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A Espada.

À medida que os meus dedos rodeavam o cabo, sentia o meu coração bater e a terra a tremer sob os meus pés. Aquela espada era minha, não sabia porquê, nem como, mas era minha.

O meu dia começou como qualquer outro, levantei-me da cama e fui lavar a cara. Olhei-me no espelho, algo que tento evitar, visto que estou cada vez mais parecida com a minha mãe, menos as olheiras escuras que tenho abaixo dos olhos e a cor deles. 

Lembrar-me dela deixa-me sempre com ânsia, mas não consigo desviar o olhar, limito-me apenas a fechar os olhos, enquanto a minha respiração começa a acelarar e o meu coração a bater com mais força. 

Sinto suor a escorrer da minha testa, e um arrepiar pelo meu corpo inteiro. Consigo também sentir uma linha de energia a passar pelas minhas veias, uma dor que arde mas que me faz sentir adrelina como nunca tinha sentido antes.

Subitamente, essa energia é transferida para fora do meu corpo e eu vejo um vulto negro a antigir o espelho à minha frente, deixando-o despedaçado em menos de um segundo. 

"De novo não..." Sussurro e começo a descartar as "provas do crime", deitando o vidro para o pequeno lixo ao lado da sanita. 

Com isto, lavo a cara novamente e abano a cabeça. Agora tudo o que refletia eram pedaços do meu rosto, o que me deixava até mais aliviada. Respiro fundo.

Saindo da casa de banho para a cozinha, vejo que o meu pai já se encontra na sala, sentado no sofá a ver televisão, com a sua chávena de café numa mão e o comando da televisão noutra.

"Bom dia." Sinto os seus olhos em mim, mas como sempre, ele mantém-se calado e volta a atenção para as imagens no ecrã à sua frente. "Eu... parti o espelho da casa de banho sem querer..." Novamente, nada.

Suspiro e dijiro-me para a cozinha, onde começo a fazer os meus cereiais. 

Comi rapidamente e voltei para o quarto onde pude vestir a minha blusa roxa de gola alta e calças pretas. Estava a ficar frio, por isso coloquei umas meias altas e calcei os únicos ténis que tinha. 

Na casa de banho, fiz a minha higiene e quando terminei, vesti um casaco preto e coloquei a minha mochila. 

Não disse nada ao meu pai, saí e fui a andar para a escola, que era apenas 15 minutos da minha casa. Eu gostava do passeio que fazia todas as manhãs. 

Apesar da neve sempre cair sobre os meus cabelos – o que felizmente não se notava tanto já que eles eram loiros – e o meu rosto ficar sempre vermelho nas bochechas e nariz, o frio era de certa forma aconchegante. 

Enquanto andava, olhava para os sapatos a serem cobertos pela neve a cada passo que dava. Uns minutos se passam e eu sinto a necessidadede olhar para o meu relógio. Ao ver as horas, abri a boca e arregalei os olhos.

"Merda!" Sem dar conta, já estava 5 minutos atrasada, e a minha primeira aula era de matemática. A professora de matemática odiava atrasos, e o meu pai odiava cartas dos professores sobre os meus atrasos, que só por acaso, eram regulares.

Sem hesitar, começo a acelerar o passo, e nem segundos depois, vejo-me a correr, agora sempre com o meu olhar na escola. A minha respiração estava ofegante, o meu coração acelerado. 

Como é que me pude atrasar? Não demorei a comer. O alarme tocou às horas certas! Como é que-

De repente sinto a minha canela esbarrar contra algo duro, e antes de perceber o que estava a acontecer, caio no chão. Fico ali por algum tempo, com o frio da neve na minha cara e a dor na canela aumentar. 

Unauthorized duplication: this narrative has been taken without consent. Report sightings.

Coloco as palmas da mão na superfície branca e faço força para me levantar, olhando para trás, para a causa da minha queda. Parecia uma grande bola de pelo branco, camuflava-se perfeitamente com a neve à nossa volta. Parecia um... animal? 

Aproximo-me para o tocar, mas antes de o poder fazer, a criatura levanta-se e boceja, como se a pancada que me fez quase partir o nariz para ele fosse apenas um leve empurrão. 

Sinto os olhos do que agora percebo ser um cão em mim, olhos estes... iguais aos meus. O olho direito era castanho e o olho esquerdo era azul. Igual a mim. 

"És tão bonito..." aproximo a minha mão do seu focinho e consigo finalmente sentir a sua pelagem. Nunca tinha sentido nada tão macio. O pelo era quentinho e completamente branco, de comprimento longo, e estranhamente nada emaranhado para um cão sem coleira, supostamente sem dono.

Sem mais nem menos, o animal começa a andar para a direita, onde se encontrava uma floresta muito conhecida pelas suas lendas da Espada Celeste, espada da Escolhida. Diziam ser ali que a arma estava a ser guardada pela estátua da Deusa das Estrelas. 

Qualquer pessoa podia simplesmente ir e tentar a sua sorte de se tornar a próxima Escolhida, mas o que se diz é que se nasceste sem poderes, já nasceste com azar. Isso e nascer com magia negra.

Já experienciei várias vezes feixes de energia negra, mas desde pequena fui ensinada que não devia mostrar os meus poderes, porque os portadores de magia negra, ou como muitos dizem, magia "proibida", ou até "impura", acabariam mortos se fossem descobertos. 

Foi isso que aconteceu há 23 anos atrás. A Escolhida – agora morta – foi capaz de encontrar todos os portadores de magia negra e matou-os sem pensar duas vezes. Tudo isso em menos de um ano. Uma sociedade inteira, morta. 

Bem, há 17 anos nasci e azar caiu sobre a minha família quando se descobriu que o sangue que corria pelas minhas veias era impuro. 

E agora aqui estou, sentada no chão a olhar para um cão que parece estar a tentar comunicar comigo. Mas é um animal, e eu não falo a língua do ladrar. Respirei fundo e expirei enquanto me levantava e aproximava-me da criatura, que já teria começado a caminhar para dentro da floresta. 

Nunca tinha entrado neste lugar. Tento afastar-me de tudo o que se relaciona com magia, tento ficar o mais longe possível. 

Mas finalmente aqui, vejo que é mais bonito do que pensava, é mais... vulgar do que eu pensava. As árvores estavam cobertas por uma manta branca. O chão uma carpete de neve, com as ervas mais altas ainda verdes. 

Uns minutos se passam, e o caminho por que aquele cão estava a andar começa a tornar-se cada vez mais estreito, cada vez mais escondido. 

Agora estava noutro território, sentia a mesma sensação de manhã a tomar conta de mim novamente, mas não era intrusivo, não era doloroso, simplesmente estava lá, a nadar no meu sangue, a aquecer-me o corpo. 

Soube aí que era a floresta a falar comigo, a magia daquele lugar a tentar entrar na minha mente, a tentar conhecer-me. 

"Tu não és um cão normal... certo?" Olho para o animal, e este devolve-me o olhar, mas logo volta a olhar para a frente. 

A minha visão percorre as árvores daquele local, que começaram a dobrar-se e a criar um túnel pela direção que íamos. Com isso, mais neve começou a cair sobre mim, mas esta rapidamente se evaporava e se tornava particulas de magia.

Reconhi estas partículas como sendo a magia mais pura que existia, alguns dizem que são as almas de todas as Escolhidas que já existiram juntas. 

Não sei ao certo o que são, mas lia vários livros de magia antes, e sei que a Espada Celeste possuí a magia mais pura do mundo, chamada de magia da luz. O total contrário de magia negra. E se eu estava a ver a particulas da magia pura, só podia querer dizer uma coisa...

Devido à minha distração das partículas, acabo por esbarrar novamente contra o cão, que já teria terminado a sua rota e estava agora parado à minha espera. À espera de eu ver o motivo dele me ter trazido aqui.

Ao olhar para a frente, deparo-me com uma estátua um pouco mais alta que eu, coberta de videiras e outro tipo de vegetação. Pelo tamanho, já estavam aqui à muito tempo, no entanto a estátua estava perfeita, sem algum sinal de decomposição. 

Havia uma fenda feita pelas árvores que davam permissão ao sol para iluminar aquela esbelta figura. Os seus cabelos eram longos, e parecia usar um vestido com várias camadas, e alsas caídas nos ombros.

Mas o destaque principal, era o que a estátua aparentava agarrar ao peito. Uma espada de cabo completamente branco, e a lâmina quase igual, embora ainda tivesse travos acizentados do metal. Percebi então que era esta a Espada Celeste. Era esta a estátua da Deusa das Estrelas. 

"Era isto que me querias mostrar, cão?" Eu pergunto, mas obviamente, não obtive resposta. "Eu não devia estar aqui, eu sou talvez a última pessoa que devia estar aqui!" Digo, virando a minha atenção para o caminho de volta à cidade. 

Porém, ao olhar de novo para aquela mulher, algo em mim dizia que era aqui que devia estar. Observo novamente a espada, e por modo automático, os meus pés começam a se mover. 

Os meus passos dirigem-me até aquele artefacto, e o cão afasta-se, dando-me o espaço que precisava para finalmente ficar diante da mulher, diante da Espada. 

As minhas mãos começam a tremer, mas isso não me impede de as levantar e segurar no cabo. Assim que o toquei, o chão abaixo dos meus pés começa a tremer e ouço os pássaros que estavam nas árvores voar para longe, contudo segurei com mais vontade na arma e fechei os olhos com força. 

É agora ou nunca. O meu coração está acelerado, e as minhas mãos estão a ficar suadas, mas já estou aqui, só tenho de puxar. Só tenho de puxar. Só tenho de-

Os dedos da estátua que apertavam a  espada soltam-se de repente, e pude assim afastar-me enquanto segurava o cabo com força. Boquiaberta e com os olhos fixos naquela espada, noto que a terra parou de tremer e os últimos pássaros já teriam ido embora. 

Olho para o cão, que não parece nada entusiasmado sobre o que acabou de acontecer. Mas isso não me deixou abalada, sorri como se fosse natal e abanei a espada como se fosse um troféu. 

Mas como sempre, não pude ficar feliz durante muito tempo, porque antes de poder fazer alguma coisa, sinto um raio de energia correr pelas minhas veias. A dor voltara, e a minha visão estava agora turva.

Olho para as minhas mãos, e vejo que a espada, uma vez branca, começara a tomar uma cor preta. O cabo, até a lâmina de metal estavam a ficar completamente escuros. 

Oiço um estrondo, e quando retomo o olhar para a estátua, deparo-me com um cenário antigo, estragado. O mármore da estátua em ruínas, parecia que estava em decomposição há anos. 

Confusa, procuro respostas no cão, mas para minha surpresa, o animal já não estava lá. Olho em volta, olho para a mulher, olho para a espada. Nada. Silêncio total. 

"O que é que eu fiz?"

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