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PRISÃO DO ADORMECIDOS

Aquele até poderia ser um belo local, mas havia algo nele que destruía essa possibilidade, o que não afetava os mais adormecidos. Ele era um lugar amplo e verde, como um pasto, que descia com suavidade em um ângulo perto de 30º.

Eu, como quase sempre, estava com o meu amigo bem no topo, vendo os muros e o pequeno portão que havia no centro do muro, na parte inferior do campo.

Olhei a volta como sempre fazia, e confirmei, com tranquilidade, que continuava preso.

Era um dia como outro qualquer, cismei, juntando como se preciosidades fossem pequenos grãos de areia que brilhavam. Aquilo realmente era muito importante, pensei, relembrando o pequeno montinho da minha riqueza, escondido sob uma placa de grama, no canto que eu chamava de lar.

Ainda bem que eu e meu amigo éramos muito discretos e cuidadosos quando encontrávamos ou pegávamos esses preciosos grãos, porque muitos eram espancados e obrigados a entregar seus tesouros a outros.

Nós dois éramos, sem dúvida, muito espertos.

Porém, um dia em que tudo mostrava indícios de que seria como os outros dias, logo no nascer do dia, senti como se meus olhos se abrissem, porque, sem explicação alguma vi realmente que aquele lugar era uma prisão, e isso passou a me incomodar. Depressa pensei nas riquezas que tínhamos escondidas, e por mais estranho que fosse, não lhes vi valor, a não ser a revelação de que era apenas um pequeno monte de areia.

Confuso e controlando minha estranheza olhei para o meu amigo e vi que ele estava como sempre estivera. Seus olhos pareciam baços e se moviam lentamente pelo espaço do lugar, não tendo nem mesmo sido alertado pelo que me ocorria, o que só aumentou o meu pavor e a minha desdita.

Eu estava nesse pânico controlado quando, de repente, vi uma forma de luz ao meu lado. Estranhamente, sem nem mesmo me dar conta disso, do espanto passei a encará-la com normalidade. De sussurros passei a ouvir frases curtas, gentis e suaves, que tentavam amenizar a agonia que cada vez mais me torturava.

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Olhei para o meu amigo, e o vi agindo como se eu tivesse deixado de existir, ao que, estranhamente, não dei importância.

Algo estava mudando em mim, e as coisas antes tão importantes e valiosas pareciam perder a cor e o próprio valor. Algo em minha alma estava se alterando, e isso parecia normal enquanto se alterava.

Devagar tateei minha alma, e surpreso notei o quanto, em pouco tempo, havia me alterado, o que agora encarava com imensa naturalidade.

Então, incentivado por aquela presença mágica comecei a descer o suave morro, até que me vi na parede abaixo no campo. Em sua companhia cismava sobre minha prisão até que, de súbito, me surpreendi ao não ver uma seção da parede. Ressabiado fui até lá, quando vi do outro lado um mundo vasto e colorido. Olhei a forma de luz, sentindo um incentivo por parte dela para que eu ultrapasse a imaginária linha do muro. Então a voz foi suavizando enquanto a forma ia se dissolvendo na luz do dia.

Porém, antes que a forma de luz se fosse eu ouvi: tudo vai dar certo. Ouça seu coração e confie.

Então, aceitando que aquele dia era realmente mágico, avancei o pé direito e atravessei aquela sessão. Foi como uma concussão suave percorrendo todo o meu cérebro, e eu ri feliz ao sentir que minha mente ia se clareando. Surpreso num primeiro momento, entendi que eu estava real e definitivamente livre.

Me voltei e olhei para os velhos companheiros de prisão que zanzavam sem rumo no morro verde. Eu ri vitorioso, rindo deles por se sentirem presos, sendo que nem muro havia no morro em que se espremiam.

Eu me preparava para ir embora quando parei, os pensamentos varrendo o meu cérebro. Então me virei para eles, pensativo. Cismei ainda por algum tempo, ser de luz que agora eu era.

Vi, entre aqueles que se julgavam prisioneiros, um ser pesado e triste se tornar um pouco diferente, como se pensasse sobre sua condição. Ainda pensativo procurei pelo meu amigo, e vi que ele estava ainda absolutamente adormecido. Sorri tomado de compaixão por ele, e me fixei novamente no ser que parecia estar despertando. Como um jato suave de luz fui até ele. Assim que me aproximei e me coloquei ao seu lado, sorri agradecido quando ele se virou e me viu, porque eu sabia que ele despertava.

Nos segundos que se foram, do espanto ele passou a me ver com naturalidade, até que passou a me ouvir. Feliz olhei à volta, e vi muitos seres de luz como eu, tentando ajudar os que desejam acordar de suas prisões.