A sala era silenciosa como um túmulo. No centro, um trono esculpido em obsidiana refletia a luz espectral de milhares de almas que vagavam pelo salão do submundo. Sentado nele, Damien encarava a imensidão à sua frente. Seu semblante era sereno, mas seus olhos carregavam um peso que mil anos de história não poderia ser explicado.
Aos olhos dos mortais, ele seria apenas um jovem de feições marcantes, com cabelos negros como a noite e olhos que não contêm o infinito. Mas Damien sabia uma verdade: ele não era um jovem comum. Ele era os herdeiros do submundo, o Deus da Morte, destinado a julgar as almas e preservar o equilíbrio entre os mundos.
Era isso que ele deveria ser.
Mas ele não queria.
Completara mil anos naquele dia, um marco para qualquer jovem deus, mas a celebração apenas reforçou seu desgosto. Os deuses esperavam que ele assumisse seu lugar ao lado do Hades, governando o submundo com mãos firmes e coração de pedra. Perséfone, sua mãe, sempre o encorajava, dizendo que ele traria equilíbrio, que era especial.
Damien, porém, não faz sentido.
Ele sentiu que era uma sombra de seus pais, uma peça no grande tabuleiro dos deuses, sem controle sobre sua própria existência. A morte não deveria ser um fardo, pensei ele. E se fosse mais do que isso? E se ele pudesse ser mais?
Foi por isso que, naquele dia, ele tomou sua decisão.
"Eu não quero mais ser isso." Sua voz ecoou pelo salão vazio.
Damien extravasou-se de seu trono, deixando para trás a imponente cadeira esculpida em obsidiana. Enquanto caminhava pelo palácio, seus olhos vasculhavam cada detalhe ao seu redor.
O palácio de Hades, no topo do submundo, era uma obra-prima sombria. Suas paredes negras reluziam à luz de tochas eternas, e colunas decoradas com esculturas de almas dançavam como sombras à medida que ele avançava. Era vasto, grandioso, um reflexo de poder absoluto, mas Damien sabia que apenas uma pessoa realmente apreciava tudo aquilo: sua mãe.
Hades, por outro lado, considerava o luxo uma distração desnecessária. Se dependesse dele, viveria num quarto sem janelas, com apenas uma cama dura e um jarro de água. Essa simplicidade, no entanto, não foi suficiente para Perséfone, que transformou o ambiente em algo mais vivo – ou tão vivo quanto o submundo permitia.
Damien esboçou um sorriso contido ao lembrar de como sua mãe e seu pai discordavam sobre isso. Apesar de toda a fama de severidade e frieza, Hades se rendeu aos desejos de Perséfone sem questionar. Era quase engraçado ver um deus tão temido ser tão... humano ao lado dela.
Balançando a cabeça, Damien se livrou dos pensamentos. O que ele estava planejando fazer com foco total. Um único erro, e correntes invisíveis o prenderiam naquele lugar para sempre.
Ele caminhou contínuo até chegar diante de uma porta giganteca, decorada com relevos que narravam a história do submundo. Ali, atrás daquela entrada, ficaram o quarto onde Hades e Perséfone governaram. Um local sagrado, acessado por poucos.
Damien parou, respirou fundo e, com um leve empurrão, abriu as pesadas portas.
O som das dobradiças ecoou pelo salão. De um lado, sua mãe, sentada em um trono de mármore branco adornado com ramos dourados, ergueu o olhar surpresa. Do outro, seu pai estava em pé ao lado de seu próprio trono negro. Os olhos de Hades, profundos como o abismo, fixaram-se em Damien, mas sua expressão permanecia impassível, quase indiferente.
“Damien, querido,” disse Perséfone, com a voz suave, embora carregada de preocupação. “Aconteceu algo? Está tudo bem?”
Hades não falou nada, mas já havia abandonado o que fazia. Ele apenas o observava, avaliando-o em silêncio.
Damien respirou fundo e respondeu:
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“Sim, aconteceu algo, mamãe... Não, rainha do submundo.”
Ele hesitou por um instante, sentindo o peso do olhar de Hades. As palavras estavam presas em sua garganta, não por medo, mas pela preocupação de como seus pais reagiriam. Mais importante, se eles o permitiriam prosseguir com seu pedido.
Finalmente, ele se ajoelhou.
A sala imediatamente se encheu de uma aura sombria, como se a própria essência do submundo houvesse despertado.
“O que está fazendo, Damien?” A voz de Hades soou como um trovão. “Um deus de joelhos? Está tentando me envergonhar?”
Os olhos de Hades ardiam com raiva, mas Damien não se moveu. Ele sabia que seu pai odiava submissão. Sempre o criara para ser forte, implacável, um rei. Mas ali estava ele, ajoelhado diante do Deus dos Mortos.
Perséfone, surpresa, não demonstrava raiva. Em vez disso, seus olhos estavam cheios de curiosidade.
“Por favor, rei Hades,” disse Damien, sua voz firme apesar da posição vulnerável. “Eu tenho um pedido.”
Hades estreitou os olhos, a aura ao seu redor intensificando-se como uma tempestade prestes a romper. Ele abriu a boca para falar, mas Perséfone ergueu a mão, interrompendo-o.
“Diga, meu filho,” falou ela, sua voz calma, mas firme.
Damien levantou o olhar, diretamente para os de seu pai, que agora estavam cheios de um fogo contido. Ele podia sentir o peso do poder de Hades, mas aquilo não o intimidava. Na verdade, teve que reprimir um sorriso. Ele sabia que a raiva de seu pai era, na maior parte, fachada – uma lição disfarçada.
“Deixem-me ir para o mundo dos mortais.”
O silêncio que se seguiu parecia quase palpável. As sombras do salão pararam de se mover, como se o próprio submundo estivesse aguardando a resposta.
Hades fechou os olhos por um momento, respirando fundo antes de responder, sua voz carregada de autoridade:
“Você entende o que está pedindo, Damien? Uma vez fora daqui, não será tratado como um deus. Será caçado, temido, talvez até odiado.”
Damien assentiu, sua determinação evidente. “Sim, pai. É exatamente por isso que preciso ir. Eu preciso entender o que significa viver... longe daqui.”
Perséfone se inclinou ligeiramente para frente. “E o que espera encontrar entre os mortais, meu filho? Eles não são como nós.”
Damien hesitou, mas então respondeu: “Respostas. Eu não quero ser apenas o Deus da Morte. Quero descobrir quem eu sou, além do meu destino.”
Hades abriu os olhos, observando-o com uma expressão mista de aprovação e frustração. Perséfone trocou um olhar com o marido, e por fim, ambos se voltaram novamente para Damien.
“Se essa é sua escolha,” disse Hades, sua voz carregada de peso, “então vá. Mas lembre-se: o mundo mortal é cruel, Damien. Eles não o aceitarão facilmente. E se você falhar... não espere misericórdia ao retornar.”
Damien sorriu, finalmente levantando-se. “Não espero nada, pai. Apenas a oportunidade de tentar.”
E com essas palavras, ele deixou o salão, pronto para enfrentar o desconhecido.
Damien caminhava pelas escadarias sombrias do palácio, prestes a deixar o submundo pela primeira vez. Apesar de sua determinação, o peso do momento era inegável.
Antes de alcançar o portal que o levaria ao mundo mortal, ele ouviu passos leves atrás de si. Ao se virar, viu Perséfone, sua mãe, aproximar-se silenciosamente. Seu vestido esvoaçava suavemente, como se as sombras ao redor a respeitassem, cedendo à sua luz natural.
"Damien," ela chamou, sua voz suave como o vento da primavera, mas carregada de melancolia.
Ele parou e esperou que ela o alcançasse. Quando o fez, ela estendeu a mão, tocando gentilmente o rosto dele.
“Você tem certeza disso?” Perséfone perguntou, seus olhos refletindo preocupação e tristeza.
Damien segurou a mão dela, sentindo o calor reconfortante que sempre fora seu refúgio. “Eu preciso, mãe. Sei que é difícil para você, mas este lugar... eu não sinto que pertenço a ele. Talvez, entre os mortais, eu descubra quem realmente sou.”
Ela suspirou, o olhar ainda fixo no rosto dele. “Você é meu filho, Damien, e isso significa que tem tanto a luz quanto a escuridão dentro de você. O mundo mortal é perigoso, ainda mais para alguém como você. Prometa que tomará cuidado.”
“Prometo.”
Perséfone retirou algo de dentro de seu manto, um pequeno pingente em forma de romã, esculpido em ouro com pedras negras incrustadas. Ela segurou o colar entre os dedos e olhou para ele antes de colocá-lo no pescoço de Damien.
“Este é o meu presente para você,” disse ela. “Este pingente está ligado a mim. Sempre que se sentir perdido ou precisar de força, lembre-se de quem você é e do quanto é amado.”
Damien segurou o pingente, sentindo uma energia reconfortante irradiando dele. Ele sabia que aquilo não era apenas um simples ornamento, mas uma conexão direta com sua mãe e o submundo.
“Obrigado, mãe. Eu... nunca vou esquecer isso.” Ele a abraçou, algo raro entre os dois. Perséfone, por um momento, segurou-o com força, como se não quisesse soltá-lo.
Quando eles se separaram, ela sorriu, mas seus olhos ainda estavam tristes. “Vá, Damien. E não olhe para trás. Você precisa trilhar seu próprio caminho.”
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Ao chegar ao portal, Damien encontrou Hades esperando. Ele não esperava que seu pai viesse se despedisse, mas ali estava ele, parado com sua postura firme e expressão austera.
“Pai,” Damien começou, sem saber bem o que dizer.
Hades extravasou a mão, silenciando-o. “Você tomou sua decisão, Damien, e eu respeito isso. Mas lembre-se de que o mundo mortal é cruel. Eles vão temê-lo, odiá-lo, tentar destruí-lo. Você precisará ser mais forte do que pensa ser.”
Damien casual, mas antes de atravessar o portal, fez algo que surpreendeu até o mesmo. Ele se ajoelhou diante do Hades novamente, mas desta vez não como súdito, e sim como um gesto de gratidão.
“Obrigado, pai,” disse Damien, mantendo a cabeça erguida. “Por tudo. Pelas lições, pela força, e por confiar em mim o suficiente para me deixar ir.”
Hades o olhou com olhos firmes, mas havia algo diferente em sua expressão — talvez uma centelha de orgulho. Ele colocou a mão no ombro de Damien, um gesto raro, mas poderoso.
“Você é meu filho”, disse Hades. “E onde quer que você esteja, sempre terá um lugar neste reino. Não se esqueça disso.”
Damien declarou-se, segurando o pingente que Perséfone lhe dera e sentindo o peso da mão de Hades em seu ombro como uma vitória sinalizada. Sem mais palavras, ele se virou e atravessou o portal.
Ao cruzá-lo, senti o calor do sol pela primeira vez em cem anos. O mundo mortal estava diante dele, vibrante e vivo. Ele se comprometeu profundamente, pronto para enfrentar o desconhecido.
“Este é apenas o começo”, murmurou para si mesmo, com um leve sorriso. "Hora de descobrir quem eu realmente sou."