre percebe quando os outros estão andando na mesma direção?
— Ah, não, foi só que...
— Finalmente! Oh, já vou indo, até amanhã, Shin! — disse ela enquanto caminhava mais um pouco.
— Hã?! Mas aqui é...
Antes que eu pudesse falar, ela deu mais alguns passos à frente, virou-se para mim com um sorriso, e então, sem dizer mais nada, virou e entrou em uma casa — a casa ao lado da minha.
Fiquei paralisado, assistindo-a abrir o portão e desaparecer pela porta da frente. Meu cérebro demorou a processar o que estava vendo. Kaori era minha vizinha? Como eu nunca tinha percebido isso antes?
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Anos caminhando para a escola, anos observando o movimento da rua, e nunca, nem uma única vez, eu a vi sair daquela casa. Senti-me um completo idiota por não ter notado algo tão óbvio. Talvez eu estivesse tão absorvido em meus próprios problemas que nunca prestara atenção ao meu redor.
Ainda em choque, fiquei ali, olhando para a casa dela, tentando juntar as peças. Será que ela sabia que eu morava ao lado? Será que ela me via todas as manhãs e apenas fingia que não?
No meu quarto, joguei a mochila em um canto e, antes de fazer qualquer outra coisa, fui até a janela. De lá, dava para ver a casa ao lado. Fiquei ali por alguns instantes, encarando a fachada, imaginando Kaori dentro de casa, vivendo uma vida que até agora eu desconhecia. A estranha sensação de que eu estava perdendo algo importante me invadiu, mas antes que pudesse entender, desviei o olhar.
Sentado à escrivaninha, peguei meu celular e abri o arquivo da história vencedora mais uma vez. Li cada linha com mais atenção, comparando com a minha. Era como se estivesse lendo pela primeira vez, e a diferença entre as duas histórias parecia ainda maior. Era quase cômico pensar que eu poderia ter competido com algo assim.
Com a mente em turbilhão, sentei-me na escrivaninha e comecei a rabiscar ideias, palavras soltas, fragmentos de histórias que surgiam em minha mente. Mas, por mais que tentasse, nada parecia se encaixar. Cada linha escrita parecia inferior, fraca.
Frustrado, joguei a caneta de lado e me joguei na cama, encarando o teto.
O tempo passou lentamente, e quando percebi, estava na hora de ir trabalhar na biblioteca. Levantei-me, peguei a mochila e saí, tentando afastar os pensamentos que ainda giravam em torno do fracasso e da estranha revelação sobre Kaori. Mas era difícil. Era como se tudo ao meu redor estivesse se tornando um reflexo de minhas dúvidas internas.
A biblioteca estava relativamente calma quando cheguei. Arata, como sempre, me recebeu com um sorriso caloroso.
— Shin, como vai? — perguntou ele, com a energia que sempre parecia iluminar o ambiente.
— Tudo bem — respondi, tentando manter o semblante leve.
Durante as primeiras horas, me concentrei nas tarefas rotineiras, ajudando clientes e organizando livros. No entanto, a história de Ryuuji e minha própria sensação de derrota continuavam a me assombrar. Quando a biblioteca ficou tranquila, aproveitei a oportunidade para conversar com Arata, buscando algum alívio para minha angústia.
— Arata, você já pensou em como se escreve uma história incrível? Quero dizer, algo realmente impactante e que se destaque? — perguntei, a minha voz transparecendo a ansiedade que eu estava sentindo.
Arata me olhou com um misto de surpresa e curiosidade.
— Escrever algo incrível é... extremamente difícil, Shin. — Ele parou por um momento, como se estivesse escolhendo suas palavras com cuidado. — Diga-me, você quer ser escritor?
Eu hesitei, as palavras escapando antes que eu pudesse pensar.
— Eu não sei. Talvez não seja algo definitivo, mas... acho que quero escrever algo bom. Algo que as pessoas leiam e pensem: 'Uau, isso é incrível.'
Arata sorriu, um sorriso quase triste.
— Shin, ser um escritor... qualquer um pode ser. Mas viver disso? Pouquíssimos conseguem. A taxa de falha é maior que a de sucesso. E, honestamente, eu fico aliviado em ouvir que você ainda está pensando. Porque, se você realmente quiser seguir esse caminho, precisa saber que não será fácil. Escrever algo incrível, algo que toque as pessoas, exige mais do que apenas talento. Exige experiência, paciência, e, acima de tudo, determinação.
Suas palavras pesaram sobre mim, mas, ao mesmo tempo, eu sentia uma nova onda de determinação surgindo.
— Eu entendo — murmurei. — Mas eu ainda quero tentar. Quero escrever algo que seja... realmente bom.
Arata me observou por um momento, antes de falar novamente, desta vez, com um tom mais sério.
— Shin, a verdadeira grandeza na escrita vem quando você escreve com sinceridade. Quando as palavras que você coloca no papel são um reflexo genuíno do que você sente, do que você acredita. As pessoas são tocadas pela verdade, e essa verdade só pode vir de dentro. Escrever com pressa, com o único objetivo de impressionar, quase sempre falha. Se você quer escrever algo que realmente se destaque, precisa se conectar com o que está dentro de você. Precisa escrever para si mesmo, antes de escrever para os outros.
Eu absorvi suas palavras, sentindo cada uma delas ressoar dentro de mim. Talvez ele estivesse certo. Talvez eu estivesse tão focado em escrever algo tão bom quanto a história de Ryuuji que me esqueci do porquê queria escrever em primeiro lugar.
Arata inclinou-se para mim, os olhos cheios de compreensão.
— Mas me diga, por que essa pressa em escrever algo incrível?
Eu hesitei, antes de revelar a verdade.
— Eu entrei em um concurso de escrita para novatos e escrevi uma história. Eu estava confiante de que poderia ganhar, mas não correu como eu esperava. Quando li a história do ganhador, percebi o quanto era incrível, mas eu fiquei em sétimo lugar. Nem mesmo cheguei perto dele. E isso... isso me deixou frustrado.
Arata ouviu em silêncio enquanto eu desabafava sobre a derrota e o impacto que a história de Ryuuji teve em mim. Ele parecia estar prestando atenção, mas havia algo em seus olhos que eu não conseguia decifrar — uma espécie de sombra de reconhecimento ou talvez preocupação.
Quando terminei, ele ficou quieto por mais alguns segundos, como se ponderasse o que eu havia dito.
— Shin, você sabe... — ele começou, hesitando um pouco, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. — Já vi muitas histórias passarem por esta biblioteca. Algumas boas, outras nem tanto. Mas há algumas... que se destacam, que parecem de outro mundo. Histórias que deixam uma marca. — Ele fez uma pausa, olhando para mim com uma expressão que agora parecia mais intensa. — Mas há sempre algo além da habilidade. Às vezes, a história de uma pessoa carrega um peso que não se pode ignorar.
Essas palavras me deixaram intrigado, mas antes que eu pudesse perguntar mais sobre o que ele quis dizer, ele fez um gesto para que eu mostrasse a história do vencedor do concurso.
Peguei meu celular, encontrei o arquivo e entreguei a ele. Ele leu em silêncio, o rosto se tornando mais sério à medida que avançava. Enquanto lia, notei suas sobrancelhas franzirem levemente, quase como se estivesse reconhecendo algo familiar.
Finalmente, ele devolveu o celular, mas não me olhou nos olhos imediatamente. Parecia estar em um conflito interno, como se algo o incomodasse profundamente.
— Sim, é realmente bom. Está em um nível diferente — ele disse, mas sua voz carregava uma estranha mistura de admiração e... receio?
Eu assenti, já sabendo disso, mas uma inquietação começou a se formar em meu peito. Antes que pudesse fazer qualquer pergunta, Arata, com a expressão fechada, finalmente se voltou para mim e perguntou:
— Qual é o nome desse garoto que escreveu?
— Ryuuji Akagi — respondi, casualmente.
No instante em que as palavras saíram da minha boca, vi os olhos de Arata se arregalarem. Ele ficou imóvel, em estado de choque, como se tivesse ouvido algo inacreditável. Era como se, de repente, todas as peças de um quebra-cabeça sombrio tivessem se encaixado em sua mente.
— Ryuuji... Akagi? — ele murmurou, quase para si mesmo, a voz tomada por uma incredulidade que não combinava com o Arata que eu conhecia.
O que isso significava? E por que Arata, sempre tão calmo e controlado, estava reagindo dessa forma ao ouvir aquele nome?