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Sombras do Sangue [ Português - Brasil]
Capítulo 3: Fuga pelas Sombras

Capítulo 3: Fuga pelas Sombras

Sylara

A floresta se curvava ao redor dele. Não como árvores ao vfento, mas como um animal que detecta um predador em seu território e se mantém alerta. Era quase imperceptível, mas havia algo nos galhos, nas sombras e até no chão sob nossos pés que parecia hesitar quando ele estava sentado.

Kaelorien andava com a confiança de alguém que sabia exatamente onde estava indo, mas eu não consegui afastar a sensação de que ele não precisava de caminhos. Era como se a floresta fosse um reflexo dele — selvagem, perigosa e silenciosamente poderosa.

Atrás de mim, as árvores sugerem se fechar, seus arbustos enroscando-se uns nos outros, como se quisessem impedir qualquer pensamento de retorno.

— A floresta não gosta de invasores — ele disse, quebrando o silêncio sem sequer olhar para trás.

— Eu percebi — respondi, tentando manter a calma, mas sentindo o suor frio na nuca. — Mas ela parece gostar de você. Ou temer você.

Ele parou por um momento, os olhos roxos cintilando à luz fraca das faíscas flutuantes ao nosso redor.

— A diferença entre respeito e medo é uma linha tênue. Aqui, sou ambas as coisas.

Um arrepio percorre minha espinha. Ele continuou a andar, como se suas palavras não pesassem tanto quanto deveriam, mas algo no ambiente ficou mais pesado. As sombras agora apontadas me observar diretamente, e eu senti que era minha vez de ser avaliada.

Não demorou muito até que chegássemos a um arco natural, formado por raízes e troncos de árvores antigas que se contorciam como braços levantados para o céu. A passagem emanava um brilho suave, como se houvesse vida pulsando ali.

Kaelorien parou antes de cruza-la e se virou para mim.

— Não diga nada até que ele fale com você — sua voz era firme, quase afiada. — E, acima de tudo, não minta. Ele verá, e as consequências não serão bonitas.

— Ele quem? — Minha voz é tão pequena, mas ele já estava atravessando o arco.

Quando o segui, fui engolida pela luz dourada que iluminava o outro lado. Minha falha ao ver o homem de cabelos brancos longos, sentado casualmente em um trono esculpido diretamente do que parecia ser a base de uma árvore gigante. Uma venda dourada cobria seus olhos, mas sua postura, ereta e majestosa, era a de alguém que via muito além do que qualquer outro poderia imaginar.

Kaelorien inclinou levemente a cabeça, como um sinal de respeito, e falou sem hesitação:

— Apresento-lhe Sylara, última herdeira do trono de Tharviel.

Mordo meus lábios, apesar de ele estar de venda sinto o olhar dele me examinando de cima a baixo. Ele descruza as pernas antes de olhar diretamente para mim.

— A última? Pelo que os vento me contou, existe um imperador sentado no trono. — Meu corpo gela ao ouvir ele mencionar meu tio.

— Tem um imperador, mas nos dois sabemos que ele é apenas um falso imperador e a verdadeira herdeira do trono está aqui. Acontece que ela não sabe nada sobre sua linhagem.

— Nada? A história deve ser contada de imperador ou imperatriz para o herdeiro. Quantos anos você tem garota? — Engulo seco sem saber se devo responder ou não.

— Responda ele. — Kaelorien sussurra para mim.

— Tenho 15 anos. — Tento não deixar minha voz tremer.

— 15 anos? 15 anos? Ela ainda é uma criança, isso explica por que ela não sabe sobre sua linhagem.

As palavras do homem soam como um golpe inesperado, cortando o silêncio denso da floresta ao nosso redor. Sinto meu corpo se tencionar, mas não reajo, mantendo a postura que me restou. Ele falou com a frieza de quem já experimentou o sofrimento de muitos antes de mim, e um vazio se espalhou por dentro. Como ele ousa chamar minha juventude de fraqueza?

Kaelorien, ao meu lado, solta um suspiro quase imperceptível, mas seu olhar é inflexível. Ele sabe que esse jogo de palavras está apenas começando. Tento ignora-lo, focando completamente no homem à minha frente, mas não posso evitar a sensação crescente de vulnerabilidade. Tento manter minha voz firme:

— Eu sou mais do que você imagina.

Ele só sorriu por baixo da venda dourada, como se soubesse exatamente o que pensei, como se as minhas palavras não significa-se nada diante da verdadeira história que ele guarda.

— Ah, tenho certeza de que você acredita nisso. A juventude sempre pensa que tem controle sobre tudo. Mas não. Não até aprender a história do seu sangue, do seu passado... que é mais sombria do que você pode suportar.

E é quando ele se levanta do trono esculpido com as raízes de árvores antigas que algo na sua presença se transforma. Ele emite uma calmaria gelada, uma energia contida que percorre a sala como um rio denso. Cada passo dele reverbera como se ele fosse mais do que simplesmente humano, e os feéricos nas sombras, ainda que invisíveis, parecem aguardar sua ordem, mesmo sem palavra.

Eu o encaro, tentando controlar os tremores em meu corpo, mas os símbolos no seu corpo, delicadamente gravados como se fizeram parte dele, brilharam em uma luz suave, sutil e incompreensível para mim. O líder dos feéricos — o homem que rege sobre as forças que eu não compreendo. Cada movimento seu exala poder, poder como o vento carregando promessas de caos e mudança.

Kaelorien finalmente quebra o silêncio:

— Ela ainda não entende que não é só uma herdeira de um trono, mas uma herdeira de algo muito maior.

O homem de cabelo branco e a venda dourada fala mais uma vez, sua voz com uma calma que parece invadir meus próprios ossos.

— A linhagem de Sylara não é só sangue, é também o véu de um destino esquecido. Mas antes que ela possa reivindicar seu lugar, terá que encarar aquilo que mais teme: o que há dentro dela mesma. O trono de Tharviel não pertence apenas a quem herda o sangue, mas a quem pode carregar a própria escuridão que o acompanha.

As palavras do homem ecoam nas profundezas da minha mente, me inquietando. Eu não esperava ouvir isso. “Esconder a escuridão dentro de mim?” Me sinto subitamente pequena diante dessa revelação.

Kaelorien faz um movimento que sinto mais do que vejo, um gesto silencioso para que eu continue, um lembrete de que agora sou o único que posso responder.

Meus olhos se apertam, buscando alguma resposta no vazio que esse homem de cabelos prateados exala. Não sei o que ele vê atrás de sua venda, mas sei que ele pode me ver, como se nada escapasse à sua visão aguçada. Eu nunca gostei da sensação de ser comprovado dessa forma. Ele sabe demais.

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— Que você faz parte de um jogo maior que nem imagina — ele prossegue, suas palavras flutuando como veneno no ar — não faz de você forte. Apenas faça de você um peão em um tabuleiro antigo, jogando uma partida onde os jogadores são muito mais velhos e muito mais astutos do que qualquer ser humano pode entender.

Cada palavra sua parecia me apertar mais o peito, como se estivesse entrando em uma caverna escura onde eu jamais poderia encontrar a saída. A sensação de estar em desvantagem me consumia lentamente, mas minha resistência estava no jogo, e eu sabia que não podia deixar transparecer o que, por dentro, estava desmoronando. Eu tinha que manter o controle.

Kaelorien, que até agora estava calado, assumiu uma postura que parecia quase desinteressada, mas seus olhos roxos, sempre carregados de sofrimento e mistério, encontra com os meus. Pareceu como se ele tivesse informações de algo que eu ainda não entendi. Ele sabia onde minhas forças estavam prestes a desabar, e isso não o ajudou.

O homem à nossa frente, aquele que parecia um deus entre os feéricos, inclinou levemente a cabeça, sua venda dourada balançando suavemente. Era como se a postura dele fosse a própria representação do tempo e das eras que ele carregava, silenciosa e cheia de um poder quase palpável.

— A verdadeira herança de Sylara não é o trono de Tharviel, mas algo muito mais perigoso — ele continua, a voz fria como a pedra antiga. — Ela será desafiada por algo que não se compra ou se herda. A prova de sua linhagem será feita não por poder, mas por dor. A única maneira de se tornar o que ela deve ser enfrentar o pior dentro de si, e ver sua própria escuridão. Aqueles que buscam o poder nem sempre têm a força necessária para controla-lo.

Por mais que tentasse manter o controle, senti uma inquietação profunda enraizar-se dentro de mim. Não era medo. Era... curiosidade. Mas uma curiosidade macabra, algo que me chamava para um abismo do qual eu não sabia se queria sair. Eu ainda não sabia qual era o "pior dentro de mim", mas estava começando a questionar se isso fazia parte de um caminho que eu estava destinado a trilhar, independentemente da minha vontade.

— O que você quer que eu faça? — Eu finalmente dei o passo de perguntar, minha voz embargada.

O homem comunicou por baixo da venda, uma expressão que transbordava personalidade — como se já tivesse informado da dúvida que eu estava carregando.

— Você vai aprender. — A resposta foi simples, mas cheia de significados velados. Como um aviso silencioso que parecia abarcar todo o peso de tudo o que estava por vir.

Kaelorien não se mexeu, mas sua expressão também não ajudou em nada. Ele sabia que estava apenas começando um jogo de xadrez onde as peças ainda estavam se movendo, e ainda que eu fosse a herdeira de Tharviel, não havia alguma garantia de que aquele trono me pertencesse. O poder que eu almejava estava além das muralhas do reino, mais profundo do que qualquer conspiração no palácio, mais sangrento e mais perverso do que eu poderia imaginar.

Ainda com os olhos fixos no homem de cabelo branco e olhar oculto, deixei as palavras relacionadas em dentro de mim. Vejo ele fazer um sinal, um movimento quase imperceptível com a mão, e antes que eu pudesse compreender o que estava acontecendo, o ambiente ao meu redor começou a mudar. A floresta, com suas sombras e galhos que se curvaram, se desfez, e fui engolida por uma sensação de vazio por um momento. O chão sob meus pés parecia assustador, uma sensação de deslocamento rápido e inesperado. E então, sem aviso, a realidade ao nosso redor se reconfigura.

O lugar onde agora não tinha nada de natural. Não estava mais na clareira da floresta ou ao pé das árvores antigas. O espaço que se formou ao meu redor era uma grande sala, imensa e sóbria, como um palácio isolado das limitações do tempo e do espaço. As paredes eram feitas de pedras de um coração profundo, quase negra, entrelaçadas com raízes que aparentemente pulsar e respirar de uma forma que os humanos não podiam compreender. Não havia janelas, apenas fissuras escuras nas paredes por onde a luz se filtrava, criando uma penumbra macabra que tomava o lugar inteiro.

O ar era denso, carregado de um aroma estranho, amadeirado e úmido, como se estivesse respirando dentro de um corpo vivo. O chão de pedras polidas refletia a pouca luz que havia no ambiente, tornando a sensação de estar em um túnel eterno ainda mais intenso. Cada passo que eu dava ecoava com força no silêncio absoluto, uma quietude tão pesada que parecia ameaçar engolir qualquer som, qualquer movimento, como se o próprio ambiente estivesse observando.

No centro da sala, uma grande mesa de madeira escura, entalhada com símbolos antigos e incompreensíveis, se estende como o único móvel no ambiente. Em cima dela, havia livros e pergaminhos distribuídos, baratos com uma precisão meticulosa. Atrás da mesa, uma cadeira alta — imponente, sólida, fria como o aço — ocupava o centro do espaço, e foi para ela que o homem de cabelo branco agora se passasse, movendo-se como uma sombra.

Eu observava em silêncio, tentando compreender, tentando conectar os fios da minha mente com a nova realidade que estava diante de mim. Um lugar longe de qualquer sentido lógico, onde cada detalhe parecia estar ali com um propósito, mas um propósito que eu não pude discernir. Nada naquele ambiente se sentia normal, nem mesmo os meus próprios movimentos, como se não estivesse mais no controle do que acontecia.

Enquanto as palavras de Elarion ecoavam pelo ambiente, senti algo que não era familiar — um peso diferente daquele que vinha carregando desde a queda do trono. Não era o peso de luto ou vingança, mas algo... primitivo. Algo que fazia cada parte do meu corpo resistir e, ao mesmo tempo, aceitar que ali, naquela sala de sombras e silêncios, tudo era maior do que eu poderia compreender.

— Enfrentar a própria escuridão — murmurei para mim mesma, repetindo as palavras dele.

Eu nunca acreditei em destinos. Palavras de profetas, lendas contadas para crianças à beira do sono, eram todas distrativas para alguém que precisasse sobreviver em um mundo como o meu. Mas agora, aquilo parecia diferente. A maneira como ele disse, como se já soubesse todas as escolhas que eu faria, me desarmou. Fiquei me perguntando se o destino era mesmo um fio imutável... ou apenas mais uma mentira que eu precisava dobrar para o meu lado.

Meus olhos percorreram o ambiente novamente, tentando buscar um ponto de fixação na vastidão daquela sala. Foi então que notei, em uma estante ao fundo, algo que não deveria estar ali.

Uma coroa repousava entre cristais opacos, moldada em um metal prateado que parecia estar vivo sob as luzes tremeluzentes. Suas bordas não eram lisas, mas cortantes e tortuosas, e algo em suas formas parecia... pulsar. Quando dei um passo involuntário em sua direção, quase toquei o ar ao redor do objeto, que parecia mais denso.

— Curiosa? — Kaelorien interrompeu meu momento de deslumbre, sua voz abrupta me trazendo de volta à realidade. — Você não deve tocar. Não agora.

— O que é isso? — perguntei, tentando soar desinteressada, mas falhando miseravelmente.

Elarion se inclinou em seu trono, o leve som do movimento ressoando mais alto do que deveria. Ele não olhou para o objeto, mas sua presença parecia aumentar junto ao peso daquele ambiente.

— Você acha que seu trono está perdido, mas eu vejo algo diferente. Este é apenas um dos fragmentos do que está por vir. O sangue em você não se conforma apenas em ser real — precisa ser reivindicado.

Antes que pudesse perguntar o que ele queria dizer, as sombras ao redor do salão começaram a mover-se, como folhas sob o vento.

— Sylara de Tharviel — ele continuou, sua voz como uma sentença implacável —, este é apenas o começo. Sua linhagem exige um preço, e suas escolhas serão aquilo que determinará seu legado. Verdades não são dadas; são ganhas.

Senti o olhar invisível de Kaelorien sobre mim, mas ele permaneceu calado. Ele já sabia. Era impossível não perceber a tensão no ar, como se todos ali aguardassem a minha reação. Engoli em seco, me obrigando a manter o queixo erguido.

— Que escolha eu tenho? — perguntei, forçando uma firmeza que eu não sentia.

Elarion inclinou levemente a cabeça, como se tivesse esperado exatamente essa pergunta.

— Vá. Procure nas sombras aquilo que você perdeu. Quando retornar, traga respostas — e não perguntas

Antes que eu pudesse perguntar o que ele queria dizer, Elarion levantou a mão com um movimento deliberado, e as sombras no ambiente pareceram reagir. De repente, tudo ficou mais escuro, como se o próprio ar fosse drenado de luz.

Kaelorien se moveu para o meu lado, mas manteve o rosto impassível, embora eu sentisse a tensão no ambiente crescer ao nosso redor. Elarion voltou a falar, e dessa vez sua voz era um sussurro que parecia ecoar diretamente em minha mente.

— O caminho não será dado a você, Sylara. Ele será mostrado... e você precisará sobreviver.

Antes que eu pudesse perguntar o que aquilo significava, o chão abaixo de mim começou a tremer. Olhei ao redor, confusa, mas Kaelorien se aproximou e agarrou meu braço com firmeza.

— Está começando — ele murmurou.

— O que está começando? — minha voz saiu mais alta do que eu queria, ecoando na escuridão crescente.

Mas Elarion não respondeu. Sua figura parecia se misturar à penumbra, enquanto as paredes do salão desapareciam. A luz fraca dos cristais apagou-se, e o mundo ao meu redor tornou-se apenas sombra. Senti meu coração acelerar enquanto algo — ou alguém — parecia me puxar para frente, para longe de Kaelorien e do que restava do salão.

Elarion foi a última voz que ouvi, cortando o silêncio como uma lâmina:

— Descubra se você é digna de carregar o sangue que corre em suas veias. E descubra rápido. As sombras não esperam por ninguém

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