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Capítulo 7: Onde eu não conheço e esqueço

Um andar pesado, pés que se arrastavam e braços cansados, um corpo que estava em pé por pura determinação de não tocar a areia que só com os grãos empurrados pelo vento caindo sobre a pele seca já o causavam grande dor e agonia.

O estresse de caminhar pelo deserto escaldante, deixando um rastro entre aquele terreno plano, sem pedras, arbustos ou montes, somente o horizonte e o céu azul, era colossal, a frente a visão de duas cores, azul e amarelo, as vezes claros e outras, quando antes acompanhadas pelo escurecer e clarear repentino da sombra de sua mão, escuras.

O suor não escorria, não havia mais poros que se considerassem “abertos”, já se faziam três dias, três dias sem água, três dias sem comida, três dias à deriva e aquele garoto que nada conhecia se mantinha com vida.

Onde eu não conheço e esqueço

Mirabelle em queda livre segurou Miguel com força, mas um forte vento lateral fez ele escorregar de seus braços e os separou.

— Na- Não! — jogada para o lado, rodopiou até que se endireitou em pleno ar e mesmo com os movimentos comprometidos tentou se aproximar de Miguel que se afastava ainda mais.

— Eu consigo! Eu consigo! — Seu poder não respondia, a força que tinha não era suficiente para o puxar e quanto mais se aproximava do chão, mais se afastava do garoto.

— Vamos! — Inclinou o corpo e desceu rapidamente cortando o vento forte, ela não conseguia mirar corretamente e a desestabilização era demais para seu corpo, mas mesmo assim conseguiu ficar abaixo de Miguel e nisso abriu os braços e com o arrasto conseguiu novamente segura-lo.

— Isso! — Sorriu e virou-se. — Agora deixa eu- — agarrou-o pela cintura usando as pernas e rasgou um pedaço do vestido com as mãos e o usou para se amarrar nele.

Os ventos laterais eram fortes e toda a movimentação os fizeram ficar descontrolados. — Droga! — Miguel era mais alto e pesado que ela para que conseguisse se estabilizar e começaram a girar. — O que eu faço!? Meus poderes não respondem! Eles foram cor- Isso! — Tentando estender os braços sem perder o garoto, viu uma fina linha ligando seus corpos, partículas quase imperceptíveis que se dispersaram rapidamente.

— Tem que dar certo! Tem que dar certo! — Ela olhou no rosto de Miguel desacordado e mirou em seus lábios. — Eu não acredito que estou fazendo isso! — e o beijou.

Uma explosão de energia, uma onda tão grande que fora presenciada por todos a mais de dez milhas de distância e ofuscou a luz do sol, aconteceu. Naquele dia em que uma parte do céu se escureceu, dos mais comuns viventes aos seres mais poderosos, todos presenciaram uma nova entidade chegando em suas terras.

A energia que armazenava em seu corpo era imensa, Luz começou a emanar de seus olhos, raios saiam de sua pele e quando contraiu e relaxou as costas, as asas se mostraram.

O arrasto era muito para suportar, a dor que sentiu foi imensa, o corpo de Miguel começou a escapar de suas mãos, suas asas pareciam estar prestes a romper — Aaaa! — A dor delas se torcendo eram tamanhas que se desequilibrou, girando a cada pancada do vento

O garoto se soltou. — Na- Não! Não! — o desespero tomou conta de si que agora estava a menos de uma milha do chão, cegamente deu um mergulho rápido, tão repentino foi o movimento que suas asas torceram de vez, sem se importar com a dor extrema mordeu os lábios e continuou, suas roupas em frangalhos pareciam que iriam esfarelar com a velocidade mas em um relance ela o agarrou e caíram os dois estolando, as asas que tinha se desfizeram no ar e ela continuou o mergulho. — Vamos! vamos! Vamos! Por favor!

Um vento forte soprou sobre a areia, um rastro estava se formando e uma nuvem de poeira se levantou por onde Mirabelle e Miguel passavam sobrevoando a centímetros de distância do solo.

— Isso! Isso! Isso! Hahaha! — Felicidade, Um sorriso de alegria e uma forte alívio, tão rápido estavam que viam seus reflexos na miragem das areias escaldantes daquele deserto.

— Esta- estamos- e salvos! os- — Começou a inclinar levemente para a esquerda e antes que percebesse os olhos pesaram e fecharam, seus músculos e sentidos esmoreceram, as asas desapareceram e os dois giraram e caíram na areia.

— Eu conseg- Eu- — Suas forças se extinguiram, a repentina energia que ganhou tinha se esvaído e ela desmaiou em cima de Miguel.

Uma respiração intensa, uma contração do corpo o ranger dos dentes, uma agonia na pele.

— Urgh! — Um sentimento de ser preenchido por uma força maior, um grande peso sobre o corpo que o pressionava, câimbras, músculos dormentes e o pior, areia no olho.

— Aaaaaaa! — Gritou o garoto que pulou e se debateu, rolou pelo chão e quando se levantou esfregou os olhos tentando parar a irritação qual agravou mais.

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Tentou estabilizar a respiração, acabou caindo de joelhos e vomitou, o pouco do que restava em sua barriga foi jogado em sua frente junto a pedaços de sangue coagulado.

— Urgh! O- o- — levantou novamente e aos poucos parou de arfar e se acalmou, olhou frente e o deserto o olhou de volta.

— Onde eu estou? Eu- eu- — Coçou a cabeça. — Eu… Urgh!!! — enquanto tentava entender as coisas imagens apareceram em sua mente, uma dor aguda o fez cair no chão, como se mil estacas estivessem sido enfincadas em sua cabeça, nem puxar os cabelos enquanto se debatia na areia fazia com que aquela dor desaparecesse, aquilo só teve fim quando um nome veio a sua mente.

— Emília! Emília! — cambaleou e levantou-se novamente, caiu e levantou, trupicou e finalmente se pôs em pé segurando nas pernas, vomitou novamente e ergueu o rosto.

— Onde eu vim parar? Emília? Hã? — olhou para o lado e deu um salto para trás, caiu de bunda no chão e se arrastou alguns metros para trás.

— O- O- O- O queeeee!? — Miguel se assustou ao ver Mirabelle de relance em sua frente, e correu que nem um cachorro na direção oposta, mas não demorou a perceber que ela não só não o seguiu como permanecia deitada.

— E- Ela está morta? — Estava exitoso, mas quando se aproximou, tocou as bochechas dela, mas não houve reação, então pôs o rosto próximo ao nariz dela, onde sentiu uma fraca respiração.

— Aaa! — Saltou novamente para trás quando confirmou que estava viva, olhou para ambos os lados e tentou pensar em algo, mas mesmo que só ouvisse o vento soar em seus ouvidos junto ao som da areia que carregava, a expressão no rosto dele não mudou, suas roupas eram balançadas por essa brisa, mas o calor não o permitia deixar de suar.

Quando se deu conta de que não adiantaria pensar, pegou Mirabelle nos ombros e começou a andar e em frente foi.

O tempo então passou e ele andou, andou tanto que não soube distinguir quantos passos havia dado, nem quantos horas ou dias haviam se passado, mas os pés não vacilaram e nem os braços cansaram, porém sua mente, sua mente duvidava. Duvidava da capacidade dos pés de dar tantos passos, dos ombros de segurarem tal peso, dos braços de se manterem firmes e dele mesmo de continuar resistente a seus desejos de ceder ao cansaço.

O calor deu lugar ao frio, a fraca brisa que malmente ventilava o corpo deu lugar a uma forte ventania e o céu azulado ficou avermelhado, mas estava difícil de perceber isso, obstinado em seguir em frente, somente se deu conta da baixa temperatura quando sentiu Mirabelle tremer em suas costas.

As roupas dela estavam todas rasgadas, malmente cobriam suas intimidades, ela estava muito exposta ao clima. Ele parou, seu rosto não aparentava emoções, seus olhos estavam opacos e seu cabelo estava bagunçado, suas feridas não eram tão profundas mas não haviam sido totalmente curadas, algumas estavam vermelhas, outras escuras e outras roxas.

Desceu a garota, tirou a camisa e a cobriu com ela, então pôs-a em seus braços e voltou a caminhar noite adentro.

Entre o vento noturno o som de sua respiração forte se destacava, uma fumaça quente saia de sua boca e quando com muito esforço conseguia esticar até perto, esquentava as mãos e segurava em Mirabelle trêmula, a mantinha perto de si para amenizar o frio, mas seus braços estavam gélidos e começaram a perder a firmeza junto aos ombros que sentiam o peso que carregavam.

O vento o derrubou, bufou e cuspiu fora a areia que tinha entrado na boca, mas se desesperou pois a garota havia rolado um pouco para longe e a visão estava muito ruim devido a um repentino aumento dos ventos e sua voz rouca saiu quase que como grunhindo — Cadê Ela!? Cadê Ela!?

Ele correu de um lado para o outro, mas não enxergava nada até que tropeçou em algo e caiu novamente de cara na areia, ele se arrastou na direção do objeto que tinha tropeçado e se deparou com a garota desacordada, a camisa na qual ela estava coberta se soltou e começou a voar, o garoto correu para pegá-la e conseguiu, mas novamente se viu perdido.

— Por favor! Por favor! — Ajoelhou-se e fechou os olhos, acalmou a respiração e em seguida os abriu e começou a se arrastar na direção oposta e viu uma sombra entre a areia voando, quando se aproximou, confirmou que era Mirabelle, um alívio se abateu sobre ele que a cobriu novamente, a pós em seus braços e continuou noite adentro por aquela tempestade com sangue escorrendo de seu rosto por ter acertado a única pedra exposta naquela imensidão.

Uma luz penetrou a tempestade e aos poucos o vento enfraqueceu e os grãos de areia que eram jogados no seu rosto diminuíram, o horizonte novamente foi visto, mas a luz que viu não era amarela, estava cinza, o solo estava cinza, tudo ficou como se preto e branco o mundo fosse e um clarão apareceu, um raio desceu, um estrondo alto se sucedeu e no rosto sentiu um toque úmido.

Em um minuto uma forte pancada de chuva caiu sobre ele que abriu a boca para o alto, a garotinha que se molhava sentiu mais frio ainda e isso logo preocupou quem a carregava, apreensivo, correu a procura de um abrigo, mas não viu nada, olhou para os lados mas não enxergava direito, começou a sentir seus pés afundar e ficou cada vez mais difícil andar, cada passo era uma tortura, a chuva continuava, poças da água se formavam nos buracos deixados por suas pegadas.

Aos poucos a água chegou nos seus dedos do pé, calcanhar e tornozelo, logo estava em sua cintura e uma forte correnteza começou a puxá-lo para trás, mas se manteve firme perante a natureza, mesmo ela o forçando a ceder.

Segurando a garota em seus braços, nadou contra a correnteza, mas ela se tornou tal que o empurrou e sem mais nem menos ele foi arrastado pela enxurrada. debateu-se de um lado para o outro e tentou desviar das pedras pontiagudas que surgiam em seu caminho, esquivou-se dos troncos, galhos, pedaços de ferro, espadas, picaretas, facas, baús e tábuas, itens dos mais variados sendo arrastados pela correnteza em sua direção.

Tentou e tentou, mas suas forças estavam acabando, respirar havia se tornado um sufoco, seus braços não o seguiam e sim a vontade de proteger a garota, seus ombros não seguravam mais nada, só eram arrastado a onde os braços levavam, suas pernas, bem, elas agora se viam livres do peso de duas pessoas, mas sem forças para nadar contra uma forte correnteza e repletas de hematomas dos objetos que as acertavam.

Aos poucos cessou os movimentos e seu corpo afundou, suas esperanças se desfizeram e entre a água que começou a entrar pela boca enquanto afundava, tentou erguer Mirabelle o máximo que podia para que não se afogasse.

Um impacto abrupto nas costas o fez emergir, quando se bateu com uma grande montanha para qual a correnteza o levou, se agarrou nas pedras, cuspiu, gorfou e se apoiou, tentou ao máximo subir, mas os pedaços de pele morta o fizeram escorregar.

Em um esforço sem tamanho agarrou novamente as pedras e subiu, mas escorregou, suas mãos ficaram vermelhas com o sangue que escorreu dos cortes que se abriam toda vez que segurava a uma pedra pontiaguda.

Foi custoso mas conseguiu escalar com as mãos e o corpo completamente ensanguentados e alcançou uma parte plana até onde a água não havia chegado e ali, entre fortes chuvas, raios e trovões, desmaiou.

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