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O fim - Parte 1

  – Me responde uma coisa, Orion... Como você conseguiu sobreviver por tanto tempo? Ainda estou meio confuso...

  Orion estava inclinado para trás na cadeira com os pés em cima da mesa enquanto observava o teto da humilde casa de Arcélius. Com toda a serenidade e calmaria do mundo ele põe seus braços atrás da cabeça, fecha os olhos e solta um profundo suspiro. 

  – Olha Arcélius, te contar que nem eu sei direito... Faz tanto tempo que nem eu lembro mais. Mas e você? Como você ficou vivo por tanto tempo?

  – Oh, bem... De certa forma eu meio que sou imortal – Responde Arcélius dando de ombros.

  – Imortal é? Entendo... É complicado né...

  Arcélius olha para Orion que ainda estava de olhos fechados. Sorrindo, ele continua a conversa – Não vou negar, até que foi bom saber que ainda resta alguém vivo. Quando se é imortal o tempo vira uma tortura... Agradeço pela visita inesperada, mas agora parando para pensar me surgir mais uma dúvida... Orion, se você conseguiu sobreviver sozinho por tanto tempo, então qual motivo te trouxe até aqui?

  Orion imediatamente abre os olhos, se ajeita na cadeira e começa a falar – Oh, é verdade, já estava me esquecendo... – Por um breve momento Orion franze sua expressão, como quem estivesse pensando seriamente – Sabe, Arcélius... Eu acho que eu devo estar com algum problema de memória... Se me lembro bem, eu tinha um motivo para vir até aqui, mas agora... Sabe aqueles momentos em que você tem uma coisa SUPER importante para falar aí simplesmente se esquece do nada? Pois é... Estou me sentindo meio assim.

  Arcélius apoia seus braços em cima da mesa e reflete por alguns segundos. Logo ele continua a conversa. 

  – Perda de memória? Entendo... Acho que isso é meio justificável. Já estava até estranhando você ter conseguido sobreviver a tudo o que aconteceu e estar perfeitamente bem há-há... – Antes que Arcélius continuasse a falar, ele olha para várias direções e em sua roupa como se estivesse procurando por alguma coisa, até que ele para e olha diretamente para Orion e continua a falar – Bem... Posso até não ter nenhuma solução instantânea para o seu problema de memória, mas se quiser pode me acompanhar na minha caminhada até um cemitério que tem aqui por perto, gosto de fazer visitas àquele lugar. Às vezes, no caminho pode ser que você acabe se lembrando de alguma coisa – Ele termina de dizer já se levantando da cadeira.

  – Por mim tudo bem! – Responde Orion. E assim, juntos, os dois saem da velha cabana de madeira e começam a caminhar rumo ao cemitério.

  Enquanto caminhavam, Orion observava os arredores. Gramas completamente secas e quebradiças, árvores mortas e com seus troncos podres e o solo desprovido de qualquer sinal mínimo de vida. Orion olha então para o céu e um sorriso em seu rosto aparece.

  – Olha só, Arcélius! Parece que vai chover. Essas nuvens estão tão densas que nem dá para ver o sol! – diz ele apontando para cima – Talvez ainda existam chances desse solo voltar a ser fértil...

  Sem olhar para trás ou para cima, Arcélius responde Orion enquanto continuava a caminhar em seu ritmo sem pressa e calmo – Não são nuvens de chuva, são nuvens de poluição. Cobrem toda a atmosfera e são tão densas que a luz do sol não é capaz de atravessá-las – Arcélius pausa brevemente e então continua a falar – E outra... Mesmo que fossem nuvens de chuva, não há mais como salvar nada aqui, já está tudo morto, ou melhor... tudo estava morto, ainda resta você.

  – Nossa, que situação, em?... Afinal, o que aconteceu aqui? Pelo o que me parece, esse mundo não ficou assim do dia para a noite, certo? – Diz Orion se aproximando de Arcélius.

  – Olha... Muitas coisas acontecerem até tudo chegar nesse ponto. Guerras, disputas de poder e incontáveis outras atrocidades, mas a verdade é que, mesmo se todas essas coisas nunca tivessem acontecido, esse mundo já estava fadado a acabar.

  – É mesmo? Por qual motivo? – Pergunta Orion curioso.

  – Milênios atrás, dois deuses acabaram se aniquilando em uma luta que travaram. A morte deles resultou em um desequilíbrio quase completo do universo... – Arcélius para de caminhar e observa o ambiente ao seu redor – A partir disso foi só uma questão de tempo para toda a vida ser varrida desse mundo.

  – Espera um minuto... Se isso que você está me dizendo é verdade, então como foi possível construir algo como aquilo? –Diz ele apontando para uma construção colossal longe no horizonte distante – Ou aquilo foi construído antes?

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  Arcélius para de andar, põe as mãos na cintura e observa a estrutura repousando no horizonte. Com um sorriso no rosto, Arcélius bufa rapidamente em um leve tom de ironia.

  – Aquela é Vitapulum, uma das duas cidades mais avançadas do mundo, ou melhor... costumava ser. Ela foi erguida há muitos e muitos anos depois desse acontecimento. – Arcélius pausa brevemente e começa a coçar a sua cabeça, com se estivesse pensando muito sobre o que iria falar em seguida – Sei que isso pode parecer meio irônico... mas tecnicamente isso só foi possível graças a morte daqueles deuses.

  Enquanto tentava entender o que Arcélius havia acabado de falar, a face de Orion se contorcia e oscilava entre diferentes emoções, quase como uma criança fazendo careta. Pobre Orion.

  – M-mas como?! Você não acabou de me dizer que a morte deles trouxe mais morte? Como seria possível isso trazer vida e morte ao mesmo tempo?!

  Arcélius olha para Orion com um enorme sorriso em seu rosto e seus olhos brilhando intensamente em um verde que capaz de penetrar na alma de qualquer ser. Um sorriso quase perturbador.

  – Pois é, eu sei que é bem estranho, mas é verdade... – Arcélius olha para a frente e então volta a caminhar – A morte daqueles deuses resultou na liberação de energias extremamente poderosas que, se usadas do jeito certo, nunca se esgotariam. Por sorte, uma das cidades ancestrais daquela época foi capaz de detecta-las e desenvolver tecnologias para que os humanos sobrevivessem com base nelas e, por fim, acabou batizando-as de “Caos” e “Decadência”. Aquela cidade ali funcionava exclusivamente através do uso da decadência, mas como eu disse... A energia só era ilimitada caso usada da maneira correta, ela agora não existe mais.

  Os dois voltam a caminhar em silêncio, mas de alguma forma, Orion sentia a como se somente a vista daquela cidade já fosse o suficiente para romper o silêncio mais profundo. Mesmo que Vitapulum não tivesse mais sinal nenhuma vida, por algum motivo, algo havia ganhado a atenção de Orion que agora não conseguia parar de olhar para a gigantesca metrópole. De repente, enquanto caminhava e observava a cidade, Orion começa a lentamente recuperar suas memórias.

  – Ah! Arcélius! Me lembrei de uma coisa! – Diz Orion com entusiasmo.

  Arcélius ainda guiando o caminho até o cemitério olha para Orion de canto de olho com um pequeno sorriso em seu rosto e responde – Oh? É mesmo? Pelo visto eu estava certo, essa caminhada está funcionando há-há... O que foi que você se lembrou?

  – Não é nada muito importante, eu apenas me lembrei que eu gosto muito de ouvir histórias há-há... – Diz Orion meio sem jeito. 

  O sorriso de Arcélius se desmancha até voltar a sua expressão neutra de costume. Por um breve momento, a única coisa que rompia o silêncio profundo daquelas terras de histórias já acabadas, era o som dos passos calmos dos dois sob os amontoados de folhas e galhos mortos. Após alguns minutos de silêncio, Arcélius bufa levemente como se estivesse profundamente imerso em seus pensamentos. 

  – Então você gosta de histórias? Não conheço muitas histórias e as poucas que conheço eu não acho que você irá gostar.

  Orion chega mais perto de Arcélius, põe uma mão em seu ombro e começa a falar – Ei, fica tranquilo, está tudo bem, não precisa contar se não estiver afim – Diz ele sorrindo. 

  Arcélius bufa uma última vez, mas desta vez, ao invés de se afundar ainda mais em seus pensamentos, seu corpo inteiro relaxa, como se um peso tivesse sido removido de seus ombros – Não tem problema... Pois bem então, se gosta de ouvir histórias, eu vou te contar uma. Irei lhe contar uma história sobre um lobo, um lobo que se chamava Fenrir - Orion tira a mão do ombro de Arcélius e atentamente escuta ele contar a história.

  "Fenrir não era um lobo qualquer, Fenrir era o lobo mais forte dentre todos os lobos que já existiram. A cada dia que se passava, Fenrir ficava mais e mais forte, no entanto, tanta era a força do lobo que muitos começaram a temer ele e o que poderia fazer com tanto poder. Ninguém sabia se Fenrir era bom ou mal, nem mesmo ele sabia, mas nunca demonstrou o mínimo interesse por isso, interesse por querer se entender; seu mundo era reduzido há apenas aquilo que havia conhecido, nunca conheceria o que era desconhecido a ele. Mesmo se quisesse saber sobre si, nunca seria capaz pois fora acorrentado para evitar que maiores problemas acontecessem. Para acorrentar um lobo tão forte, foram necessárias as melhores correntes já criadas, correntes meticulosamente projetas apenas para acorrentar o lobo. Sem opções, Fenrir permaneceu acorrentado e em sua mente, nada restou além de pensamentos vazios e sensações não sentidas. Mesmo com toda a luz, Fenrir nunca pôde ver claramente o que nunca havia visto."

  Antes que Orion pudesse falar qualquer coisa, Arcélius para de andar e observa por alguns instantes o que estava a sua frente. Haviam chegado no cemitério.

  – Pois é... posso até não conhecer muitas histórias boas, mas esse lugar consegue ter histórias ainda piores – Diz Arcélius enquanto brincava de chutar as pedrinhas do chão. 

  – Ah é? Quais histórias? – Diz Orion pensativo enquanto olhava tudo ao seu redor. Algum pensamento havia tirado toda a sua paz, como se houvessem fantasmas perseguindo-o e centenas de faces observando ele em sua mente.

  – Bem... Para falar a verdade nem eu sei. Ninguém sabe. São histórias inacabadas e por isso são horríveis. Essa sensação de saber que existem histórias que nunca saberemos o verdadeiro fim me deixam com um aperto no peito... quase como um remorso. Você não sente o mesmo?

  – Remorso... – Orion repete o que Arcélius havia dito para si mesmo e em seguida se afunda por completo em seus pensamentos, como se a sua mente estivesse em um lugar muito além de qualquer outro lugar. De repente, em um estouro, Orion grita – Ah droga. É claro! É isso! Como pude me esquecer disso? Bem, tanto faz. No fim isso tudo vai acabar da mesma forma...

  – Oh? Conseguiu se lembrar de alguma coisa? – Diz Arcélius curioso ao mesmo tempo que preocupado enquanto brincava de se equilibrar em cima de uma lápide.

  – Sim, me lembrei de tudo, e isso é muito preocupante... Preciso de ajuda, Arcélius, o tempo está se esgotando.

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