A dor se revolvia no meu coração, toldando meus sentimentos, destruindo os cuidados que eu tinha, para comigo e para com os outros. Precisava achar uma forma de deixá-la ir-se.
Ela veio em silêncio e se sentou ao meu lado. Com cuidado tomou minha mão e olhou dentro dos meus olhos. Havia pesar neles, mas havia também carinho, amor.
- O que você fez, meu bem?
Eu a olhei, sem entender aonde ela queria chegar.
> Eu soube que quase foi preso, Noah...
Eu abaixei a cabeça, pensativo. Era um assunto no qual eu não queria entrar.
- Deixe para lá, Ema. Não deu em nada, e tudo foi esquecido. Sou um ficha-limpa, como um recém-nascido – ri baixinho, levantando meus olhos para ela. – Vamos deixar quieto, está bem?
- Eu vi as fotos dos caras - ela contou. Suspirei com pesar. Não queria que ela soubesse o que eu havia feito. Mas, como evitar? João de Deus, o delegado, era muito amigo das nossas famílias. Apesar dos meus pedidos para que deixassem Ema for a daquilo, eu sabia que um dia ela acabaria sabendo. Bem, até aceitei bem isso, porque não gosto de ocultamentos, de mentiras. Então suspirei novamente e dei de ombros.
- Já foi, Ema. Acabou. Agora só temos que cuidar de nós, e ver o passado tal como ele é: um conjunto de lembranças, lembranças que podemos deixar que nos machuquem, ou não. Nós escolhemos, entende? Vamos deixar.
- Está bem, meu querido, está bem. Obrigada – agradeceu, os olhos totalmente molhados, enquanto se aproximava e chorava em meu ombro, tal como eu chorava no dela.
A Ema ainda continuava no hospital, sob a atenção do seu pai. Eu estava abalado, mas também estava desejando algo para aliviar minha dor.
Eu seguia a polícia discretamente que estava à caça dos criminosos, me ocultando pelas vielas do bairro de Zuma, um dos lugares mais perigosos de Itajubá. A noite estava bem avançada, e havia uma lua em crescente no céu, o que dava uma iluminação muito parça ao mundo. Era um ambiente propício para a maldade se sentir inteira – pensei, enquanto via a polícia se aproximar e cercar uma casa.
Eu estava ali não buscando vingança ou retaliação, mas apenas para conferir que todos os envolvidos pagassem pelo que tinham feito às minhas duas amigas.
Eu estava todo vestido de preto, tal como minha alma estava quieta, oculta em sombras.
Eram apenas dois policiais que haviam encontrado o endereço após dar um aperto em um cara num ponto de droga. Eu sabia que haviam pedido reforços, mas eles resolveram se adiantar e tentar capturar os três, provavelmente com receio que desaparecessem novamente.
Quando eles arrombaram a porta e entraram, um pela frente e outro pelos fundos, dois deles foram pegos, porque não conseguiram revidar ou fugir, machucados que foram pela Ema e pelos que acorreram para ajudar as duas.
Mas o terceiro pulou uma janela e correu.
Eu observei a cena. Um dos policiais, o mais velho, rendeu e ficou com os dois, enquanto o mais jovem deles saiu em perseguição do que esfaqueara a Ema.
E desse eu também fui atrás, decidido a que, se o policial o alcançasse e rendesse, eu deixaria assim, e iria embora sem que ninguém percebesse que eu estivera por perto. Mas, se ele conseguisse escapar...
Ele era rápido e ágil. Apesar de estar bem machucado, ele parecia ser mais resistente. Ele se esgueirava por vielas e porque, sempre atento ao seu entorno. Parava e continuava a correr, em muitos momentos pulando terreiros de casas e passando por cima de telhados.
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Ele já havia dado uma grande distância da casa que ocupara quando, silenciosamente, sentou-se para descansar num beco sujo e malcheiroso, onde o esgoto corria a céu aberto.
Para azar dele, ele não percebera que esse beco era um beco sem saída, e cercado por muros altos.
Vendo que o policial perderá o rastro dele eu me revelei, bloqueando a saída do beco. A lua estava atrás de mim, e eu podia ver seu rosto sem muita dificuldade.
Assim que me viu ele se levantou rapidamente, ficando de frente para mim, a postura de confronto. Em seu rosto havia um sorriso maldoso.
Ele era forte e ágil, e ele confiava demais em si mesmo.
- O que é que é, seu? Que é que você quer, mano?
- Vim fazer você pagar – falei quase em um sussurro.
- Ora, mano... Sei bem o que você quer. Quer ser minha mulherzinha, é isso, seu. Pois vá embora. Não quero agora... – riu.
Eu apenas avancei.
Ele levantou o punho e tentou me acertar. Eu segurei seu pulso e o puxei com violência, neste golpe deslocando seu ombro, enquanto lançava sua cabeça contra a parede.
Ele urrou de dor e ódio, sacando a faca com a outra mão, tentando me atingir, a mesma faca com que atingira a Ema
Peguei sua mão e a fechei com força em torno do cabo, usando o Sankyo do aikidô, quebrando o seu pulso com a aplicação de uma pequena força. Ainda, segurei com mais força o seu punho com a faca e a girei, descrevendo um arco com toda a força que eu tinha, cravando a faca em sua virilha. Então, sem lhe dar tempo, puxei sua mão e a cravei com violência em seu fêmur.
Sorri quando um medo vestiu seu rosto. Ele olhou o sangue vertendo de sua virilha e de sua perna. Os olhos dele agora estavam como eu queria, mas eu queria um pouco mais.
Com os dedos acertei seu peito, e quando ele se curvou dei um golpe violento em suas costelas, quebrando a ponta de duas delas.
Eu o faria pagar por cada segundo de dor que causara às duas.
Como uma máquina desconsiderei seus gritos e quebrei sua clavícula esquerda, o que fez seu braço desabar.
Então, insensível como nunca pensara que poderia ser, apliquei uma sequência rápida e poderosa de golpes, em cada um deles quebrando alguns ossos, da perna, joelho e a ponta do fêmur.
Me afastei, para dar tempo a ele de observar e sentir sua própria destruição.
Ele agora estava de joelhos no chão, suas costas apoiadas no muro, seus olhos molhados de dor, o horror em seu rosto, a respiração apressada, forte e falhando.
Me aproximei bem lentamente, meus olhos mirando sua garganta. Eu antevi meu golpe; eu o veria morrer bem lentamente, afogando-se em seu próprio sangue.
Quando o peguei pelos cabelos e deixei sua garganta à mostra, pousei meus olhos em sua traqueia.
- Parado, paradinho aí – ouvi a voz atrás de mim.
Fiquei quieto, identificando que havíamos sido alcançados pelo policial mais jovem.
Por alguns segundos falei para mim mesmo que ninguém poderia me impedir de aplicar um golpe nele, que não teria como ser salvo. Mas havia uma outra voz, que agradecia a intervenção do policial porque, em meu íntimo, não era aquilo que eu desejava.
Então baixei minha mão. Soltei o bandido e me afastei dele.
- Nossa! – sussurrou o policial vendo o estrago que eu fizera.
- Vai, se afaste. Fique ali, encostado no muro, de joelhos e com as mãos sobre a cabeça – ordenou, o que obedeci.
Logo chegaram reforços, que nos algemaram, levando-o para o hospital e, a mim, para a delegacia.
Quando entramos João de Deus, o delegado, me olhou com repreensão.
- Entendo, mas não aceito, não de você, Noah. Vá para a sala, que eu vou chamar seus pais – falou, a voz seca e dura.
Demorou quase uma hora, quando entraram os meus pais e os pais de Ema. Eles me abraçaram chorando, todos bem grudadinhos em mim.
Não falamos nada, apenas ficamos ali, quietos, deixando as lágrimas descerem.
O delegado entrou e se sentou conosco.
- Eu conversei com o promotor e o juiz. Esse rapaz que você quase... que você prendeu – falou após uma leve tossida, - tem uma ficha corrida muito grande de maldades. Ainda bem, seu louco, que não o matou. Você tem que ser muito grato ao soldado Virgílio. Ele te salvou de muitos problemas. Mas resolvemos que você pode ir para casa sob pagamento de fiança...
- Que eu vou pagar – Raul falou com firmeza, que ninguém ousou contestar.
- Certo... Bem, acho que você vai ter que pagar algumas semanas em trabalho voluntário, e tudo será apaziguado. Nada constará de sua ficha, filho. Agora, Raul, aqui está o boleto para pagamento da fiança. Providencie depois, e tudo estará certo. Agora, vão para casa, e cuidem desse menino. Cuidem vocês todos de suas almas, de suas dores. Agora é conosco, está bem?
Após os agradecimentos pela ajuda de João de Deus, da porta me virei e sorri em agradecimento, no que ele retribuiu.
- Vá com Deus, filho. E se cuide...
- Obrigado, e agradeça ao Vírgilio por mim – murmurei baixinho.
- Claro. Agora vá... – falou, abanando a mão lentamente.
Meu pai, com suavidade me puxou, e fomos embora, todos aliviados por tudo ter acabado da melhor forma que poderia.
- Ah, Noah – Ema chorou, levantando rosto que prendeu em mim, os olhos doloridos presos nos meus. – Se tivesse acontecido algo com você, qualquer coisa, eu me sentiria ainda mais culpada, mais destruída – lamuriou.
- Me desculpe, Ema. Me desculpe – foi só o que consegui dizer, sentindo o peso de um silêncio dolorido que envolvia o meu coração.
Então puxei seu rosto, e ficamos assim, por um bom tempo, as testas encostadas, apenas um vendo as lágrimas do outro que caíam no tampo da mesa.