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Sombras do Sangue [ Português - Brasil]
Capítulo 2: O Legado Perdido

Capítulo 2: O Legado Perdido

Sylara

A dor veio antes da consciência. Cada músculo do meu corpo protestava ao menor movimento, enquanto meu peito subia e descia em respirações rasgadas. A terra sob mim era úmida e fria, e as folhas quebradas exalavam um cheiro terroso que quase mascarava o ferro do meu próprio sangue.

Meu primeiro instinto foi abrir os olhos, mas não havia muito o que ver — escuridão. Não apenas a ausência de luz, mas algo mais profundo, quase palpável, como se a própria floresta carregasse um propósito sombrio.

"O que eu era agora?" pensei. Uma princesa sem coroa. Uma filha sem pai. Uma herdeira sem reino. Cada batida do meu coração sussurrava vingança, mas, ao meu redor, o silêncio parecia zombar de mim.

Antes que pudesse erguer meu corpo, o som de folhas esmagadas sob botas firmes cortou a quietude. A voz rouca que ouvira antes voltou, baixa, deliberada, como se falasse diretamente ao meu medo.

— Levante-se, antes que a floresta decida se livrar de você.

Com esforço, ergui a cabeça, encontrando uma silhueta alta, envolta em sombras que pareciam moldar-se à sua presença. Ele estava a poucos passos, mas os olhos — intensos como fogo crepitando em âmbar escuro — destacavam-se da penumbra.

— Quem... quem é você? — Minha voz falhou, mas mantive o olhar firme.

Ele não respondeu, mas algo brilhou em sua mão: uma adaga antiga, delicadamente entalhada com símbolos que pareciam... familiares.

E foi naquele momento que eu senti. Não apenas uma conexão vaga, mas algo vivo dentro de mim, um calor estranho no peito que pulsava como uma força há muito esquecida.

Este não era um encontro casual, e, ao me levantar, soube que as perguntas que carregava sobre o trono eram apenas o começo. O que quer que estivesse guardado naquela floresta, estava conectado ao sangue que corria em minhas veias.

—Quem eu sou não é importante, o importante é que você não deveria estar aqui... Humanos não entram aqui fazem séculos. — Consigo sentar-se no chão quando ele se agacha ficando a minha altura e segura meu queixo entre os dedos gelado dele. — A pergunta é. Quem é você?

— Meu nome é Sylara Elyndra Tharviel, filha do Aeltharion Tharviel o vigésimo sexto imperador.

— Eu não perguntei de quem você é filha e sim quem era você — Ele solta meu queixo, sinto o olhar dele pelo meu corpo, apesar de estar completamente escuro em volta. — Parece que seu povo a abandonou e jogou você aqui.

— Eu não fui abandonada.

— Tem certeza? Você foi jogada aqui e ainda diz que não foi abandonada? — Escuto a risada fria dele. — Ou você é burra ou muito ingênua... talvez os dois. — Ele levanta me puxando para cima.

— E quem é você? — Tento me manter de pé, mas estou com todos os ossos do meu corpo dolorido.

— Eu? Apenas vamos dizer que sou no momento te deixando viva. Agora você tem apenas duas escolhas Anûre vim comigo e sobreviver ou ficar aqui e ser engolida pela floresta.

— Anûre? — Nunca tinha ouvido essa palavra antes. Escuto ele rir suavemente.

— Um apelido... qual será sua escolha? — Olho para ele, consigo ver roxo reluzente nos olhos dele. Eu sabia que eu não tinha de fato uma escolha.

— Vou com você.

— Ótima escolha Anûre. — Ele envolta minha cintura com a mão dele, sinto cheiro de metal antes uma fumaça ser envolta de nós, quando dei por mim não estávamos mais na floresta e sim em um tipo de sala.

Meus olhos foram imediatamente atraídos pela luz pulsante dos cristais suspenso no ar, iluminando a sala em tons de lilás e dourado. Tudo parecia imenso, mas não excessivo. As paredes de preda negra, com veios brilhantes que pareciam respirar, transmitiam uma sensação de poder antigo, quase vivo.

No centro, uma poltrona de madeira escura se erguia como um trono improvisado, cercada por mapas e livros que exalavam mistério. As sombras ao redor dançavam suavemente nas bordas da minha visão, como se guardassem segredos que só ele conhecia.

Não era apenas uma sala; era algo além disso. Um espaço que parecia parte dele, tão enigmático e imponente quanto ele. E, pela primeira vez, sentir o ar ao meu redor pesar, como se estivesse preste a cruzar um limiar perigoso, um ponto sem volta.

— Onde estamos? — Tento conter o tremedor da minha voz.

— Gosto de chamar aqui de meu lugar secreto..., mas pode chamar de minha casa.

— Por que me trouxe aqui?

— Tantas perguntas que você tem. Se quer que eu deixasse você na floresta? Posso te deixar lá novamente. — Balanço a cabeça negando. — Foi o que imaginei. Você ficará aqui até eu achar um local mais seguro.

— Por que está me ajudando?

Ele ficou em silêncio por um momento, os olhos fixos em mim com um misto de curiosidade e resolução. Aquilo me irritava mais do que suas palavras — aquele olhar que parecia querer dissecar algo dentro de mim.

— Não me considero generoso — ele disse finalmente, a voz baixa, quase reverberando no espaço. — A floresta não é uma inimiga, mas também não é um lugar gentil. Se está vivo, há algo em você que lhe interessa mais do que só sua linhagem.

Seus olhos olham iluminando as sombras ao nosso redor, brilhando em tons que eu não consigo nomear. Recostou-se na poltrona, como se estivesse perfeitamente à vontade na minha presença, e isso me irritou mais.

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— Não estou interessado em enigmas ou metáforas — retruquei, tentando manter uma firmeza na voz. — Se sabe algo sobre mim, sobre o que acontece em Tharviel, fale logo.

Ele mostrou um jeito quase imperceptível, como se divertisse com a minha confiança.

— Você fala como quem deveria conhecer a própria história, mas tudo o que carrega são as cinzas do passado. Que vergonha.

Aquilo fez meu peito apertar. Quis retrucar, mas me contive. Não era suficiente para atacar alguém como ele sem saber a extensão de sua força... ou seus objetivos.

Meu olhar vagou pela sala, buscando qualquer traição que me ajudasse a entender quem, ou o quê, ele era. Foi então que vi os símbolos nas paredes, gravados nas pedras negras. Não os reconhecia exatamente, mas algo neles parecia pulsar dentro de mim, como se fizessem parte de um código perdido há muito tempo em minhas memórias.

— O que são esses históricos? — Perguntei, tentando ignorar o nó que se formava em minha garganta.

— Fragmentos de um passado que você deveria conhecer melhor do que ninguém — ele respondeu, sem tirar os olhos de mim. — Talvez esteja na hora de aprender.

Uma pulsação percorreu meu corpo, partindo do peito, como se algo dentro de mim finalmente despertasse. Eu soube, naquele instante, que aquele encontro não era casual. Seja o que fosse, ele sabia mais sobre mim e sobre a linhagem do que eu jamais imaginei.

E aquilo o tornava tanto uma ameaça quanto uma promessa.

Tento respirar fundo, mas consequências daquela minha queda está começando a mostrar. — Talvez... devesse começar com o seu nome. — Escuto ele rir baixo.

— Tão apressada para saber quem eu sou. Meu nome é Kaelorien, não tenho sobrenome, vivo o bastante para meu sobrenome não ser importante.

Quando ele fala seu nome, algo nele começa a mudar. Sua presença já era imponente, mas ao deixar aquelas palavras caírem de seus lábios, houve uma transformação silenciosa. O ar ao seu redor parecia se curvar, e uma energia mais pesada, mais densa, se estreitava, como se sua simples pronúncia tivesse o poder de marcar o início de algo maior. Era como se o nome de Kaelorien carregasse um peso ainda mais profundo, ainda mais assustador.

Os chifres que emolduravam sua testa eram mais longos agora, mais presentes, como se cada detalhe de seu corpo fosse uma peça insubstituível de um quebra-cabeça impossível de decifrar. Seu olhar, antes carregado de mistério, se aprofundou de maneira que meu coração se abriu. Não consegui dizer se ele estava me observando com intenção ou apenas como se me estudasse, como uma presa, ou talvez… algo ainda mais distante.

Eu respirava mais fundo, tentando manter minha postura, mas seus olhos roxos não deixavam espaço para outra coisa além dele. Ele não era só belo, mas existia de uma maneira que transcende tudo o que eu conheço. Aquelas marcas em seus braços não estavam mais ocultas — brilhavam suavemente, cada símbolo quase dançando sob a luz. Seu corpo, esculpido em poder e tensão, parecia representar tudo o que ele havia sido e tudo o que ainda seria.

Kaelorien não era só um homem, nem uma besta. Ele era algo acima disso. Algo que se move entre a sombra e a luz, algo imortal que simplesmente existia — poderoso, inatingível, e agora, definitivamente, impossível de ignorar.

Mas ali, com ele na minha frente, havia uma parte de mim que queria perguntar mais, queria entender o que se escondia por trás daqueles olhos penetrantes, aquela força inquietante. E, apesar de todos os meus desejos de resistência, parte de mim queria saber quem ele era.

— Um lembrete, Anûre — ele começou rompendo o silêncio entre nós. — Você pensa que quer respostas. Mas nem todas as verdades venceram ser descobertas.

Algo no tom dele, entre ironia e uma seriedade quase cruel, fez meu estômago revirar. Mantive meu queixo erguido, como se meu orgulho fosse suficiente para esconder o tremor em meus dedos.

— E por que eu confio em você para decidir isso por mim? — querendo, encarando-o.

Kaelorien inclinou levemente a cabeça, os chifres capturando a luz pulsante dos cristais ao nosso redor. Ele abriu um sorriso que não alcançou os olhos e respondeu, com a paciência exasperante de alguém que já sabia o final de uma história.

— Não precisa confiar em mim. Precisa apenas entender que carrega algo muito maior do que a sua vontade... ou a sua vingança.

Fiz menção de replicar, mas ele se seguiu, caminhando em direção ao espelho estranho no fundo da sala. Sua superfície não reflete o ambiente como deveria. Pelo contrário, parecia mostrar fragmentos de algo que não compreendi, como memórias de partidas de outro mundo.

— Olhe — ele disse, apontando para o espelho.

— Por que eu...

— Apenas olhe — ele cortou, a voz mais firme.

A relutância me percorreu como um arrepio frio, mas aproximei-me do espelho. Quando vi minha imagem, meus olhos — não dourados como o sol, mas como chamas vivas naquele reflexo — começaram a brilhar.

Não era eu. Pelo menos, não é uma pessoa que eu conheça.

O espelho parecia distorcer meu rosto, mostrar algo que eu poderia ser, ou algo que fora deixado para trás. Uma figura da linhagem perdida, marcada pela magia proibida que agora eu sentia pulsar dentro de mim, ainda que nunca tivesse acreditado que ela pudesse ser real.

Me afastei um passo, mas Kaelorien continua imóvel.

— Eles esperam por você — ele disse finalmente, a voz reverberando na sala como um eco. — E você não pode fugir disso.

— Quem... quem está me esperando? — Minha pergunta saiu mais fraca do que eu gostaria, meu peito ainda apertado pelo que tinha visto no espelho.

Kaelorien enviou uma mensagem. Não é um sorriso amigável ou reconfortante, mas algo entre o irônico e o inevitável.

— Os Feéricos. Eles não esqueceram sua linhagem, Anûre, por mais que você tenha.

Meu corpo enrijeceu. As histórias sobre os Feéricos eram sussurradas até mesmo dentro do palácio. Criaturas poderosas, imprevisíveis, com códigos e jogos que nenhum humano compreenderia completamente. A ideia de me aproximar deles cheios de um frio quase instintivo que percorreu minha espinha.

— E você acha que você simplesmente... confia que eles me ajudarão? — querendo, tentando esconder o tremor em minha voz.

— Não espero que confie neles — Kaelorien respondeu, um brilho sombrio iluminando seus olhos. — Mas preciso deles. Assim como eles precisam de você.

Antes que você pudesse protestar, ele protegeu uma das mãos. A sala ao nosso redor começou a vibrar com uma energia que não compreendi. As paredes desapareceram em segundos, devoradas pela penumbra da floresta. O ar mudou, denso e cheio de umidade, enquanto os sons de pássaros e vento ecoavam ao longo.

Estávamos na floresta sombria novamente, mas não no mesmo lugar. Algo nesse pedaço da floresta era diferente: um brilho estranho serpenteava entre as árvores, como fios de luz que emitiam sussurros. Era um som melódico e inquietante ao mesmo tempo, que mexia com algo dentro de mim.

— Bem-vinda — ele disse suavemente, seus chifres brilhando sob a luz esverdeada — à Terra dos Feéricos.

A visão à minha frente roubou minha capacidade de falar. As árvores abriram caminho para uma clareira onde uma luz mágica dançava no ar, envolvendo formas que remetem ao mesmo tempo humano e impossível. Criaturas de proporções perfeitas, com pele cintilante e olhos que mencionam carregar o universo inteiro, observaram nossa chegada de longe.

Meu coração acelerou. Eu não sabia que eram aliados ou ameaças, mas havia algo claro: não havia como escapar. E, no fundo, uma parte de mim sabia que este lugar, tão belo e perturbador quanto perigoso, seria a chave para desvendar tudo o que eu precisava saber.

— Espero que não se perca facilmente — Kaelorien murmurou enquanto continuava a andar. — Os Feéricos não têm paciência para indecisos.

Eu engoli em seco, obrigando meus pés a seguir. Não era hora de hesitar.