Damien emergiu na superfície do mundo mortal ao entardecer, quando o céu se tingia de laranja e as primeiras sombras da noite começavam a se estender pelas ruas. Ele apareceu em um beco deserto, longe de olhares curiosos, como era apropriado para alguém que desejava passar despercebido. Vestindo roupas simples que contrastavam com sua presença majestosa, ele observou o mundo ao seu redor, absorvendo cada detalhe com uma mistura de fascínio e estranheza.
O ar era diferente ali — menos denso, mais vívido. O barulho constante das vozes, das risadas e dos veículos parecia ecoar de todos os lados, uma cacofonia que ele ainda não sabia como interpretar. Ele caminhou pelas ruas movimentadas, atraindo olhares ocasionais por sua aparência pálida e aura misteriosa. Mas, para a maioria das pessoas, ele era apenas mais um entre tantos.
Damien analisava tudo. A pressa com que os humanos se moviam, a forma como gesticulavam e riam, como se cada momento fosse precioso demais para ser desperdiçado.
"Eles vivem como se o amanhã fosse incerto," ele refletiu, passando os olhos pelas multidões. Para ele, que vivia no eterno silêncio do submundo, esse mundo parecia caótico e desorganizado, mas havia algo profundamente cativante nesse caos.
Enquanto caminhava, Damien viu um grupo de crianças brincando em uma praça próxima. Suas risadas ecoavam pelo ar, e a pureza de suas ações contrastava com a seriedade e o peso que ele carregava desde sempre. Ele parou por um momento, observando.
"Eles são frágeis," pensou, "mas é exatamente essa fragilidade que os torna tão... intensos."
Mais adiante, ele notou um homem idoso sentado em um banco, alimentando pombos. Havia calma em seus gestos, mas seus olhos carregavam histórias que Damien não precisava ouvir para entender. Ele sabia como a mortalidade moldava as pessoas. Ela criava uma urgência que, para ele, era fascinante e estranha.
"Eles correm contra o tempo, como se pudessem derrotá-lo. Mas, no fim, todos chegam até mim," ele ponderou, enquanto seguia seu caminho.
---
Conforme Damien vagava, começou a perceber algo mais profundo no tecido do mundo mortal. Havia camadas ali, forças que mantinham a ordem e, ao mesmo tempo, criavam tensões. Humanos, semideuses e aqueles que ele passou a chamar de "abençoados" coexistiam, mas nunca em plena harmonia.
Os semideuses, com sua força e habilidades excepcionais, eram vistos como heróis ou ameaças. Eles protegiam cidades, lideravam exércitos, ou, em alguns casos, causavam destruição. Suas ações eram sempre marcantes, e eles raramente passavam despercebidos. Para Damien, os semideuses representavam o lado mais evidente da influência divina no mundo.
Os abençoados, por outro lado, eram diferentes. Eles não tinham a força ou o poder dos semideuses, mas carregavam algo único: fragmentos do poder divino. Ele notou um jovem entregador que, com uma velocidade quase sobre-humana, passava por ele na calçada. Em outra ocasião, viu uma mulher que parecia acalmar uma multidão apenas com sua voz suave, uma habilidade claramente fora do comum.
Esses humanos, embora não fossem semideuses, eram especiais. Eles carregavam a marca de deuses que haviam escolhido abençoá-los. Mas Damien também percebeu o peso que essas pessoas carregavam. Seus poderes, mesmo que pequenos, os isolavam dos outros, tornando-os alvo de inveja e medo.
"Eles são um lembrete de que os deuses nunca deixam de influenciar este mundo," pensou Damien.
---
Enquanto a noite caía, Damien parou em frente a uma grande estátua no centro de uma praça. Era uma representação de Zeus, com raios na mão e uma expressão severa. Ao redor da praça, pequenos altares para outros deuses eram adornados com flores, moedas e alimentos. Humanos ainda faziam oferendas, séculos depois de os deuses terem se retirado para suas esferas.
"Eles não esqueceram," ele percebeu. "Os deuses ainda vivem aqui, mesmo que em sombras e símbolos."
Damien sentou-se em um banco próximo e observou a praça em silêncio. Ele viu humanos normais apressados, abençoados tentando esconder suas habilidades, e semideuses andando com uma postura que transbordava confiança. Todos eles eram reflexos de algo maior, partes de um mundo que ele mal começava a compreender.
"Este mundo é um equilíbrio frágil," concluiu Damien. "Mas é nesse equilíbrio que reside sua força... e talvez as respostas que eu procuro."
This tale has been unlawfully lifted from Royal Road. If you spot it on Amazon, please report it.
Ele olhou para o pingente em forma de romã que carregava no pescoço, um presente de sua mãe, e o segurou com firmeza. Ali, no coração do mundo mortal, ele decidiu que encontraria seu próprio caminho, mesmo que tivesse que desafiar tudo o que conhecia.
A noite já havia se estabelecido completamente, envolvendo a cidade em uma mistura de escuridão e luzes artificiais. O ambiente parecia ganhar uma nova vida, e Damien não pôde deixar de notar como as pessoas mudavam suas atitudes à medida que o sol desaparecia.
Caminhando pelas ruas iluminadas por néons, ele avistou um grupo de pessoas reunidas. Todas vestiam roupas extravagantes e brilhantes, com os rostos pintados de formas curiosas. O contraste entre o mundo sombrio do submundo e aquela explosão de cores era quase demais para ele.
Damien franziu a testa. Aquilo era... estranho. Ele nunca havia presenciado algo parecido em sua existência. No submundo, tudo era sóbrio, grave, e regido por uma lógica imutável. Mas aqui, tudo parecia vibrar de uma maneira que beirava o caos.
As luzes piscantes e as cores intensas começavam a deixá-lo levemente atordoado. Era como se o ambiente estivesse desafiando seus sentidos, provocando-o a entender algo que ainda escapava à sua compreensão.
No entanto, algo naquele grupo capturou sua atenção de forma quase instintiva.
---
Damien possuía uma habilidade única: ele podia enxergar as almas de todos os seres vivos — e até mesmo os mortos. Para ele, as almas eram mais do que simples manifestações espirituais. Elas eram a essência de tudo, o fio que conectava o corpo físico ao universo. Mais do que isso, Damien era capaz de ver o destino dessas almas, incluindo o momento em que a morte inevitavelmente as reclamaria.
Enquanto seus olhos percorreram o grupo colorido, ele parou ao notar algo que não fazia sentido. Entre as pessoas risonhas e pintadas, havia uma mulher jovem, vibrante, sorrindo como se o mundo inteiro fosse um palco feito para ela.
Mas sua alma...
A alma daquela mulher não brilhava como as outras. Ela não pulsava com a energia vital que ele havia aprendido a reconhecer em todos os vivos. Não, a alma dela era escura, morta.
Damien estreitou os olhos, intrigado. Como isso era possível?
Para ele, o corpo físico era apenas uma casca que abrigava a alma, um receptáculo que dependia dela para funcionar. Quando a alma morria, o corpo a seguia — era a ordem natural das coisas. Mas ali estava aquela mulher, tão cheia de vida em aparência, com uma alma que já não existia.
Ele observou cada movimento dela, buscando alguma resposta. Sua risada era leve, seus passos cheios de energia, mas aquela ausência na alma era um grito silencioso que Damien não podia ignorar.
"Um corpo vivo sustentado por uma alma morta... isso vai contra tudo o que eu conheço," pensou ele, o olhar fixo na mulher.
A perplexidade deu lugar a um fascínio sombrio. Ele sabia que precisava entender o que estava acontecendo. Afinal, no mundo mortal, tudo parecia ter regras próprias — regras que talvez até ele, um deus, ainda não compreendia totalmente.
Aproximando-se cada vez mais do grupo, Damien manteve os olhos fixos na mulher que o intrigava. Ele analisava suas características com cuidado: pele clara, olhos brilhantes e cabelos tingidos de loiro. Ela era baixa, mas usava plataformas que lhe davam uma altura artificial. Estava adornada com uma variedade de acessórios que, para Damien, pareciam completamente desnecessários.
"Por que ela usa essas coisas?" ele se perguntou, franzindo a testa. Mas então lembrou-se de sua mãe, que decorava o palácio com os objetos mais extravagantes só porque os achava bonitos.
Esse pensamento fez o colar que ele carregava, o presente de Perséfone, brilhar suavemente por um instante. Ao notar o brilho, Damien abriu um pequeno sorriso, um gesto raro e quase imperceptível, mas genuíno.
Nesse momento, ele já estava próximo o suficiente do grupo para ser notado. Ainda com os olhos fixos na mulher, ele parou ao ouvir uma voz feminina e sussurrante vinda do grupo:
— Ei, amiga, olha aquele bonitão sorrindo pra você. Parece que hoje é o seu dia.
A mulher virou-se na direção dele, curiosa, e seus olhos encontraram os de Damien. Ele já havia parado de sorrir, mas, para sua surpresa, agora era ela quem sorria.
Com um gesto confiante, ela acenou para que ele se aproximasse. Damien, intrigado e curioso, não hesitou. Ele se infiltrou entre o grupo, posicionando-se diante dela, o olhar firme, quase inabalável.
— Eu me chamo Damien. É um prazer. Qual é o seu nome? — ele perguntou com sua voz grave, porém gentil.
O sorriso dela permaneceu, e sem aviso, ela se aproximou repentinamente, inclinando-se em direção ao ouvido dele. Damien podia ter impedido aquele gesto, mas não sentiu ameaça alguma vindo dela. Além disso, sua curiosidade o impedia de recuar.
— O que você disse? — perguntou ela, quase gritando devido ao barulho ao redor.
Damien percebeu que estavam em uma fila para entrar em algum lugar extremamente ruidoso, provavelmente um bar ou casa noturna. Para ele, o som não era problema; seus sentidos divinos eram muito mais aguçados. Mas, para ela, uma simples mortal, o ruído parecia tornar qualquer comunicação um desafio.
Com um suspiro breve, ele imitou o gesto dela. Inclinando-se para seu ouvido, respondeu com clareza:
— Seu nome. Eu perguntei o seu nome.
Ela riu, inclinando-se para trás e olhando diretamente para ele, o brilho nos olhos dela ainda mais intenso. Damien permaneceu sério, mas havia algo sobre aquela mulher que começava a capturar sua atenção de um jeito que ele não podia ignorar. Por trás do sorriso e da atitude descontraída, aquela alma morta ainda pairava como um mistério que ele precisava desvendar.
Aproximando-se, a mulher respondeu com um sorriso no rosto:
— Eu me chamo Ellie. E você?
Damien franziu a testa, ligeiramente incomodado. Ele nunca foi muito sociável, e em poucos segundos já havia sido forçado a repetir algo duas vezes. Ele não era do tipo que gostava de gastar palavras desnecessariamente.
— Eu me chamo Damien. Que tipo de lugar é esse? — perguntou diretamente, com um tom firme.
Damien tinha conhecimento profundo sobre os humanos; seus mil anos de existência não foram vividos em vão. Ele passara muito tempo observando e aprendendo sobre eles, mas nunca havia ouvido falar de algo como aquilo.
Ellie arqueou uma sobrancelha, visivelmente intrigada com a pergunta.
— Você não sabe o que é uma boate?
"Entendo, então é assim que chamam," pensou Damien, enquanto assentia em resposta.
A confusão de Ellie aumentou, mas logo foi substituída por um sorriso travesso.
— Por acaso você viveu em uma caverna isolada?
Damien franziu a testa, sua expressão ficando ainda mais séria.
— Você está certa. Como soube?
O tom sério de Damien pegou Ellie de surpresa. Ela piscou, confusa, antes de explodir em uma risada genuína.
— Deuses, como você é engraçado, Damien!
Damien observou a mulher sem compreender o motivo do riso. Ele não tinha intenção de ser engraçado, mas algo em sua resposta pareceu entretê-la.
Sem aviso, Ellie segurou a mão dele e o puxou para dentro do prédio barulhento.
— Vamos, você precisa ver por si mesmo.
Damien não resistiu. A curiosidade pulsava em suas veias como uma segunda natureza, e sua busca por respostas era mais importante do que qualquer desconforto. Ele deixou-se levar, entrando no ambiente vibrante e caótico da boate, onde as luzes piscantes e a música alta desafiavam todos os seus sentidos.
"Talvez aqui eu encontre al
guma pista sobre essa alma morta," pensou ele, enquanto cruzava a entrada, mantendo os olhos atentos em Ellie e no que viria a seguir.