Eu encontro linhas pela vida, esticadas em tempos de que já não me lembro bem. Sinto seus pulsos, pressinto a importância que têm para o caminho. Sigo então, na vida que se estica, no tempo que que se estica no tempo pensado e acarinhado.
Uivo rasgou o pequeno manta de um lado a outro, enquanto mantinha os outros três sob atenção. Então sorriu, ao ver aquela sombra espessa descer com violência sobre um, enquanto uma farpa destruía um outro. Se virava para encarar o terceiro quando viu uma demiana atingir o solo ao lado do demônio, rasgando-o com um golpe simples e fluído.
Uivo recolheu suas garras após conferir que o grupo de demônios que procurava cercar a comitiva fora totalmente destruído. Sorriu um pouco abatido quando LuaEscura se virou e foi se adiantando para o seu lado. Cumprimentou-a com o ar meio distante, se virando para examinar a bela demiana que também se aproximava. Ela tinha os cabelos arroxeados, os olhos violetas como uma ametista e um olhar franco e determinado. Ficou confuso, ao ver que ela acompanhava sua amiga juguena.
Pelos modos dela soube que LuaEscura devia ter contado muita coisa dele. A demiana parecia estar avaliando-o, medindo-o enquanto se aproximava. Aquela devia ser uma grande guerreira, sentiu.
- Uivo, está é Arael. E ela é uma demiana – cumprimentou LuaEscura assim que pararam à sua frente.
- Um prazer, Arael. Acho que já sabe que sou o Uivo - sorriu. - Bom ver vocês duas juntas - cumprimentou.
- O pumacaya, que é um demônio, neto de um demônio ainda vivo... Sim, ouvi muito sobre você, Uivo. Mas, por que é bom nos ver juntas? – Arael estranhou parando à sua frente, examinando Uivo discretamente. Ali, à sua frente, apenas via uma pessoa. Era como um puma, sentia, mas parecia ser uma simples pessoa, a não ser pela fina pluma de névoa que parecia rescender dele. Ficou tentada a observar com mais cuidado, para ver o demônio de que contara a juguena, mas resolveu deixar as coisas se mostrarem por si mesma.
- Sim... A LuaEscura aqui não é uma dêmona muito fácil de se fazer amizade – sorriu abatido.
- É verdade – LuaEscura deu um sorriso franco. – Eu quase matei a ele e a Allenda, a flor-do-mato de que te falei - esclareceu.
Então LuaEscura prestou mais atenção em Uivo, e viu que algo não estava bem.
> Ora, Uivo, o que aconteceu?
- Como assim, LuaEscura? – perguntou se sentando no chão pedregoso do morro.
- Você está muito abatido. O que aconteceu? – perguntou novamente, enquanto as duas se sentavam ao seu lado.
- Lembra de RoupaSuja e BraçoDePedra?
- Claro, BraçoDePedra e RoupaSuja... – ela reconheceu os nomes, a voz escapando bem lentamente, imaginado o pior. – BraçoDePedra é um ellos potaraobi, e RoupaSuja é um anjo. Eles lutaram conosco contra demônios e fantasmas, junto com a comitiva onde está Allenda – explicou para Arael. - O que aconteceu com eles, Uivo?
- Eu senti há pouco que eles foram mortos. Eu os procurava, e não os encontrava. Então, senti suas energias se dispersando, e soube que foram mortos.
- Mas, eles eram poderosos demais. Como podem ter sido mortos? Foram atacados por muitos?
- Só ouvi um nome, LuaEscura. Mas, sei que é egoísmo meu, desejar que continuassem vivos, mas eram bons amigos. Eles, pelo que vi, morreram com muita honra. Eles estavam dando forças à um demônio. E também senti que quem os matou, também matou o demônio que se dizia meu avô – contou.
LuaEscura observava Uivo com atenção.
- Se morreram em batalha, foi uma morte honrosa. E quanto ao seu avô, que bom que se foi. Vai dever isso a quem o despachou.
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- Quanto ao meu avô, tudo bem.... Mas, quanto aos dois, acho foi mais que isso, LuaEscura. Eles procuravam o demônio não para o confrontarem, mas para tentarem ajudá-lo. Eles se sacrificaram, o que os torna ainda mais honrados. Vou sentir imensas saudades dos dois.
Arael sentiu um frio percorrer suas entranhas.
- Qual é o nome desse demônio, Uivo? – perguntou.
- Senti que o nome dele é Mercator...
LuaEscura deixou a cabeça pender, os olhos passando por Arael, que tinha os seus tristes e abatidos.
- Você o conhece, Uivo?
- Não, LuaEscura. Ouvi algumas coisas dele, mas nunca o vi, nunca o conheci.
- Planeja ir contra ele, Uivo? – Arael perguntou, a voz distante e pensativa.
Uivo suspirou, os olhos pesados no horizonte dourado da manhã que nascia.
- Não, não pretendo procurá-lo. O destino dos três pode não ser o meu...
LuaEscura o examinou, e viu a razão. Sentiu pelo amigo.
- Teme que, se enfrentar um demônio como esse, o seu assuma o controle?
Uivo estreitou os olhos e os plantou nos de LuaEscura.
- Consegue me ler muito bem, juguena – sorriu triste, por fim. – Mas, é verdade o que falou. Pelo poder que senti nele eu teria que me poderar em toda minha possibilidade. E acho que um pouco mais que isso – falou após um breve momento de silêncio. – Em todo o caso, além de que em nada eu mudaria o que aconteceu, que foi por escolha deles, eu ainda colocaria em risco muita coisa...
- Que bom que está maduro assim, Uivo – parabenizou LuaEscura. – Nós conhecemos esse Mercator, e você está certo em não ir contra ele. A força e o desnorteio dele iria exigir toda a escuridão que você possui para fazer-lhe frente. E acho que um pouco mais.
Uivo, repentinamente, ao saber que por elas poderia encontrar Mercator, se tornou mais alerta, a atenção retesando os músculos, o que não passou despercebido para as duas.
No entanto, vendo a repreensão nos olhos da juguena, relaxou, sorrindo novamente.
- Mercator não é o que pintam, Uivo – falou Arael. – Vai ouvir que ele é um louco, que sabota a própria evolução. Mas, ele apenas está mergulhado em si mesmo. Ele apenas quer silencio, para ficar ouvindo as perguntas que sua alma faz. Por ele, ele ficaria isolado nas montanhas sem nunca ver ninguém, a não ser as pequenas flores que planta. Ele apenas reage se alguém ou alguma coisa se aproximar demais, o que deve ter acontecido com os seus amigos.
- Sim, eu vi isso. Eles o procuraram, e se aproximaram demais – reconheceu Uivo.
- É realmente o que deve ter acontecido. Mercator apenas reagiu.
- E eu posso dizer que deve ter sido assim. Eu mesma me senti encorajada a me aproximar pelo jeito quieto e distante dele, e quando ele reagiu, nunca vi tamanha explosão de ódio e desprezo. Eu estava para morrer quando Arael surgiu e o acalmou, e ele me viu. E então me deixou viver.
- Você o controla, Arael? – Uivo perguntou, a estranheza em seu olhar.
- Não, não o controlo. Mas, ele se acalma quando estou por perto – reconheceu, um pouco sem-jeito.
- Eu conheço um outro demônio assim – riu LuaEscura debochada, o que fez Uivo sorrir abertamente.
- Está certo... Também ouvi algo assim. Namorados? – sorriu amigável para Arael.
Arael o observou, os olhos sorridentes.
- Não, Uivo. Eu não sei o que é, mas... A verdade é que ele é especial para mim.
- Pelo que sinto de você, demiana Arael, ele deve ser muito especial. Espero um dia encontrá-lo. Juro que não o tratarei como inimigo – sorriu, ao ver a preocupação nos olhos das duas.
- Obrigada, Uivo.
- Esse cara aqui, Arael, como já te disse, é também um demônio, e de muito, muito poder, que se obriga a ser fraco por medo do que pode ser. Mas, quando uma certa flor-do-mato se aproxima...
Arael riu e abaixou a cabeça.
- Isso é mesmo verdade, Uivo?
Uivo ficou em silêncio, observando as duas, um sorriso denunciando-se no canto da boca.
- Ah, ...
E ficou com a mente pensativa, escorrendo para longe. Em sua mente apenas o sorriso de Allenda, sua voz e seus modos. Sua alma cresceu e sorriu, ao ver como as duas, divertidas, o observavam.
- Viu, Arael? É tal como o Mercator. Mas, esse aqui sabe, e o Mercator ainda não - riu LuaEscura. – E não vem dizer que não é assim, porque até mesmo você se modifica quando Mercator está por perto.
- Ora, LuaEscura, isso não é verdade... – reclamou.
- Não? Verdade? – desafiou.
Arael ficou observando-a por algum tempo. Então capitulou.
- É que ele pode ser tantas possibilidades... Quando ele se decidir a ser vai mudar muita coisa...
- Viu só, Uivo? Dá até para ver Allenda falando isso...
- Allenda, que nome bonito, Uivo. Será que eu posso conhecer os seus amigos?
Uivo examinou Arael, e depois pôs os olhos em LuaEscura, avaliando a reação da amiga.
> Teme que Mercator se aproxime da comitiva, por minha causa? Eu entendo, Uivo, e aceito isso. Tudo bem....
- Essa é uma verdade, Arael – Uivo reconheceu. – Mas, sabendo do que LuaEscura contou, de que ele apenas quer ficar sozinho, pensando, procurando, não vejo como pode ser perigoso para a comitiva. E, em todo o caso, seria bom para a comitiva te conhecer, não seria? – sorriu. – Se acaso ele se aproximar, sentir sua energia na comitiva poderia suavizar seu demônio... Eu estava indo para lá. Será um grande prazer ter vocês em minha companhia. O que acham? – perguntou se erguendo e se poderando um pouco mais em pumacaya de sombras.
- Ah não – reclamou a juguena. – Só um pouquinho do demônio? Assim você vai ser lento demais...
- Se é o que acha... – riu se impulsionando com um grito festivo pela campina que dominava o morro, tomando a direção do Sudoeste.