O campo infértil, sob um dia nublado, se estendia, testemunha silenciosa de um cenário macabro: sangue jorrando, corpos de soldados inerte em cada canto. Membros desmembrados — pernas, braços, cabeças — espalhavam-se como a sombra da morte. Contudo, em meio ao caos da carnificina, centenas de guerreiros persistiam, engalfinhados em uma dança letal de lutas, feridas e mortes. Naquele campo de batalha, a civilidade cedia espaço aos obscuros anseios do coração humano.
No campo de batalha, uma figura destacava-se entre os soldados: Kam. Empunhando uma espada de mão dupla, ele trespassava peitos, decepava cabeças e dividia homens ao meio, sem vacilar. Seus olhos castanhos refletiam um semblante impiedoso, imerso na prática da carnificina, enquanto ele se entregava à guerra incessante.
No chão, um dos soldados, vestido com uma armadura de ferro revestida de cota de malha, encontra-se prostrado, seu corpo trêmulo refletindo a angústia. Seus olhos, repletos de lágrimas, fixam-se em Kam, ao seu lado, desferindo golpes com sua espada em vários outros soldados. Em breves instantes, Kam volta sua atenção para o jovem soldado caído, dirigindo-se em sua direção.
— Sai! Sai de perto de mim! Eu… não vou morrer para você — gritou o soldado, que se rastejava para trás enquanto soluçava de medo e tremia de ansiedade.
Kam deteve-se diante do homem, soltando um simples suspiro seguido por um largo sorriso. Empunhando a espada, desferiu um golpe vertical que ceifou metade da cabeça do soldado.
A ferida jorrou sangue como um chafariz, o corpo contorceu-se no solo por breves instantes antes de se imobilizar, encerrando a vida daquele desafortunado e inútil soldado.
O fragmento daquela cabeça rodopiou pelo ar e pousou próximo ao pé de outro soldado que observava a cena. Os olhos daquela porção de carne pareciam ainda lacrimejar, porém essa efêmera manifestação cessou quando um dos pés do soldado observador inadvertidamente esmagou e fragmentou aquela parte, dispersando-a em vários pedaços.
— Ha Ha Ha! Não sabe o que é piedade, né? — perguntou o misterioso soldado, enquanto se aproximava lentamente, aplaudindo o que acabou de presenciar.
Com sua estatura imponente de quase 3 metros, músculos robustos e vestimenta em couro negro que realçava seus braços bronzeados, ornado com braceletes de prata que protegiam seus antebraços, além de uma espada curva atada à cintura, ele deteve-se diante do soldado de cabelos brancos.
— Piedade? Em um campo de guerra eu costumo chamar isso de burrice…
Kam desferiu uma estocada precisa em direção aos olhos do soldado, que, com surpreendente rapidez, empunhou sua espada curva com uma das mãos para se defender, acertando o golpe de Kam e provocando faíscas entre as espadas.
Os dois recuaram, afastando-se ao saltarem para trás, cada um exibindo um sorriso ganancioso. Os soldados ao redor, envolvidos em suas batalhas, presenciaram o encontro dos dois e, movidos pela curiosidade, cessaram seus ataques para contemplar aquele embate.
— Você é aquele que chamam de o ‘Demônio Branco’? Já ouvi muito sobre você!
— Em carne e osso! E você é aquele que chamam de ‘Braldur’, o general desse exército de merda?
— Hei! Tem uma bela língua afiada! Bom... sei do potencial de sua força. Eu te darei um cargo no meu exército. Aceitas? Seus feitos são ótimos para alguém como você…
O homem de cabelos brancos levou uma de suas mãos ao queixo, ponderou a proposta de Braldur, esboçou um sorriso no rosto e direcionou sua atenção aos corpos espalhados pelo chão. Em seguida, voltou seu olhar na direção de Braldur e proferiu sua resposta: — Hmmmm… dadas as circunstâncias, eu aceito fazer parte do seu exército.
— O que? Ah! Não pensei que seria tão fácil te convencer — falou Braldur, erguendo um grande sorriso de confiança.
— Porém, eu vou querer assumir o posto de general daqui para frente — respondeu Kam, dando um sorriso de deboche.
Braldur manifestou seu descontentamento através de um discreto revirar de olhos, um gesto sutil que antecedeu seu movimento em direção a Kam. No ápice do embate, suas espadas se encontraram, iniciando um efêmero, porém intenso, duelo de forças.
— Então, seu único destino é se juntar aos cadáveres neste chão infertio.
Kam sorriu, agachou-se habilmente e executou um giro completo para desferir uma rasteira em Braldur. Ao concluir o movimento, desferiu um vigoroso chute com a sola de seu pé, direcionado ao estômago do general que, suspenso no ar, foi projetado vários metros para trás, expelindo uma quantidade significativa de saliva.
O general se ergueu com agilidade, movido pela determinação, e, exalando um semblante imponente, avançou vigorosamente na direção de Kam. Ambos os guerreiros viram suas espadas se cruzarem mais uma vez, contudo, diante do golpe poderoso desferido por seu adversário, Kam vacilou, desequilibrando-se para trás.
O general, em meio ao desequilíbrio de seu oponente, vislumbrou uma oportunidade para neutralizá-lo. Com um sorriso nos lábios, desferiu um golpe certeiro em direção à cintura de Kam, aguardando que sua lâmina o dividisse ao meio.
Kam presenciou a iminente ameaça da espada se aproximando de sua cintura e, com astúcia, desferiu um ágil impulso para trás, realizando um mortal que o livrou por um triz do golpe iminente. No ápice de sua acrobacia, direcionou a ponta de seu pé em direção ao queixo de Braldur.
O general sentiu o golpe, afastou-se e ergueu uma das mãos ao queixo, percebendo o sangramento. Seus olhos fulguravam em fúria, tentando mais um ataque. Ele investiu em um golpe no pescoço de Kam, porém o jovem, ágil, esquivou-se e, num golpe voraz, perfurou o peito direito de Braldur com uma estocada intensa.
Kam sorriu ao observar o sangue de Braldur espirrar, tingindo os arredores e banhando a lâmina de sua espada. Contudo, ao fitar o semblante de seu oponente, deparou-se com um sorriso correspondente.
— Idiota! A luta poderia acabar agora se você não fosse tão burro.
Braldur desferiu um soco na lateral de Kam, fazendo-o soltar um grito de dor, ao mesmo tempo em que retirava instantaneamente a mão de sua espada, cravada no peito de Braldur. O general segurou a cabeça de Kam com firmeza, erguendo-a, e com uma velocidade e força extraordinárias, fez com que o crânio do jovem colidisse repetidas vezes contra o solo, resultando na formação de uma pequena cratera no local, junto com uma pequena poça de sangue.
— Agora me divirta, soldado!
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Com mão firme, Braldur extraiu a espada de Kam de seu peito, contemplando-a por breves instantes antes de descartá-la ao chão, junto de sua lâmina curvada. Seu olhar direcionou-se ao mercenário Kam, cujo sangue vertia profusamente, erguendo-se sobre ele com postura altiva. Com um vislumbre de repulsa, desencadeou uma sucessão de vigorosos socos no rosto do jovem.
Os observadores, inicialmente curiosos, viram-se tomados por um profundo temor ao presenciarem o extraordinário poder de força do general Braldur.
— Que decepção…
Braldur agarrou uma das pernas de Kam, manipulando-o como um boneco, balançando-o de um lado para o outro, fazendo com que seu corpo se chocasse repetidamente contra o chão, resultando no jorro de mais sangue de sua boca.
O general soltou Kam inconsciente no chão, pegou sua espada curva e diante do jovem, levantou sua espada para poder dar um golpe fatal.
— Adeus Demônio, guarde um lugar para mim no inferno.
Braldur desferiu um golpe vigoroso, visando dividir seu oponente ao meio. Contudo, antes de consumar seu ataque, uma espada chocou-se com a lâmina curva de Braldur, interrompendo sua investida.
O general afastou-se, surpreso com os eventos recentes. Seu olhar se direcionou ao homem responsável por salvar Kam: cabelos ruivos lisos e desalinhados, estendendo-se até a cintura, olhos castanhos fatigados, uma barba ruiva mal cuidada, trajando uma armadura escura que destacava seus braços robustos e envolto por uma capa marrom.
— Interfere na minha batalha? — gritou Braldur, furioso com o que acabou de acontecer.
— Não posso deixar você matar alguém que está lutando do mesmo lado que eu. E se eu te matar agora, além do dinheiro extra que vou ganhar por te matar sem ser por covardia, a vitória nesse campo de batalha será quase certa.
Os soldados, observando atentamente, foram tomados por uma crescente irritação diante do desenrolar dos eventos. Nesse ímpeto, alguns deles, lamentavelmente, cederam à violência, apunhalando outros pelas costas. Esse desfecho mergulhou novamente o campo de batalha em um caos desolador.
O homem ruivo e o general Braldur, ambos avançando um em direção ao outro. Suas espadas entrelaçaram-se diversas vezes em um duelo feroz, fazendo com que os soldados que lutavam nas proximidades se afastassem apreensivos.
Braldur e o ruivo, exauridos devido ao intenso embate, trocaram um breve olhar, enquanto o general permanecia sobre um monte de cadáveres, respirando profundamente, vencido pelo cansaço. O ruivo, por sua vez, observava seu adversário, apoiando sua espada no chão, valendo-se dela como uma bengala para o merecido repouso.
— Fraco demais! Mesmo com meu ferimento no peito, você não conseguiu me arranhar. Observe, a ferida até parou de sangrar. Ha Ha Ha! — falou Braldur, apontando para a ferida que Kam causou.
— Admito que você é forte demais, fico impressionado que aquele cara conseguiu te ferir desse jeito.
— Ha! Eu fiquei assustado quando ele perfurou minha carne com aquela lâmina grossa e grande. Pensei que a ponta daquela lâmina iria rasgar meu coração, mas ele foi burro demais. Tentou se exibir, quis brincar comigo e agora ele deve estar…
Antes de Braldur terminar de falar, alguém o apunhalou pelas costas, fazendo com que uma espada atravessasse o centro de seu peito. O general então solta um pesado suspiro.
Montado com os dois pés na costa do general enquanto segurava a espada, Kam — com um olho inchado, nariz quebrado, bochecha inchada — levou sua boca perto do ouvido dele, e com um olhar faminto por sangue, um sorriso cheio de raiva, falou:
— Eu devo estar, o quê? Termina de falar, vamos! — falou Kam, com um tom orgulhoso e soberbo.
— Seu verme! Era para você estar com todos os ossos quebrados. Você não é um humano normal! Você está no mesmo nível que eu…
— Cala boca!
Kam empregou sua força para manobrar sua espada, rasgando meticulosamente do meio do peito até a cabeça de Braldor, dividindo-o em dois. O ímpeto da ação fez com que uma profusão de sangue se elevasse aos céus, salpicando até mesmo o ruivo que, precavido, ergueu uma das mãos em direção ao rosto para se proteger dos respingos sanguinolentos.
— Lá se vai meu extra por não matar na covardia — resmungou o ruivo, que logo em seguida guardou sua espada dentro da bainha na cintura.
Braldur foi lançado do monte de cadáveres, rolando até chegar aos pés do ruivo.
— Pode levar o que sobrou da cabeça desse cara e pegar a recompensa para você — falou Kam abaixando a cabeça, em forma de agradecimento.
— Tá, mas você ainda vai ficar me devendo… eu queria tanto aquele extra!
— Eu não vou te dar dinheiro, se é isso que tu tá pensando.
— Não! Eu já sei! Tu pode sair comigo depois dessa guerra.
— Desculpa! Mas isso me parece estranho, eu não curto esse tipo de coisa.
— Ah, sério? Ha Ha! Desculpe-me, mas você me entendeu errado! O que presenciei de sua habilidade em combate me motivou a fazer uma proposta… uma proposta de trabalho a você! Na cidade mais próxima daqui, no primeiro bar mais perto da entrada da cidade, estarei lá depois de vencer essa batalha. Caso queira saber sobre minha proposta, apareça lá! — retrucou o ruivo.
Kam apenas balançou a cabeça, confirmando que iria lá!
Um soldado aleatório passou perto de Kam, ergueu sua espada aos céus e gritou: — O general deles foi abatido, eles não podem mais nos vencer sem um homem comandando-os! Agora chegou nossa hora! Matem todos eles! Matem!
Kam tomou um profundo suspiro para reacender suas forças, erguendo sua espada com determinação, irrompendo com agilidade através do campo de batalha, buscando ceifar mais vidas.
*****
Um mês após a grandiosa batalha, Kam adentrou em um elegante bar, onde várias luminárias pontuavam o teto de madeira, lançando uma luz suave que realçava a beleza do ambiente, ornamentado por mesas robustas fincadas no piso de pedras brancas. Os clientes, ocupando praticamente todos os assentos disponíveis, calaram-se ao divisar a figura imponente de Kam. Seus cabelos brancos, vestimenta composta por calça negra e camisa cinza, além da imponência de sua espada de dupla empunhadura, provocaram em alguns a impressão de que talvez o soldado estivesse predisposto a um embate.
No canto do salão, uma mão ergueu-se, convidando-o de maneira discreta. Kam identificou o homem ruivo, acompanhado por mais duas figuras. Com serenidade, aproximou-se do grupo, plenamente consciente dos sussurros entre os demais frequentadores acerca de sua aparência distinta.
— Pensei que não viria, pô! — pronunciou o ruivo, com a voz levemente embriagada.
— Preciso de trabalho! — afirmou Kam.
— Bom! Quem não precisa? Senta aí e pede uma coisa para beber! Gosta de cerveja?
— Não sou chegado a bebida alcoólica, sinceramente, eu prefiro um suco de laranja.
— Tanto faz! Mas antes de pedir sua bebida, quero que você conheça meu amigo, Elias Sage.
Nesse momento Kam olhou para o homem sentado ao lado do ruivo: Um homem musculoso, sem cabelo, olhos castanhos, pele negra, camisa branca, um anel no dedo anelar da mão esquerda.
— É um prazer conhecê-lo, Demônio Branco; permita-me ser chamado apenas de Sage! Já havia escutado algumas de suas histórias; imaginei que sua aparência seria um tanto mais madura.
— Já me falaram muito isso.
— Bom, essa aí nesse banco é minha irmã, Thalia é o nome dela — falou o ruivo.
Kam e Thalia cumprimentaram-se, erguendo-se e trocando um aperto de mãos. Por alguns instantes, fixaram seus olhares um no outro. O soldado contemplou os cabelos lisos, negros e reluzentes que pareciam transcender a cintura de Thalia, tão exuberantes eram, assim como sua pele sedosa e bronzeada, e os olhos grandes, tão profundos quanto a cor da jabuticaba. Seu rosto longilíneo e perfeitamente esculpido é algo genuinamente reconfortante.
O ruivo tossiu esperando que os dois parassem de se olhar, enquanto Sage apenas ria da situação.
Thalia finalmente recolocou-se no banco, enquanto Kam, ligeiramente desconcertado, acomodou-se ao seu lado.
— Tem quantos anos? — indagou Sage, erguendo-se para cumprimentar Kam com um aperto de mão.
— Tenho 16 anos de idade! — respondeu Kam, se levantando e apertando a mão de Sage.
Os três arquearam suas sobrancelhas por tamanha surpresa.
— Eita! — falou o ruivo, com um olhar surpreso.
— É! Bem mais jovem do que aparenta — brincou Sage.
— Ah, mas fique tranquilo… qual seu nome? — perguntou Thalia.
— Kam, apenas Kam.
— Tá! Fique tranquilo Kam, nenhum de nós aqui é normal — respondeu Thalia.
— Falando em anormais, eu esqueci de me apresentar, né? Bom, meu nome é…
— Eu não me importo com seu nome, apenas me diga qual o trabalho que tem para mim.
— Bom! Eu quero te contratar para trabalhar comigo, acho que um homem como você, com a força que eu testemunhei a um mês atrás, seria de grande ajuda.
— Uma baita ajuda — completou Sage.
— Trabalhar sozinho é bem chato, eu confesso que trabalhar para alguns fazendeiros enquanto o tempo de paz reina, é deprimente — afirmou Kam.
— Então…? — perguntou Sage.
— Quanto que eu vou ganhar? — falou Kam, dando um sorriso de canto de boca, colocando as duas mãos sobre a mesa.
A surpreendente prontidão de Kam em responder deixou os três atônitos. O homem ruivo retirou cautelosamente uma pequena bolsa de couro de sua cintura e a depositou sobre a mesa. Kam desatou o nó e deparou-se com diversas dezenas de moedas de ouro dentro dela.
— Essa é a recompensa pela cabeça do general Braldur. Esse dinheiro é para você, considere isso como uma garantia da minha proposta. Todos que estão no meu bando ganham conforme as cabeças que eles cortam além dos prêmios por fora que os clientes pagam, claro.
O ruivo, Thalia e Sage se levantam lentamente.
— Excelente! Se concordar com a proposta, nos encontraremos no lago mais próximo daqui, a dois dias a leste. Estarei lá aguardando por você, Demônio — disse o ruivo, virando-se e deixando o bar na companhia de seus aliados.
Kam observava a bolsa repleta de moedas quando uma jovem ruiva, trajando um avental sobre um vestido desgastado, se aproximou com uma jarra de barro repleta de suco de laranja. Em seguida, começou a recolher os copos de cerveja da mesa.
— Eu não lembro de ter feito algum pedido…
— Eu sei, é que um sujeito encapuzado pediu para entregar este suco a você, ele está ali, veja. Estranho, deveria estar lá... — disse a mulher, apontando na direção do balcão onde há apenas um senhor desacordado, com o rosto apoiado no balcão, enquanto alguns homens tentam acordá-lo.
Kam arqueia uma das sobrancelhas, emanando uma cara de confusão.