Ichika estava louca para acabar sua carga horária e ir embora. Queria ir para casa, tomar um banho e enfim dormir. Quem imaginaria que ela teria que ficar uma hora a mais naquele dia. Quem dera se ela tivesse saído mais cedo. A pressa só lhe aumentava a ansiedade. Enquanto atendia no balcão, estava distraída olhando o seu celular. Gostava de fazer aquilo enquanto as mesas estavam ocupadas, até que uma voz a faz levantar os olhos do aparelho, uma garota lhe chamava a atenção, seus cabelos estavam presos em um coque, porém tinham um destaque, eram rosa, era até engraçado o fato dela ser a única no estabelecimento com um cabelo diferente. Ele era de estatura média, tinha no braço um jaleco branco, e de forma descontraída usava nos pés um par de All stars vermelho. Estava tão ocupada a observando que o mundo ao seu redor já não parecia existir.
- Ichika! Meu Deus você vai demorar quanto tempo até atender a cliente que acabou de chegar! - era o seu irmão mais velho Yuma que a fez retornar da transe.
- ÃÃÃ? Ah é mesmo! rápido pega o bloquinho a caneta e o cardápio!- disse isso estendendo a mão para ele. Yuma revirou os olhos. Então apontou com o indicador discretamente onde estava tudo. Ela riu nervosa. Pegou as coisas com pressa e foi até a mesa 5.5, seu coração palpitava, seus cadarços haviam desamarrados, suas mãos suavam, ela se sentia estranha, nunca havia sentido tudo aquilo antes, era uma simples tarefa, ir até a mesa, anotar os pedidos, e dar para o Yuma fazer o resto. Mas algo naquele dia parecia tornar tudo mais difícil.
- É uma tarefa simples eu consigo! - sussurrou consigo mesma, quando estava focada em como chegaria na mesa 5.5, não viu uma criança que correu em sua frente. Ela se desequilibrou, seu bloquinho caiu assim como as outras coisas que carregava, pisou em seus cadarços o que favoreceu ainda mais sua queda. Seu destino com o chão estava certo. Havia até fechado os olhos, não queria ver a humilhação que a esperava. Ouviu um barulho de cadeira se deslocando rápido, até que sentiu um braço que a segurava forte. Logo que não sentia o frio do chão abriu os olhos, mal podia crer no que via. De bem perto observava seus olhos verdes, suas evidentes sardas que delicadamente iam aparecendo debaixo de uma base que havia sobrevivido o dia todo, dava para ouvir sua respiração forte e violenta, assim como dava para sentir um leve cheiro de cereja pairando sobre o ar. A garota a colocou de pé.
- Tá tudo bem?- perguntou com um sorriso. Ichika queria sumir naquele momento, talvez se esconder na vergonha que estava sentindo, por mais que não tivesse caído de cara no chão frio, estava frustrada por não ter amarrado os cadarços direito.
- Ahh s-sim muito obrigada - disse timidamente. A garota agachou para pegar o que havia caído.
- Toma, isso é seu. - e entregou o que havia pego, mal imaginava que a sua felicidade acabaria tão rápido. Quando a acompanhante se pronunciou irritada.
- EI! VOCÊ LARGA MINHA NAMORADA! SUA.... SUA FURA OLHO! -gritou a loira. Ela era mais alta que a de rosa, estava com os cabelos propositalmente bagunçados e usava uma jaqueta de couro enquanto cobria a camiseta branca estampada com a logo dos beatles. Uma calça Jeans preta rasgada e botas. Uma roqueira? pensou Ichika. Logo depois de um tempo a noção veio. Ichika arregalou seus olhos escuros. Como aquilo acontecera? Como ela nunca havia percebido que as duas eram um casal. Voltando o olhar para a garota dos cabelos rosa, viu que mesmo assim estava tentando justificar um erro que Ichika havia cometido.
- Ai Riley, eu só tava ajudando ela, credo que ciúmes ridículo! - disse levantando os braços para cima em forma de redenção. A garota poderia ter a deixado cair no chão, em vez disso preferiu ajudar, não era justo a "rosada" receber culpa de algo que não fez.
- Ela veio até onde eu sei ajudar a gente, nem sei como você conseguiu ficar com a mão levantada por tanto tempo... - disse, imitando o movimento com as mãos no ar. Riley acalmou seus ânimos e voltou a se sentar, estava um pouco nervosa, pela demora e pelo ocorrido a pouco.
-E-ei... qual o seu nome?- disse quase num sussurro a garota, ela segurou a manga de sua blusa um pouco de leve para lhe chamar a atenção. Ichika pensou quase que ela a não ouviria, mas logo veio sua resposta
- Meu nome é Scarllet - disse se virando a ela, depois de responder a pergunta, levantou a cadeira que havia derrubado quando foi evitar a queda.
Ichika estava feliz. Por mais que particularmente uma certa onda de caos a cercava desde que ela havia se levantado para fazer o que um atendente faz, resumiu que aquela fora a melhor forma de se chegar na situação na qual estava.
- Então, aqui está o cardápio, escolham e depois me chamem. - Se virou e andou rapidamente até o balcão no qual escondeu o rosto com o cardápio. Seu rosto estava avermelhado. Quente. Quando levantou sua cabeça um pouco acima do cardápio, seus olhos não a deixaram pensar, logo já se direcionaram para a mesa 5.5, e Scarllet erguia seu braço novamente, dessa vez mais confiante. Ichika pegou a bandeja e se dirigiu até a mesa, nessa vez a rota parecia mais curta.
- E então o que escolheram? - disse completamente ignorando a existência de Riley e colocando seus olhos na linda mulher que a ajudara a se levantar.
- Eu quero 6 rosquinhas, e 3 delas coloque BASTANTE granulado por favor?- Scarllet estava um pouco envergonhada em pedir mais em alguma coisa, Não queria passar a impressão de esfomeada. - E você Riley? Quer alguma coisa?
- Eu não quero nada! - disse encostada na vitrine olhando para o movimento de fora. Riley estava queimando de raiva.
- Não fica emburrada, só por quê você perdeu o emprego não significa que perdeu a vida! - Ichika ficou imóvel, por um momento preferiu estar em outro lugar, mas como não sairia dali sem um pedido em mãos ficou parada observando o desenrolar de toda a situação.
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-Pra mim sim! - Ela aumentou o tom de voz enquanto espalmava as duas mãos na mesa, ela parecia uma criança birrenta. Scarllet suspirou e respondeu.
- ahhh tá bom então, só... o que eu te pedi mesmo por favor. - ela estava triste. De algum modo Ichika se sentia na obrigação de tirar um sorriso dos lábios de Scarllet, ela tinha uma ideia.
- Tudo bem, logo o seu pedido estará pronto. - disse isso enquanto se virava e seguia para a cozinha, seu plano era, além de fazer o pedido ela mesma, faria bolinhos com os rostos das duas, a fim de não agradar somente Scarllet, mais Riley também.
- O que você tá fazendo aqui?- disse Yuma fazendo uma cara esquisita, afinal, ele passava a maior parte do tempo na cozinha, seria como uma ofensa dizer que ele não era um bom cozinheiro. Seria subestimá-lo ainda mais ousando cozinhar ali, mas ela não tinha tempo e nem queria discutir a respeito.
- Esse pedido eu decidi fazê-lo eu mesma, porquê? - disse questionando com um som de desafio aos ouvidos de Yuma. Isso o fez cruzar os braços.
- É raridade ver você vagando pela MINHA cozinha, mas só tome cuidado pra não botar fogo na cozinha - Era um ambiente sagrado para ele, ela não podia desrrespeitar, tão pouco fazer uma bagunça tremenda, ela teria que fazer tudo com a mínima cautela para poder voltar denovo para lá. Enquanto isso, ele foi preparar outro pedido. Ichika fez tudo conforme seu próprio plano, era engraçado ver dois bolinhos iguais as clientes da mesa 5.5, tudo havia ficado mais fácil naquela terceira vez, não havia nenhuma criança no caminho, ela havia ido embora, seus sapatos estavam bem amarrados, agora ela estava atenta ao ambiente ao seu redor, chegou a mesa e serviu as duas, com muito orgulho, deu meia volta enquanto um leve puxão de uma das duas a fez retornar para a posição inicial, a admiração por parte de uma acabou.
- EI! VOCÊ REALMENTE ACHA QUE MEU ROSTO É GORDO? - disse Riley puxando o avental de Ichika pela gola e aproximando o bolinho a cada minuto para mais perto do rosto.
- Riley, você ainda não percebeu que os bolinhos são assim? É pra parecer adorável! - disse mostrando o bolinho- Na minha opinião estão LINDÍSSIMOS!- disse se contrapondo ao pronunciamento de Riley.
- Grande coisa, a gente vai te que paga esse bolinho que A GENTE NEM PEDIU! - ela realmente não se importava com o valor que iriam pagar, estava mais preocupada com o rosto dela no bolinho, o rosto só ficou daquela forma porquê ao tentar fazer o cabelo que ficava sob a lateral do rosto realmente dava um aspecto de "gordo".
- Na verdade, esses bolinhos são por conta da casa - argumentou Ichika, desmentindo o que Riley acabara de dizer. A fazendo se sentar de volta no lugar e soltar sua gola.
- SÉRIO??? AI QUE LEGAL! E AS ROSQUINHAS SÃO LINDAS, OBRIGADA! - o dia havia ficado perfeito, ela agradeceu com tanto carinho que parecia uma criança que acabara de ganhar um presente de aniversário, logo que virou o olhar para Riley, ela parecia querer matá-la só com os olhos, então se distanciando das duas, pegou a bandeja colocou no balcão, e foi limpar algumas mesas. Muitas já estavam limpas, mas era melhor olhar para as mesas do que para o olhar furioso de Riley que ainda a encarava. Depois de um tempo foram pagar a conta no caixa. Ichika não estava lá para registrar o pagamento, daquela vez era Yuma, se eu tivesse sido mais rápida em limpar as mesas teria dado tempo de atender e dar um tchau no mínimo pensou consigo mesma, ela ficou observando as duas até estarem quase chegando na porta de saída, Ela tomou coragem.
- V-VENHAM MAIS VEZES!!! - gritou olhando fixamente a Scarllet. Acenando com a mão.
- É óbvio que voltaremos mais vezes. - depois abriram a porta e foram embora, ela sentiu uma mão pesada em seu ombro e uma voz dizendo.
- Venham mais vezes? Acho que vai ter que dizer isso para os clientes que estão aqui quando eles forem embora também não acha?- disse Yuma a fazendo virar para as mesas ainda ocupadas, e realmente ele estava certo, ela ficou algumas horas a mais dando "volte sempre" para os clientes que iam embora, quando olhou a mesa 5.5 de novo, observou algo que uma das duas haviam esquecido, era uma jaqueta jeans, claramente customizada, havia nela desenhos de flores de cerejeira e quando Ichika sacudiu viu um telefone, não tinha nenhuma descrição anotada. Ela viu uma oportunidade de se aproximar mais de Scarllet, só lhe restara saber se aquele número de telefone era realmente dela.
A carga horária havia acabado, as mesas estavam limpas a cafeteria estava enfim fechada, eles pegaram suas bicicletas e foram rindo, conversando e falando das coisas mais patéticas que tinham acontecido aquele dia: da queda que Ichika obtivera e como algumas horas depois Yuma teria recebido um enorme vácuo de umas das clientes ao perguntar se iria pagar no crédito ou débito, as risadas rondavam as quadras vazias que por causa dos idosos era sempre a hora deles dormirem, como era o horário noturno do trem passar eles pararam na faixa para esperara-lo atravessar.
- Sabe Ichika, mesmo que eu te ODEIE como irmã, sabe as vezes eu tenho pensado em que tipo de pessoa eu me tornaria se eu não tivesse a responsabilidade de ser seu irmão mais velho. - Depois de Keiko nascer a sua mãe havia morrido por complicações pós parto, Keiko a mais nova dos três, Yuma era o que mais tinha lembranças da mãe e sempre a comparava com sua irmã os mesmos cabelos negros que acompanhava os olhos puxados que ao mesmo tempo davam um ar de estarem olhando através da alma de alguém.
-Você seria menos lesado HAHAHA- disse disparando na frente, fazendo caretas e gritando "lesado" pelo bairro todo, ela não gostava de ter conversas complexas com ele e faria de tudo para não tê-la.
- Sua filha da puta, te odeio sua caralha!!!- ele saiu pedalando até alcançá-la gritando insultos contra ela.
- Você me ama!- foi a ultima frase até chegarem em casa. Ainda eufóricos deixaram a bicicleta fora da garagem, e foram seguir o seu resto de dia, estavam tão ocupados com outras obrigação que nem notaram a presença de algo diferente. Havia um bilhete em cima da mesa. Era de seu pai, que dizia para ligar para ele, Ichika não ligaria, o pai era muito duro com ela, fazendo ela passar por situações de ridículas, e Keiko muito menos, o único que ligou para saber o que do bilhete fora Yuma, o mais parecido fisicamente, e o único que não tinha medo dele, de acordo com o pai, ele havia ido viajar e não voltaria em menos de um ano ou mais, ele fazia alguns trabalhos no exterior e mesmo que sua família tivesse uma casa confortável, ele fazia isso mesmo que sem intenção, para se manter longe deles. E eles percebiam isso. Ichika fazia a coisa que mais o irritava, ela gostava de desenhar e muito embora sua mãe fizesse o mesmo, ao vê-la fazer era quase como um início de guerra, mas ela não conseguia se expressar bem, escrever cansava, então ela desenhava, para descarregar a exaustão do dia. Mas naquela noite ela não desenharia janelas ou canecas, ela desenharia a pessoa que mais estava ocupando sua mente, ela desenhou uma mulher que Michelangelo gostaria de ter visto Scarllet, em seus mínimos detalhes, e o guardaria em uma pasta para não amassar, a jaqueta que estava na sala foi para o quarto, ela pegou a jaqueta que estava amontoada em um canto, ela a cheirou, talvez porque quisesse se lembrar da quase-queda que ela teve, mas por algum motivo ela queria, e muito que ela estivesse ali, devolveria a jaqueta, mas iria aproveitar até o último resquício de perfume.