Levantei-me da cama com uma sensação de vazio, como se meu corpo estivesse ali, mas minha mente estivesse flutuando em algum lugar distante. A conversa com Seiji e Rin na noite anterior ainda ecoava na minha cabeça, cada palavra, cada expressão de surpresa e compreensão gravada na minha memória. A realidade da mudança estava finalmente se impondo, e com ela, uma incerteza que me corroía por dentro. Eu ainda não queria aceitar, ainda queria lutar contra o inevitável, mas a cada passo que eu dava, sentia a resistência em mim diminuir.
Na escola, meu estado de espírito só piorou. As aulas passavam como borrões; os rostos dos professores e colegas se desfocavam, e meu caderno permanecia aberto na mesma página, com anotações rabiscadas sem sentido. Quando o professor me chamou, eu levantei a cabeça, mas minha resposta foi vazia, as palavras saíram antes que eu pudesse processá-las. Meu lápis escorregou da minha mão, caindo no chão, e eu me abaixei para pegá-lo, aproveitando o momento para esconder minha confusão. A verdade é que nada mais parecia importar, como eu poderia focar na escola, quando tudo o que eu conhecia estava prestes a ser arrancado de mim?
Durante o intervalo, me vi andando pelos corredores sem um rumo certo, apenas tentando afastar os pensamentos que insistiam em me atormentar. O que aconteceria se eu aceitasse a sugestão maluca de Seiji? A ideia de morar escondido na casa dele, como um fugitivo, era ao mesmo tempo absurda e tentadora. Eu imaginei a cena: nós dois vivendo como conspiradores, escondendo minha presença dos pais dele, criando uma vida paralela, onde a mudança não existia. Mas logo, o peso da realidade me puxava de volta. Não havia como isso dar certo. Eu sabia disso, e era isso que me machucava mais do que tudo.
Enquanto caminhava de volta para a sala de aula, me peguei olhando pela janela. Lá fora, o sol brilhava alto, indiferente ao caos que estava se desenrolando dentro de mim. E então, de repente, uma estranha calmaria começou a tomar conta de mim. Como se, em meio à confusão, algo finalmente tivesse se resolvido.
Talvez eu estivesse cansado de lutar, cansado de me agarrar a uma esperança que não existia. Talvez, naquele momento, eu tenha finalmente aceitado que não havia outra opção.
As palavras de Rintarou voltaram à minha mente. Ele sempre foi o mais sensato, o mais lógico entre nós. E suas palavras, embora difíceis de engolir, estavam carregadas de verdade. Talvez a mudança não fosse o fim do mundo. Talvez, de alguma forma, eu pudesse encontrar uma maneira de seguir em frente, mesmo que isso significasse começar de novo em um lugar estranho.
Quando cheguei em casa, minha mãe e Hana já estavam ocupadas arrumando as coisas. As caixas começavam a se acumular na sala, cada uma delas um símbolo de nossa partida iminente. Observei em silêncio por alguns instantes, tentando processar a cena diante de mim. Era real. Nós estávamos realmente indo embora.
Sem dizer nada, fui para o meu quarto e comecei a arrumar minhas próprias coisas. Cada objeto que eu pegava parecia pesar como uma âncora, tentando me manter preso ao lugar que eu estava prestes a abandonar.
Os livros na estante eram tijolos de uma casa que estava desmoronando, os pôsteres na parede, sombras de sonhos que começavam a se dissipar, e as lembranças espalhadas pela mesa, fragmentos de um espelho quebrado, refletindo pedaços de uma vida que eu não queria ver desaparecer.
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Quando peguei a foto que estava na minha mesa, uma dor aguda atravessou meu peito. Eu, Seiji e Rintarou, todos nós sorrindo no último festival da escola. Aquele sorriso que agora parecia tão distante, tão inacessível.
Olhei ao redor do quarto mais uma vez, tentando gravar cada detalhe na minha memória. As paredes pintadas, a cama que já estava começando a ficar pequena, o armário abarrotado de roupas e objetos que eu guardava há anos. Cada canto daquele espaço contava uma história, uma parte da minha vida que eu não queria deixar para trás.
Mas então, algo inesperado aconteceu. No meio da arrumação, ouvi meu pai falando ao celular na sala. Sua voz estava tensa, como se estivesse lidando com algo urgente. Curioso, saí do quarto e me aproximei, tentando entender o que estava acontecendo.
— Sim, entendo. Claro, eu posso ir. Isso é muito importante. — Ele dizia, a preocupação evidente em sua voz. — Sim, eu estarei aí o mais rápido possível.
Quando ele desligou, ficou um silêncio estranho na sala. Minha mãe parou o que estava fazendo e olhou para ele, esperando uma explicação.
— O que aconteceu? — Ela perguntou, a voz carregada de apreensão.
— Eles precisam de mim de volta no trabalho. Algo urgente surgiu, e eu vou ter que resolver. — Ele disse, passando a mão pelo cabelo, visivelmente estressado. — Isso significa que não voltarei tão cedo para casa. Teremos que adiar a mudança.
Minha mãe, que até então estava em silêncio, suspirou de alívio, mas logo sua expressão mudou para uma preocupação sutil.
— Isso não vai ser fácil para você, vai? — Ela perguntou, sua voz suave, mas carregada de carinho.
Meu pai sorriu de forma cansada, assentindo.
— Eu vou dar um jeito. Mas, por enquanto, temos mais tempo aqui, e acho que talvez, isso seja algo bom para todos nós. — Olhei para minha mãe e vi o peso da preocupação começar a se dissipar de seus ombros.
Por um momento, tudo parou. Eu senti uma onda de alívio tão intensa que quase me fez vacilar. Era como se o chão sob meus pés tivesse se estabilizado de repente, como se o peso que eu estava carregando tivesse sido arrancado de mim. Olhei para Hana, que tinha parado de arrumar suas coisas. Ela estava sorrindo, mas seus olhos ainda estavam úmidos, sinalizando que tinha chorado antes
— Então, não vamos nos mudar? — Ela perguntou, a esperança brilhando em seus olhos.
— Não agora — meu pai respondeu, suspirando. — Vamos ter que esperar até que eu resolva isso no trabalho. Pode demorar um pouco.
Eu não consegui conter o sorriso que se formou no meu rosto. Não íamos nos mudar. Pelo menos, não por enquanto. Isso significava que eu ainda tinha tempo. Tempo para ficar com meus amigos, para aproveitar a escola, o clube, o trabalho. Tempo para viver a vida que eu estava tão desesperado para segurar.
Voltei para o meu quarto, desfazendo as malas que eu mal tinha começado a arrumar. Cada peça de roupa que eu guardava de volta no armário parecia mais leve, como se o ato de desfazer as malas estivesse desfazendo também o peso que tinha se acumulado em mim. Sentei-me na cama, olhando ao redor, sentindo uma nova determinação crescer dentro de mim. Eu ainda tinha tempo, e não ia desperdiçar mais nenhum momento.
Naquela noite, enquanto me preparava para dormir, segurei a foto em cima da minha mesa por um longo momento, observando os rostos sorridentes deles. Em vez de tristeza, uma sensação de gratidão tomou conta de mim. Coloquei a foto de volta, mas desta vez, num lugar especial na cabeceira da cama, onde eu poderia vê-la toda manhã. Antes de fechar os olhos, fiz uma lista mental de todas as coisas que queria aproveitar enquanto ainda estava na cidade que amava. Com essa nova determinação, adormeci, decidido a viver intensamente cada momento que ainda me restava.