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- Seja bem vindo Senhor...

A voz era feminina e suave, um pouco humana, um pouco robótica e muito simpática. Piscou os olhos virando a cabeça e observando ao seu redor, havia uma quantidade enorme de nada. Ou melhor, havia uma iluminação perfeita para não incomodar, mas não tinha qualquer coisa para ser vista. Era só essa iluminação meio acinzentada e meio azulada que lhe dava uma sensação de estar flutuando, mesmo que nada indicasse isso.

- Senhor, eu preciso de um nome para poder prosseguir.

A voz soava levemente apressada como se tivesse ocupando demais o seu precioso tempo, até mesmo uma maquina sem sentimentos não gostava quando ficava pensando e divagando, por isso só para não deixá-la ainda mais irritada e ser jogado para fora antes de começar resolveu responder a pergunta.

- Eu sou Thunder.

Umas séries de luzes começaram a iluminar o seu redor com cores que agrediam, de uma maneira positiva – se é que isso existe – seus olhos. Uma série de imagens pararam a sua frente, todas de pessoas diferentes e de sexo diferentes, com todos os tipos de tons de pele e cores de cabelo. Nunca tinha imaginado que pudessem existir tantas variações de seres humanos assim, mas o que lhe fez sorrir era que havia gordos, magros e no meio do caminho. Sem falar dos negros e de mulheres, que eram tão plurais quanto os homens.

O jogo realmente havia colocado seu tempo em tentar contemplar todos os corpos.

- Senhor Thunder, você sabe como é feito a escolha do seu avatar?

A verdade era que não, ele não sabia que esse jogo existia até duas semanas atrás quando sua irmã trouxe uma copia em um pendrive para a casa e transferiu o jogo para todos os VR. Quando todo mundo, incluindo o tecnofóbico do seu pai, passou a conversar apenas sobre o jogo durante suas reuniões em família, sentia que era hora de começar a jogar.

O vicio chegou ao ponto de seu pai comprar um pod familiar para todos poderem jogar em imersão completa. Quando percebeu que as pessoas não falavam de outra coisa além do jogo, soube que estava na hora de tentar, principalmente com seus amigos dizendo que estava perdendo uma oportunidade. Por isso decidiu que estava na hora de dar uma chance.

- Na verdade eu não sei.

Como esperado A Voz pareceu ligeiramente contente quando lhe respondeu, como se uma oportunidade única havia se apresentado diante de si e estava na hora de aproveitá-la. Isso lhe deu certo receio.

- É como escolher uma roupa, Senhor Thunder. Basta deslizar as imagens até que uma lhe agrade, então basta clicar nela duas vezes que você terá o seu avatar. Claro que poderá customizá-lo no decorrer do jogo e até mesmo mudar seus cabelo e atributos físicos, isso é apenas um começo. Nosso jogo fornece uma experiência completa de customização.

Sem nenhum pretensão começou a deslizar os modelos que estavam a sua frente, eles vinham em trios: masculinos, femininos e andrógenos. O que sinceramente era uma sacada muito boa, dada à quantidade de pessoas que não se identificam por gênero e não jogariam se fosse obrigado a opinar.

- Então, eu posso escolher qual sexo eu quero ser?

Novamente a voz soou completamente satisfeita em lhe responder.

- Sim, Senhor Thunder. Mas não nos responsabilizamos por qualquer problema que possa vir a surgir dessa escolha.

Não pode deixar de sorrir, era interessante que o jogo não limitava as opções dos seus jogadores, embora não se responsabilize por isso. O que era esperado, não tinha como eles garantirem que todo mundo seria de boas ao descobrir que a menina com quem casou e gastou rios de dinheiro no jogo, na verdade era um menino. Não que estivesse pensando em fazer isso, caso jogasse com um avatar feminino, não iria abusar das pessoas dessa forma.

- Com relação a raças? Só posso jogar de humano?

Não houve nenhuma resposta imediata, como se ela tivesse conferindo alguma coisa. Provavelmente qual versão e qual plano estava pagando. Como seu pai havia realmente gostado do jogo, tinha comprou a versão Premium Familiar com todos os acessos por cinco anos. Era uma grana violenta, mas seu pai não era alguém que media esforços por um hobby, principalmente um que ele podia ser tão bom quanto qualquer outro.

Ou que ele pudesse reaver o dinheiro, pelo que sabia sua irmã já pagou pelo Premium e estava quase dando o update para a versão que liberava tudo, fosse esse tudo o que fosse, mas como não contribuía com dinheiro em casa ficava de fora dessas conversas.

- Sim, mas como um jogador Premium, eu venho com a possibilidade de aconselhamento. Você deseja que eu lhe aconselhe?

Foi sua vez de não responder de imediato, mas decidiu que se tinha isso incluso em seu pacote, por que não usar? Então se viu mexendo a cabeça de maneira positiva.

- Infelizmente Senhor Thunder, só reconheço comando de voz.

Claro, era só um software no final do dia, mesmo que soasse levemente irritada às vezes.

- Claro, por que não?

Podia jurar que ela estava sorrindo, se tivesse algum tipo de pontuação por fazer as propostas corretas, sentia que estava ganhando nota máxima. Mesmo que fosse um pouco lento.

- Eu aconselho que comece a jogar como humano. Poderá mudar de raça pegando missões que são oferecidas pelos deuses da mesma. Assim você pega as mecânicas do jogo e se habitua aos combates, já que algumas possuem uma série de modificações que podem não ser agradáveis para alguém que nunca jogou.

Acenou com a cabeça enquanto levava sua mão até seus lábios, dobrando-os com seu polegar e seu indicador.

- Tudo bem, existe algum tipo de modo aleatório? Eu não acho que consigo escolher um avatar com todas essas opções de forma rápida.

Porque era o tipo que ficava horas olhando e olhando roupas, até que conseguisse decidir o que iria escolher ou levar, por isso sempre fazia compra sozinho. Ninguém, nem mesmo seus amigos mais próximos tinham paciência para ir junto.

- Claro! Sua conta prevê isso e você deseja escolher sua Habilidade Única? Ou prefere que seja aleatória?

Mais escolhas, ele não sabia como lidar com tantas escolhas desse tipo e ao mesmo tempo, era um verdadeiro pesadelo para si. Suspirou e balançou a cabeça.

- Tem um jeito de isso ser aleatório também?

A voz novamente passou a considerar alguma coisa, podia perceber que estava sendo analisado, mesmo que não tivesse quaisquer olhos. Por um segundo se perguntou o motivo dela não possuir qualquer tipo de corpo ou forma física, mesmo que seja para ter uma mascote, o que até onde sabia, eles não possuíam um. Não que impedissem a quantidade de absurda de merchandising que eram vendidas.

The tale has been stolen; if detected on Amazon, report the violation.

Só sua mãe tinha todas as versões de pelúcia de um dos monstros que ela achava fofo, embora ele achasse horrendo e ficou sem jantar quando lhe disse isso.

- Existe um questionário experimental para novos jogadores, que não só define o avatar como sugere também uma possível Classe, o que acha?

Isso pareceu uma boa ideia, gostava de fazer esse tipo de questionário e às vezes ficava horas em sites fazendo esse tipo de coisa que não levava a nada, ali pelo menos teria algum resultado mais útil. Embora isso fosse questionável o quanto útil realmente fosse.

- Tudo bem, eu aceito.

Outro sorriso maligno da Voz Etérea, quando fosse dormir iria sonhar com essa voz sem corpo que ficava tendo expressões faciais. Um pesadelo. Completo e total pesadelo.

- Ótimo, vou prepará-lo.

Então sentiu como se tudo estivesse girando, mesmo que estivesse completamente parado. Isso começou a se perguntar se havia algum tipo de efeito negativo. Afinal haviam pessoas que possuíam labirintite e epilepsia que poderiam passar mal devido a esse tipo de movimento, como o jogo rodava apenas com um celular padrão e um capacete VR, facilmente poderiam acabar vomitando ou coisa pior. Principalmente o jogo base sendo grátis.

As contas eram apenas um complemento, que não agregava nada que não pudesse ser obtido por uma conta gratuita. Mesmo assim era difícil encontrar alguém que não tivesse pelo menos o pacote bronze já que ele era liberado por horas de jogo. Só não sabia quantas e com a possibilidade de se tornar um jogador profissional era considerável, acabava que todo mundo tinha alguma vantagem.

Viu-se diante do que parecia ser uma sala de aula, por um segundo torceu o nariz, não tinha nada contra a escola em si, mas não queria que o jogo a emulasse. A sua frente havia uma folha com diversas perguntas. Ergueu uma sobrancelha e começou a responder:

01) Com qual gênero você se identifica?

Não havia qualquer opção, isso o fez erguer uma sobrancelha, porque a falta de opções era algo libertador. A pessoa poderia se definir como ela se sentisse mais a vontade, por isso ficou um tempo considerando a resposta.

R: Homem Cisgênero.

As palavras brilharam por alguns segundos e então apareceu outra pergunta, como a anterior sem qualquer opção. Era uma liberdade que não esperava que estivesse precisando. Porque nesse momento era ele quem estava ditando as coisas e não a sociedade.

02) Como você descreve seu biótipo? Caso não sabia o que é isso, é seu o corpo.

A resposta correta era mediana, ou seja, nem gordo e nem magro, nem alto e nem baixo, algo comum que se você passar pela rua não olharia duas vezes. Contudo não queria ser assim no jogo, queria ser alguém que sempre quis ser, mas que nunca iria ser. Simplesmente porque não lhe interessava todos os sacrifícios para chegar lá, estava satisfeito como era, mesmo almejando algo diferente.

Os seres humanos eram complexos e contraditórios.

R: Um metro e setenta, corpo esbelto e musculoso.

Por um segundo as letras ficaram brilhantes e então sumiu, dando lugar para outra pergunta.

03) Como são os detalhes? Cor dos olhos, tamanho e cor do cabelo, qualquer detalhe extra que você queria acrescentar em seu físico.

Novamente uma chance de descrever como queria o seu corpo, mordeu seus lábios e fechou os olhos como se buscasse uma imagem mental de como seria. Então, começou a escrever.

R: Cabelos curtos e espetados, em um tom de loiro claro. Olhos violetas em um tom escuro e uma tatuagem de raio em meu ombro direito.

Ficou em silêncio considerando se tinha acabado, dizia que poderia colocar qualquer detalhe extra. Então sorriu.

R: Um sorriso de predador e um rosto levemente angulado para baixo.

Sabia que parecia com um personagem de anime, mas era um jogo não era? Então acreditava que não tinha qualquer problema em ser dessa forma. Se quisesse realidade não estaria ali em primeiro lugar, então iria ser como quisesse. A pergunta sumiu e apareceu outra.

04) Se for de seu desejo, indique sua etnia, caso não uma cor fantasia será atribuído ao seu personagem.

Acabou batendo palma, ao colocar uma cor fantasia o jogo estava assumindo que não havia uma etnia predominante. Achava que era a primeira vez que via um jogo que tomava em consideração as sensibilidades de seu publico e isso deixaria seu pai feliz e sua mãe um tanto irritada, mas duvidava que ela fosse fazer esse questionário. Era do tipo que iria escolher a imagem mais ariana possível.

R: Sem etnia, mas tom de oliva claro.

O jogo pareceu aceitar esse tipo de reposta, sorrindo em satisfação. Então a próxima pergunta apareceu.

05) Orientação Sexual e Romântica.

Ergueu uma sobrancelha por alguns segundos, isso iria influenciar no jogo? Bom, sabia que tinha uma opção de casamento e coisas do tipo, mas não era algo que poderia ser descoberto entre as partes? De qualquer forma, resolveu responder.

R: Homossexual. Homoromântico.

As letras sumiram aceitando a sua resposta. Achou esquisito, mas continuou com a próxima pergunta.

06) Como você define o seu estilo de jogo? Linha de frente, Conjurador ou Surporte.

Não tinha nenhuma predileção, porque não costumava a jogar RPG ou qualquer tipo de jogo desse tipo, era mais uma pessoa de tetris ou jogos de plataforma. Por isso ficou em silêncio pensando.

R: Linha de frente e Conjurador, se possível um misto entre ambos.

Porque não achava que seria uma boa pessoa curando e buffando os outros, ficando atrás enquanto outros iam à sua frente. Era alguém muito agitado para isso. A resposta foi aceita e então sumiu dando lugar a mais pergunta, começando a ficar sem muita vontade de responder, parecia um teste do colégio.

07) Como Linha de frente, como pretende lutar? Com armas? Quais? Sem?

Jogou o braço para cima como se desistindo de tudo aquilo, não conhecia direito o jogo, então qualquer coisa estava boa. Mas havia pedido por isso não havia? Então achava que era melhor ir até o final.

R: Gostaria lutar com espadas e de forma rápida, nada de armaduras pesadas e não me vejo usando meus próprios punhos, não sou assim.

Achou que não iriam aceitar sua resposta, mas então ela sumiu como todas as outras e uma nova apareceram a sua frente. Brilhando animadamente, podia perceber a voz de divertindo com o seu sofrimento, mesmo que fosse uma impressão sem qualquer base na realidade. Sádica do caralho.

08) Como Conjurados você prefere: aprender a magia, se aliar aos elementos ou fazendo contrato com alguma entidade superior para ter sua magia?

Nada de aprender, soava muito com escola tradicional para si e tinha seus problemas em como o ensino era feito para gerar pessoas que odiavam a educação. Contrato significaria que deveria a alguém que poderia cobrar algo que não estava disposto a pagar. Já lidava com esse tipo de relacionamento em casa, então não. Então só havia uma resposta.

R: Se aliar com os elementos, principalmente raios.

As letras sumiram e desejou que pudesse ter alguma indicação que quantas respostas ainda faltavam já que eles educadamente apontavam quantas tinham ido. Novamente um esquema de escola e por tanto falho por natureza.

09) Você prefere aprender sozinho ou ter alguém que lhe ensine?

Viu? No final ele estava correto, o questionário tinha como base um sistema falho e que visava criar um sistema opressor. O que não era o caso aqui, mas ele não sabia disso ainda. Iria descobrir um pouco mais tarde no dia seguinte.

R: Eu discordo do sistema de ensino padronizado, então eu prefiro aprender sozinho e ter um orientador quando minhas duvidas surgirem e não consiga saná-las sozinho.

Por um momento sentiu as letras ondulando e achou que fosse ser rejeitado e precisaria reescrever sua opinião. Mas as letras sumiram quando aceitas e esperou que fossem a ultima, mas então uma nova pergunta apareceu.

10) Você aceita as escolhas que serão lhe imposta pelo sistema levando em consideração as suas respostas?

Jogou suas mãos para o céu em sinal de vitória. Graças a Deus.

R: Sim, totalmente. Cem por cento. Eu aceito.

Novamente poderia ouvir a risada da voz e entendeu por que ela não tinha um corpo, porque provavelmente seria muito tentador bater nela e como se lesse os seus pensamentos.

- Em vinte quatro horas seu avatar ficará personalizado.

Acenou com a cabeça e lembrou-se que ela precisava de um comando de voz.

- Tudo bem, vocês irão me avisar?

De novo o sorriso inexistente.

- Sim, receberá um aviso em seu celular.

Suspirou e olhou para cima, como se fosse assim ver a voz ou sua origem.

- Então até daqui a vinte e quatro horas.

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