Após receber centenas de memórias sombrias e pesadas, Ramon ficou atordoado. As correntes que o aprisionavam tinham sido rompidas, e agora ele se lembrava de tudo: o horror, a crueldade, e o sangue que manchava suas mãos.
Jogava-se ao chão, o corpo tremendo enquanto lutava para processar o turbilhão de imagens e sensações que o invadiam. Não eram apenas as memórias que foram adquiridas; Aquele lado sombrio, maníaco e cruel, que fora trancado junto com eles, estava despertando novamente. A máscara de segurança que ele havia usado por tantos anos começou a se desfazer.
Ele viu, então, que aquela pessoa gentil e carinhosa nunca fora de quem ele realmente era. Aquilo era fruto do ritual que havia apoiado anos atrás. Não apenas suas memórias foram seladas, mas também a parte mais obscura de sua alma, uma essência que o definia.
Foi seu pai, Emílio, quem o havia solicitado a passar por aquele ritual. Após descobrir o horror que Ramon havia cometido, Emílio, em um ato de desespero, fez tudo ao seu alcance para contê-lo. Como pai, ele fez o que perdeu ser necessário: acobertou os rastros da tragédia, selou as memórias de Ramon e reprimiu sua natureza cruel.
Mas, no fim, isso foi tudo. Depois de realizar o ritual e aprisionar seu próprio filho, Emílio o abandonou, consumido por uma decepção amarga.
Apesar do desprezo final de Emílio, Ramon nunca conseguiu esquecer que, de certa forma, seu pai tentou ajudá-lo. Ele sabia que o abandono não era apenas o peso de uma decisão, mas também uma paz silenciosa. No entanto, isso parecia insignificante agora.
Diante dele era uma figura imponente. O ar ao redor vibrava com uma energia esmagadora, tão densa e poderosa que qualquer pensamento trivial era varrido para longe.
Ramon estava se levantando do chão, lutando para manter o equilíbrio. Ele extrai os olhos para encarar o homem que o observava.
Foi um erro.
Os olhos do estranho estavam marcados por uma fúria antiga, um ódio que parecia transcender o tempo. Apenas os fitá-los por um instante fez Ramon tremer de medo, forçando-o a desviar o olhar, como se encará-lo fosse um ato de desafio insuportável.
A voz do homem ecoou, reverberando pelo ar ao redor como trovões em uma tempestade:
— Você se lembra agora?
A atmosfera parecia se comprimir ao som de suas palavras, como se o próprio mundo se dobrasse ao seu poder.
— Você se lembra do seu pecado? — Disse ele, sua voz sombria envolvida no julgamento.
Ramon respirou fundo, tentando parecer calmo enquanto escondia o medo que rastejava em seu peito. Ele sabia que estava diante de algo muito maior do que poderia enfrentar. Ainda assim, consegui responder:
— Não há como esquecer algo assim. É claro que eu me lembro.
O homem inclinado a avançar a cabeça, seus olhos ainda cravados em Ramon, perfurando-o como lâminas.
— Então… me diga, como você se sente agora? Depois de tudo isso?
Ramon hesitou. Agora que suas memórias estavam restauradas e o lado obscuro de sua mente havia emergido, ele sentia algo que nunca admitiria. Dentro dele, havia um perverso sentimento de realização. Ele não lamentava o que havia feito; pelo contrário, sentia-se satisfeito.
Mas admitir isso seria assinar sua sentença de morte. O homem diante dele já estava tomado pela fúria; uma provocação só aceleraria o fim.
— Eu me sinto… arrependido — mentiu Ramon, esforçando-se para manter a voz firme. — Agora que tenho uma família, tudo o que desejo é protegê-los. Assim como aquela mulher tentou proteger a dela… Talvez você me chame de hipócrita, mas esta é a verdade.
A mentira escorregou com facilidade, mas internamente ele sorria. Antes das correntes serem quebradas, ele realmente amava sua esposa e filha. Agora? Eles não passavam de ferramentas, meros peões em seu tabuleiro. Se fosse necessário sacrificá-los para salvar a si mesmo, ele o faria sem hesitar.
Damien permaneceu em silêncio por um longo momento, seus olhos ardendo com uma intensidade quase insuportável. Ramon tentou não olhar diretamente, mas a tensão era sufocante.
Por fim, Damien balançou a cabeça, desaprovação estampada em cada movimento.
— Mentiroso… — sua voz soou mais baixa, mas carregada com um peso ainda maior. — Eu conheço aqueles que não mentem. Eu conheço aqueles que não fingem. Eu conheço aqueles que se arrependem. E você, Ramon? Você não é nenhum deles.
Ramon sentiu um frio correr por sua espinha. Ele tentou se defender, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Damien deu um passo à frente, a aura ao seu redor se intensificando.
— Você acha que pode esconder sua verdadeira natureza de mim? Eu vi o que você fez. Eu senti o que ela sentiu. Não há lugar no cosmos onde você possa se esconder da verdade.
Ramon tremeu, o coração batendo descontroladamente. Ele sabia que Damien não era um homem comum e nem um semideus como ele. Ele era um algo muito além. E diante dele, não havia fuga nem mentira que pudesse salvá-lo.
Ramon recuou instintivamente, mas suas costas logo encontraram uma parede. Ele estava encurralado. Damien permaneceu imóvel, observando-o como um predador que avalia o momento certo de atacar.
A respiração de Ramon ficou irregular. Ele tentou encontrar algo, qualquer coisa, que pudesse usar a seu favor. Contudo, a pressão da presença de Damien era sufocante, esmagando qualquer lógica ou coragem que ele pudesse reunir.
— O que… o que você quer de mim? — perguntou Ramon, finalmente, a voz embargada por um misto de medo e frustração.
If you stumble upon this tale on Amazon, it's taken without the author's consent. Report it.
Damien não respondeu imediatamente. Em vez disso, inclinou-se ligeiramente para a frente, os olhos penetrantes cravados na alma de Ramon.
— Quero justiça.
A palavra soou como uma sentença final, um decreto divino que não deixava espaço para questionamentos.
— Justiça? — Ramon soltou uma risada nervosa, uma tentativa inútil de desafiar o peso da situação. — Justiça nunca foi algo que existisse neste mundo. É só uma ilusão para aqueles que precisam de consolo.
Damien ergueu uma sobrancelha, intrigado pela audácia de Ramon.
— Fale mais. — Sua voz, embora calma, carregava uma intensidade que tornava impossível desobedecer.
Ramon respirou fundo, tentando ignorar o suor frio que escorria por sua testa.
— O mundo humano é construído sobre mentiras e injustiças. Aqueles que têm poder o usam para esmagar os fracos. Não é diferente no reino dos deuses, não é? Quem é você para falar de justiça quando tudo o que existe é um jogo de poder?
Damien permaneceu em silêncio, mas algo em sua expressão mudou. Seu olhar ficou mais afiado, quase desdenhoso. Ele deu um passo à frente, e Ramon instintivamente tentou recuar, mas não havia para onde ir.
— Você fala de poder como se entendesse o que ele realmente significa — disse Damien, sua voz mais baixa, mas ainda carregada de autoridade. — Mas você não passa de um parasita que se alimenta do sofrimento alheio. Um homem que destruiu vidas porque não tinha força para enfrentar seus próprios demônios.
As palavras cortaram fundo, e Ramon sentiu uma raiva crescente. Ele apertou os punhos, tentando lutar contra a onda de humilhação que o consumia.
— Você não sabe nada sobre mim! — gritou ele, a voz ecoando pela clareira. — Eu fiz o que era necessário para sobreviver!
Damien inclinou a cabeça, como se estivesse analisando as palavras de Ramon.
— Sobreviver? — repetiu ele, com um leve tom de escárnio. — É isso que você chama de massacrar uma família inocente? De arrancar a vida de uma mãe diante dos olhos de sua filha?
Ramon engoliu em seco. Ele sabia que não havia desculpas para seus atos, mas também sabia que Damien não entenderia. Ninguém entenderia.
— Eu não escolhi ser assim… — murmurou ele, quase como um pedido de desculpas.
— Não escolheu? — Damien deu um passo à frente, agora a poucos centímetros de Ramon. — Você escolheu. Você escolheu cada momento, cada golpe, cada ato de crueldade. Você escolheu ignorar o que é ser humano.
Antes que Ramon pudesse responder, Damien ergueu a mão, e o ar ao redor pareceu congelar. Ele não o tocou, mas a mera presença de seu gesto fez Ramon sentir como se uma força invisível o estivesse esmagando.
— Você diz que não escolheu, mas eu lhe mostrarei a verdade. — Damien estendeu a mão novamente, e um brilho sombrio envolveu seus dedos.
De repente, Ramon foi consumido por uma onda de dor insuportável. Ele gritou, mas o som parecia ser engolido pelo vazio. Imagens começaram a surgir em sua mente, cada uma mais vívida e aterrorizante do que a anterior.
Ele viu Ellie novamente, seu choro e desespero, enquanto era somente uma recém nascida, testemunhando o sofrimento de sua mãe. Viu o sangue que manchava suas mãos, os gritos, o desespero. Viu também maldição que colocou no bebê quando fez o ritual… Mas havia mais. Viu sua própria infância, a rejeição, a pressão, os primeiros sinais de sua loucura.
Viu seu pai, tentando desesperadamente reprimir o lado sombrio dele, fazendo de tudo para torná-lo alguém bom. E também viu o seu desprezo e sua decepção, por quem ele havia se tornado…
— Você não é vítima das circunstâncias, Ramon — disse Damien, sua voz ecoando na mente de Ramon. — Você é o próprio mal que consome tudo ao seu redor.
Damien observava Ramon, a figura caída diante dele, reduzida a um amontoado de fraqueza e desespero. Ele se aproximou lentamente, o som de seus passos ecoando no ar pesado que parecia engolir todo o resto.
— Você é o próprio mal que consome tudo ao seu redor — disse Damien, com a voz baixa, mas carregada de poder. Ele fez uma pausa, os olhos queimando com uma intensidade que parecia atravessar a alma de Ramon. — E eu sou aquele que traz sofrimento para os maus.
A declaração pairou no ar, como uma sentença inescapável. Ramon tentou se erguer, mas a força que antes alimentava seu orgulho e sua resistência parecia ter sido drenada, deixando-o à mercê do deus à sua frente.
Damien inclinou-se levemente, aproximando-se do rosto de Ramon.
— Você se acha esperto, não é? Um semideus com sangue de guerra correndo em suas veias, mas, no fundo, não passa de um animal que sucumbe aos seus instintos.
Ramon tremeu, o peso daquelas palavras caindo sobre ele como um martelo. Ele abriu a boca para responder, mas a presença esmagadora de Damien parecia roubar o ar de seus pulmões.
— Olhe para mim. — A voz de Damien era um comando absoluto, impossível de ignorar.
Ramon hesitou, mas lentamente ergueu o olhar. Quando seus olhos encontraram os de Damien, ele sentiu como se estivesse olhando para o próprio abismo. Lá dentro, havia fúria, dor e algo ainda mais aterrorizante: julgamento.
— Você diz que quer proteger sua família — continuou Damien. — Mas diga-me, Ramon, o que um monstro como você poderia realmente oferecer a eles? Amor? Segurança? Você acha que o sangue em suas mãos não vai manchar as deles?
Ramon apertou os punhos, uma raiva sombria começando a borbulhar em seu interior.
— Eu posso mudar… — murmurou ele, quase inaudível tentando desesperadamente salvar sua a sua vida. — Eu posso ser melhor.
Damien ergueu uma sobrancelha, e um leve sorriso de escárnio surgiu em seus lábios.
— Mudar? Você não entende, não é? Sua essência é podre, Ramon. Não há redenção para o que você é.
O semideus sentiu um nó se formar em sua garganta. Ele sabia que Damien estava certo. As correntes que haviam sido quebradas não apenas libertaram suas memórias, mas também revelaram sua verdadeira natureza. A máscara de bondade que ele usara por tanto tempo agora estava destruída, e o que restava era a sua verdadeira face, a face sombria e repleta de horrores.
— Então… o que você vai fazer comigo? — perguntou ele, a voz trêmula.
Damien permaneceu em silêncio por um momento, estudando-o como um caçador que avalia sua presa.
— Você não merece misericórdia, Ramon. Mas eu não sou tão simplista quanto você. Eu não apenas destruo. Eu julgo.
Com um movimento de sua mão, Damien ergueu Ramon no ar como se ele fosse uma marionete. O semideus lutou inutilmente contra a força invisível que o mantinha preso, sua respiração se tornando cada vez mais difícil.
— Você tirou a vida de uma mulher inocente, destruiu uma família e marcou a alma de uma criança com cicatrizes que nunca desaparecerão — disse Damien, sua voz crescendo em intensidade. — Agora, você enfrentará as consequências.
Ramon tentou responder, mas a pressão sobre ele era esmagadora. Sua visão começou a embaçar, e ele sentiu como se sua própria alma estivesse sendo arrancada de seu corpo.
Damien se aproximou mais, seus olhos brilhando com uma luz dourada ameaçadora.
— Eu carreguei o peso das memórias de Ellie, senti sua dor e testemunhei sua perda. E agora, você sentirá o peso de seu próprio pecado.
Com essas palavras, Damien estendeu a mão, e uma energia sombria começou a envolver Ramon. Era como se todas as atrocidades que ele cometera estivessem voltando para assombrá-lo, cada grito, cada lágrima, cada momento de sofrimento.
— Você será julgado, Ramon — declarou Damien, a voz como um trovão que sacudia o mundo ao redor. — E sua punição será viver pela eternidade com monstros dez vezes, cem vezes e milhares de vezes piores que você.
Além de sentir toda a dor, todo o terror, e todo o sofrimento que o homem, a mulher e bebe sentiram com uma intensidade mil vezes maior.
Você é um homem de sorte Ramon, eu completei mil anos recentemente, então o número mil é como uma misericórdia para você, sinta-se grato.
Ramon gritou, um som primitivo e cheio de agonia, enquanto a energia o consumia. Quando Damien finalmente o soltou, ele caiu no chão, exausto, mas com uma expressão de absoluto terror nos olhos.
Damien se afastou, sua presença ainda tão avassaladora quanto antes.
— Eu não sou como você, Ramon. Não sou um assassino sem propósito. Seu sofrimento eterno, será sua sentença. Seu julgamento está encerrado.
E, com isso, Damien virou-se e desapareceu na escuridão, deixando Ramon sozinho. Bem, ao menos o corpo dele estava ali. Com uma alma artificial, se passando pelo marido e pai bondoso. Sua alma, no entanto, tinha sido enviada para um lugar sombrio, repleto de escuridão.
----------------------------------------
E em um piscar de olhos, uma dor insuportável começou a corroer toda a alma dele, jogando-o ao chão, deixando ele incapaz de se mover.
E antes que percebesse, outras centenas de almas estavam envolta dele.
Entre elas, demônios, bestas, animais. Mas o pior de todos, era sem dúvidas, as almas humanas… seus olhares estavam ardendo em luxúria, suas bocas estavam derramando rios de saliva.
Era como se ele fosse o alimento mais suculento que já havia sido provado em séculos. E era realmente isso.
A dor, o desespero, o sofrimento só pioravam cada vez mais, mas sem dúvidas o que mais o afetava, era o medo.
E só aumentou ainda mais quando a alma do homem que estava cheia de luxúria começou a se aproximar dele.
Jogado ao chão negro, sem conseguir se mover, Ramon ficou desesperado. Tentando fugir, mas não adiantava. O homem o conquistou.
E foi quando o homem rasgou as roupas que protegiam o corpo de Ramon com incrível facilidade.
“Vai ficar tudo bem agora, deixa que eu cuido de você” - disse o homem como se estivesse fazendo um grande favor.
Logo em seguida, o homem se despiu progressivamente, e se mudou do corpo de Ramon…
Por todo o submundo poderia ser escutado o grito e o lamento daquela alma deplorável que acaboua de chegar. E assim Ramon passou toda a eternidade com seus novos companheiros.